A última peleja do Diabo Loiro
Há sessenta anos morria Corisco, o derradeiro chefe do cangaço, mas a batalha dos sertanejos contra a fome e a violência continua
Imagine-se no dia 25 de maio de 1940. Corisco havia cortado o longo cabelo loiro e não andava mais em bando desde a morte de Lampião, dois anos antes. Vivia escondido com sua mulher, Dadá, na casa de um sertanejo na cidade baiana de Barra do Mendes. O casal havia acabado de almoçar quando foi surpreendido por uma volante patrulha policial que seguia os cangaceiros. Corisco não quis se entregar e morreu no tiroteio. Dadá, ferida na perna por uma bala, ficou para contar a história.
Cristino Gomes da Silva Cleto, nasceu na cidade de Matinha de Água Branca, Alagoas. Aos 17 anos, matou um protegido do coronel da cidade e fugiu. Sem rumo certo, optou de vez pela criminalidade e entrou para o bando de Lampião, o lendário cangaceiro. Forte, corajoso e ligeiro, logo passou a ser chamado de Corisco. Conquistou poder e, com a divisão do grupo (parte da estratégia para fugir à perseguição policial), ganhou seu próprio bando.
Com a morte de Lampião, Corisco tornou-se o único chefe cangaceiro. Antes de encontrar seu fim, ainda tentou vingar a morte do amigo. Matou a família do fazendeiro acusado de delatar o bando à polícia. Acabou cometendo uma de suas maiores atrocidades: assassinou as pessoas erradas.
Nessa época, Corisco já era conhecido como Diabo Loiro, pela cabeleira e, claro, pelo espírito. Ninguém sabe dizer ao certo quando ele nasceu. Sabe-se que em 1928, já no início da vida adulta, apaixonou-se por Sérgia Ribeiro da Silva, a Dadá, e não teve dúvidas: raptou e estuprou a menina de 13 anos. Corisco ensinou Dadá a ler e escrever e teve paciência para esperar que ela aceitasse o destino imposto por ele. Dadá virou a costureira do grupo e passou a fazer os "modelitos" que aparecem em todas as fotos dos cangaceiros.
Em maio de 1968, a revista Realidade colocou frente a frente Dadá e o coronel José Rufino, responsável pela morte de Corisco. Ele, velho e doente, chorou ao vê-la. Dadá, forte e altiva, o perdoou, mas desmentiu o algoz. Ele não matara seu marido em combate, afirmou. "Foi emboscada." Do cangaço, Dadá levou lembranças, três filhos com Corisco e nenhum dinheiro. Morreu em fevereiro de 1994, aos 78 anos, na periferia de Salvador.
O bando de Lampião aterrorizou o sertão nordestino por quase vinte anos. Especula-se que a origem do cangaço remonte ao século XVIII, quando fazendeiros recrutavam sertanejos para exterminar índios. Mais tarde, os colonos teriam sido obrigados a participar das lutas entre famílias ricas que disputavam terras com políticos. Por fim, esses bandos tornaram-se independentes, criando leis próprias e subornando fazendeiros e comandantes da polícia em troca de proteção. Seus métodos bárbaros incluíam tortura, estupro e morte.
De acordo com essa tese, o surgimento desses andarilhos coincide com o declínio das culturas de cana-de-açúcar e algodão. O café, no Sudeste, passou a ser o motor da economia brasileira gerando fome, desemprego e falta de perspectivas no agreste. Assim, o cangaço era uma opção de vida atraente para sertanejos jovens que não tinham trabalho e rendiam-se à promessa de fama e dinheiro fácil. Qualquer semelhança com a história dos "soldados do tráfico de drogas" nos dias atuais não é mera coincidência.
Essa era a situação social e política da primeira fase da República. Aproveite a oportunidade para fazer seus alunos descobrirem quem eram os donos das grandes fatias de terra e o que mudou na vida da população pobre, principalmente a nordestina.
Língua Portuguesa 7ª e 8ª séries
Sabor regional
Os cangaceiros despertavam o medo e a admiração da maioria da população pobre do Nordeste. A professora Maria José Nóbrega sugere que os alunos pesquisem essas duas visões representadas na arte e nos fatos históricos.
1. Em literatura, ela propõe a leitura de três livros: Fogo Morto, de José Lins do Rêgo; Capitães de Areia, de Jorge Amado; e Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. A seguir, inicie um debate: por que os sertanejos são vilões e heróis ao mesmo tempo?
2. Utilize a literatura de cordel e textos de Patativa do Assaré para quebrar preconceitos da língua portuguesa. "Mostre a seus alunos que a língua popular muitas vezes é ridicularizada porque o povo é discriminado", afirma a professora. Peça a eles que descubram a regra gramatical desses versos, que fogem do padrão institucionalizado.
3. Músicas de Luiz Gonzaga, fã confesso de Lampião, também podem ser bons materiais para ilustrar a vida do povo nordestino. Coloque as músicas do rei do baião para seus alunos ouvirem e dançarem. "É um exercício de reconhecimento da diversidade cultural e lingüística do país", avalia Maria José.
Os bandos de Lampião e Corisco espalharam pânico por sete Estados brasileiros durante duas décadas. Circulavam pela área rural do sertão nordestino, deixando um rastro de mortes pelo caminho. Veja no mapa as principais cidades por onde Corisco passou.
Geografia 7ª e 8ª séries
Coronelismo e religião
1. Proponha que os alunos tracem uma rota do cangaço (use o mapa disponibilizado no link original como inspiração). Eles devem estudar a vegetação, o clima e a hidrografia dos Estados percorridos. Em seguida, o professor de Geografia Marcos de Franco, de Curitiba, sugere que os alunos pesquisem as condições sociais da população na época do cangaço e hoje. "O objetivo é fazê-los perceber que em muitos lugares a situação permanece a mesma", explica.
2. O cinema também pode ajudar nas aulas de Geografia. Filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Gláuber Rocha (1964), Corisco e Dadá, de Rosemberg Cariry (1996), O Cangaceiro, de Lima Barreto (1965), e Baile Perfumado, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas (1997), permitem que os alunos visualizem as condições naturais do Nordeste, as relações sociais da época, o poder dos coronéis, a religiosidade
7ª e 8ª séries
Heróis ou bandidos?
E a influência das festas populares. Peça aos alunos que anotem e apresentem essas informações. Mas atenção: as fitas contêm cenas de violência e não são indicadas para menores de 14 anos.
História 7ª e 8ª séries
Heróis ou bandidos?
1. O historiador Flávio Trovão sugere a simulação de um tribunal para julgar os cangaceiros. Esse exercício pode ser realizado junto com a disciplina de Língua Portuguesa. Divida a classe em dois grupos. Uma turma fará o papel da promotoria, para acusar os cangaceiros por seus crimes. A outra será a defesa, que deve destacar as muitas vezes em que os cangaceiros distribuíram o produto de seus saques entre a população carente. "Os alunos devem concluir que eles eram invejados porque ofereciam uma forma de resistência à ordem estabelecida", afirma o professor.
*Matéria da Revista NOVA ESCOLA sobre reportagem publicada na revista Realidade em 1968, sobre o reencontro de Dadá com o coronel Zé Rufino: A história passada a limpo
Açude: Revista Escola
Nenhum comentário:
Postar um comentário