Rostand Medeiros
Pesquisador
Dona Terezinha de Jesus Queiroz relembra com saudades o tempo em que a família se reunia no alpendre para ouvir histórias dos cangaceiros. Atualmente se preocupa com a falta de interessa dos mais jovens pelos fatos do passado.
Em 10 de junho de 1927, quando Virgulino Ferreira da Silva, o famigerado Lampião juntamente com seus cangaceiros atravessou a fronteira da Paraíba com o Rio Grande do Norte, teve início o suplício em várias propriedades rurais. Muitas destas pessoas que viviam no campo eram simples e pequenos agricultores, como foi o caso do sítio Juazeiro, então na zona rural da cidade de Pau dos Ferros, atualmente pertencente ao território do município de Marcelino Vieira, a 380 quilômetros de Natal.
Sentada na varanda da casa anteriormente invadida pelo bando, defronte ao açude do Junco e da grande serra do Panati, Dona Terezinha de Jesus Queiroz, de setenta e dois anos, relembra o que seu pai, o falecido agricultor Manuel Joaquim de Queiroz, conhecido na região como “Manuel Laurindo”, lhe contou daquele estranho dia.
Ele tinha na época vinte e dois anos de idade, era solteiro, e na parte da tarde estava sentado no alpendre da casa de seu pai, concertando um sapato com algumas ferramentas para esta função. O genitor de Manuel, na época já viúvo, estava ausente e junto com ele na residência se encontrava a sua irmã mais velha.
A casa do sítio Juazeiro, zona rural do município de Marcelino Vieira, Rio Grande do Norte Casa onde morava Manuel Joaquim de Queiroz, o “Manuel Raulino”, localizada atualmente as margens do açude do Saco. Segundo Dona Terezinha, excluindo a calçada, a rampa e a coluna de alvenaria, o resto da casa está original.
De repente, em meio a uma grande algazarra, gritos, guinchados, urros, assovios e galopes das alimárias, um grupo de cangaceiros montados se posta diante do agricultor. Grosseiramente alguns lhe apontam seus fuzis, enquanto outros invadem a casa e ameaçam a todos.
Maria Queiroz, a irmã de Manuel, passava roupa na sala da casa. Ao perceber a entrada dos invasores armados começou a gritar. Logo fez menção de querer pular uma janela e correr. Rapidamente um cangaceiro apontou-lhe um fuzil na cabeça e ordenou que ela não fugisse. Outro membro do grupo de assaltantes disse que não maltratasse a mulher. Essa gritaria, esse movimento deixou os bandoleiros nervosos e foi preciso o irmão solicitar calma a jovem.
O autor deste artigo junto aos baús onde a família guardava roupas e outros utensílios. No dia do ataque todos foram revirados pelos cangaceiros em busca de armas e dinheiro.
Logo a pequena casa fica cheia de cangaceiros malcheirosos e rudes. Tem início uma busca frenética por dinheiro e armas e eles começaram a mexer em tudo. Alguns baús, peças de mobília que na época era comumente utilizada para guardar roupas, lençóis e outros objetos, foram bruscamente abertos e os seus conteúdos espalhados. Manuel negou a existência do que os cangaceiros desejavam, mas sua negativa fazia apenas atiçar o desejo da rapinagem. Estes baús estão até hoje nesta casa, conservados originais.
Na cozinha da casa do sítio Juazeiro vemos Dona Terezinha e o Secretário de Cultura de Marcelino Vieira, o professor Romualdo Carneiro, que busca através de ações junto as escolas do município a valorização da tradição oral de sua região.
No momento de partirem o pai de Dona Terezinha lhe contou que um dos cangaceiros estava tão pesado devido aos equipamentos, que o mesmo não conseguiu subir na sua alimária. Grosseiramente este ordenou a Manuel que segurasse as rédeas com força para que ele pudesse subir. Ameaçou o jovem que se caísse “ele iria sentir o peso de sua mão”. Manuel segurou as rédeas da maneira mais firme possível, para assim o arrogante bandoleiro conseguir montar e partir com seus companheiros.
Após a saída do grupo, o clima dentro da casa era de desalento. Tudo estava revirado, roupas, e lençóis estavam espalhados, objetos quebrados. O medo dos cangaceiros retornarem era enorme. Raulino chama sua irmã e decidem partir para o mato. Ainda tem tempo de escutarem outra parte da cavalaria de delinquentes passarem próximos de seu esconderijo e seguem em direção a casa de parentes. No caminho escutam inúmeras detonações, daquilo que ficaria conhecido como “Fogo da Caiçara”. Este combate, o primeiro do grupo de Lampião contra a polícia potiguar, resultou um morto para cada lado e a fuga dos policiais comandados pelo tenente Carvalho Agra.
No dia 13 de junho, enquanto Lampião chegava a Mossoró, Manuel Joaquim de Queiroz relatava para as autoridades presentes na Delegacia de Polícia de Pau dos Ferros, os fatos ocorridos na casa de seu pai naquela tarde do dia 10 de junho. Entre outras informações ele listou para o capitão da polícia Jacinto Tavares Ferreira, registrado na página 17 do processo, que os cangaceiros subtraíram uma quantidade de bens que o depoente calculou em 850.000 réis.
Dona Terezinha comenta que mesmo não sendo contemporânea destes fatos, ela recorda com satisfação as ocasiões em que a sua família, reunida a noite no alpendre da casa, relembravam estes episódios. Para ela, com a morte dos protagonistas e o desinteresse dos mais jovens da região pelo assunto, em breve não haverá mais quem se lembre dos fatos ocorridos no dia 10 de junho de 1927.
Serra do Panati e parte do açude do Junco. Sob as águas deste reservatório está o local onde ocorreu o “Fogo da Caiçara”, local do primeiro combate entre o bando de Lampião e a polícia potiguar.
Um comentário:
É um excelente trabalho, este do escritor Rostand Medeiros.
Lampião naquele tempo, só não fez chover, mas o que foi de coisa ruim, ele fez e fez bem direitinho.
Que Lampião perverso hein?!
José Mendes Pereira - Mossoró-RN.
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