quarta-feira, 25 de maio de 2011

Epitácio Andrade no rastro do "Cangaceiro Romântico"

Coroné Severo, curador do Cariri Cangaço e Dr. Epitácio Andrade
na ocasião da ultima reunião extraordinária da SBEC em Fortaleza.
Imagem ripada no Blog da Folha Patuense.

Se o cangaço Lampiônico tem essa notória infinidade de amantes faço saber aos amigos que está se revitalizando e conquistando novos adeptos o Movimento dos "Jesuinistas" através do empenho do Dr Epitácio Andrade.

Vamos conferir uma de suas entrevistas concedida a Gilberto Cardoso dos Santos. O pesquisador relata os detalhes dos seus projetos e sobre a produção literária, musical, teatral, e audiovisual a respeito do cangaceiro Potiguar.

Dr. Epitácio! Fale-nos sobre sua pessoa, profissão e trabalhos que tem desenvolvido.
- Sou médico psiquiatra por formação. Pertenço ao quadro de saúde da Polícia Militar e do Hospital Psiquiátrico Dr. João Machado, em Natal, onde resido. Trabalho em várias cidades do estado. Nasci em Catolé do Rocha/PB, “a praça de guerra”, como chama o conterrâneo Chico César, e fui criado no Patu, no médio-oeste potiguar, terra natal de Jesuíno Brilhante.

Desde quando surgiu seu interesse pelo fenômeno do cangaço e o que o motivou a estudar o tema com tanto empenho?
- Herdei o meu nome do meu pai Epitácio Andrade, ex-prefeito de Patu, que foi aluno do Professor Raimundo Nonato, no Colégio Diocesano de Mossoró. Doutor Raimundo Nonato é o autor de “Jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico”, sendo, portanto, o principal biógrafo de Jesuíno. Na minha infância, os meus pais recebiam e acolhiam o Professor Nonato em nossa residência em Patu, quando ele vinha pesquisar no acervo da casa paroquial. Talvez por meu nome significar “ofício de estado”, sentia-me na obrigação de acompanhá-lo em suas investigações. Posteriormente, passei a entender o resgate da nordestinidade como um ofício de estado.

 Capa da 3ª edição produzido pela Fundação Vingt-Un Rosado

Fale-nos, em linhas gerais, sobre a figura do cangaceiro Jesuíno Brilhante e sobre o que mais chama sua atenção na pessoa dele. 
- Jesuíno Alves de Melo Calado, “Jesuíno Brilhante”, apelido para homenagear um tio, nasceu no Sítio Tuiuiú, na zona rural de Patu, no Oeste do Rio Grande do Norte, em 2 de janeiro de 1844, e morreu na Comunidade rural Santo Antônio, em São José de Brejo do Cruz, na fronteira paraibana, em dezembro de 1879. A sua capacidade de transformar a tragédia cotidiana sertaneja em questão política, acredito ser sua característica mais louvável.

Há alguma associação entre seus estudos na área da psiquiatria e o tema do cangaço? Do ponto de vista psiquiátrico, poder-se-ia dizer que Jesuíno Brilhante, mesmo tendo vivido uma vida tão fora do comum, fosse uma pessoa normal?
- A violência é o principal fator estressogênico na sociedade contemporânea. Estudar os seus determinantes sociais ajuda a compreender o sofrimento psíquico das pessoas. No “Banquete dos Signos”, o poeta de Brejo do Cruz diz assim: “Discutir o cangaço com liberdade é saber da viola, da violência...”, fazendo-nos acreditar que compreendendo conflitos familiares e outros determinantes do cangaço, poderemos elaborar mecanismos de superação da violência humana, com arte, com poesia, com música. Jesuíno era um sertanejo comum até ser vítima da violência, quando partiu para o cangaço. Neste caso é preciso parafrasear outro poeta: “De perto, ninguém é normal”.

Seus estudos são direcionados exclusivamente à saga de Jesuíno brilhante ou outros personagens e fatos relativos ao cangaço entram em pauta?
- Entrei para a Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço a convite de Kydelmir Dantas, em 2005, quando apresentei a tese: “A Importância Histórico-social do Cangaço de Jesuíno Brilhante”, defendida numa sessão de estudiosos do cangaço, no museu Lauro da Escóssia, em Mossoró. Realizei pesquisa etnográfica sobre o cangaceiro Liberato Cavalcanti de Carvalho Nóbrega, contemporâneo de Jesuíno Brilhante, inspirando o Poeta Gil Hollanda a compor o cordel “O delegado que virou cangaceiro”. Produzi, em parceria com o Coronel PM/RN Ângelo Mário de Azevedo Dantas, o artigo: “O Fogo da Caiçara – Início da Resistência ao Bando de Lampião no Rio Grande do Norte”. No momento, estou empenhado na viabilização de lugares de memória do cangaço, uma consequência direta da aprovação da dissertação de mestrado da Professora Lúcia Souza, de quem fui coorientador.

Ripado em Pola Pinto

Do ponto de vista psiquiátrico, como analisa o desejo de justiça e vingança inerente ao ser humano que busca fazer justiça com as próprias mãos?
- A prática da vingança é a realização da justiça com as próprias mãos, que consiste na persistência de impulsos heterocidas primitivos do animal humano. Do ponto de vista social, é a manutenção da lei do Talião: “Dente por dente, olho por olho”. É a contramão dos caminhos civilizatórios.

Trace um quadro comparativo entre Jesuíno Brilhante e Lampião.
- Estou formulando um projeto de pesquisa que procura contextualizar a história das principais lideranças do cangaço (Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino, Lampião e Corisco) com a evolução do diagnóstico da personalidade psicopática. Estou com 45 anos e acredito que levarei até o resto da vida pra concluí-lo, se chegar a concluir. Este projeto permitiria desenvolver, como técnica de investigação científica, uma espécie de “necrópsia psiquiátrica”. Como tenho consciência que esta não é uma tarefa para uma pessoa só, estou recebendo o suporte teórico de autoridades do campo psiquiátrico e contatando Psicólogos para ingressarem no projeto; e vou solicitar a colega Psiquiatra Suzana Brilhante, da descendência de Jesuíno, uma colaboração para esta formulação científica. Utilizo este comentário para justificar a dimensão da complexidade da resposta a sua pergunta. Se fosse realmente traçar um paralelo entre Jesuíno e Lampião, apresentaria inferências históricas, não conseguiria, no estado atual do conhecimento científico, descrever, fidedignamente, suas personalidades.

O que, de seu conhecimento, já se produziu em termos de literatura culta ou popular e arte cinematográfica sobre a pessoa de Jesuíno Brilhante? Que trabalhos destacaria?
- Podemos dividir a produção literária sobre o cangaço de Jesuíno Brilhante em autores memorialistas, como Raimundo Nonato, José Gregório, Alicio Barreto, Frederico Pernambucano de Mello e Luiz da Câmara Cascudo, que fica na transição com os ficcionistas, como Rodolfo Teófilo e Gustavo Barroso. O menestrel Ariano Suassuna dedicou seu romance “A Pedra do Reino” a Jesuíno Brilhante. A literatura de cordel é extremamente significativa para a memória do cangaço, sendo cordelistas importantes: Rodrigues de Carvalho, autor do “ABC de Jesuíno”, Gil Holanda, Luiz Antônio de Malta e Zé de Alzerina. O comunicador Miguel Câmara Rocha editou dois números da Revista “Roteiros de Patu”, que narra o conflito dos brilhantes com os limões, com base no livro “Solos de Avena” de Alício Barreto, editado em 1905. O filme “Jesuíno, o cangaceiro”, do Cineasta ipanguaçuense William Cobbet, produzido em 1972, reveste-se de importância cultural para o Rio Grande do Norte por ter sido o primeiro, integralmente, rodado no estado e o trânsito dos atores, durante as filmagens em Natal, ter originado o nome da “Praia dos Artistas”. Destacaria duas produções culturais sobre o cangaço de Jesuíno: O espetáculo teatral “O Auto de Jesuíno”, do Dramaturgo Ricardo Veriano, editado no período de 2001 a 2008, durante a feira da cultura de Patu, e “Jesuíno Brilhante em História de Quadrinhos”, de Emanoel Amaral e Alcides Sales.


Flogão de Arievaldo Viana
Acha que se tem dado a devida importância à preservação da memória de Jesuíno ou o Rio Grande do Norte peca nesse aspecto?
- Não conheço iniciativas de governo voltadas para o desenvolvimento da memória do cangaço de Jesuíno Brilhante. Só conheço ações independentes, construídas com muitas dificuldades e, praticamente, sem apoio.

Qual a importância de se batalhar para manter viva a memória de uma pessoa com o perfil de Jesuíno Brilhante; seria apenas um hobby ou muito mais que isso?
- O desenvolvimento da memória do cangaço de Jesuíno permite o alargamento da compreensão de nossa história, da história do Sertão, do Brasil e dos fenômenos sociais, ampliando nossos horizontes culturais, favorecendo a criação de alternativas de desenvolvimento sustentável para uma das regiões mais pobres do mundo. Como também, possibilita a superação de ideias e comportamentos preconceituosos, melhorando a consciência política do povo, ajudando a formar massa crítica.

Que projetos tem em mente relativos à preservação da memória de Jesuíno Brilhante?
- Estou empenhado na viabilização de lugares de memória do cangaço, em dois epicentros principais: o município de Patu, lugar de nascimento de Jesuíno Brilhante, onde defendemos a criação de uma reserva ambiental que englobe o conjunto de serras do município, possibilitando a preservação das cavernas que o cangaceiro utilizava como esconderijo e desenvolvimento do turismo ecológico, adsorvendo-se ao turismo centrado no Santuário do Lima; e o outro epicentro é o município de São José de Brejo do Cruz, na Paraíba, lugar da morte do cangaceiro, onde defendemos a implantação de um parque temático do cangaço. Fora destas articulações políticas, estou ultimando a feitura do livro “A Saga dos Limões – Negritude no Enfrentamento ao Cangaceiro Jesuíno Brilhante”

O que se conseguiu resgatar dos objetos pessoais de Jesuíno e onde esse material pode ser visto?
- Recentemente, eu e Ricardo Veriano descobrimos uma relíquia que pode ter pertencido ao cangaceiro brilhante. No próximo dia 29 de abril de 2011, em Currais, numa pousada rural, estaremos apresentando o punhal de Jesuíno e estimulando um debate com estudiosos do cangaço para testar a autenticidade da descoberta. Na casa da cultura de Campo Grande/RN, encontram-se a moringa e a garrucha. No museu Lauro da Escóssia, em Mossoró/RN, está o bacamarte “Bargado”. E em Martins/RN, encontra-se o bacamarte de cano curto, pertencente ao acervo do autodidata Júnior Marcelino.

Fale-nos sobre o documentário que produziu sobre o local da morte do cangaceiro.
- Em 2005, produzi o Documentário: “O lugar da Morte de Jesuíno Brilhante”, que apesar das limitações técnicas subsidiou o projeto, que resultou na dissertação de mestrado da Professora Lúcia Souza. O roteiro da produção é centrado no depoimento do cidadão centenário Mário Valdemar Saraiva Leão, fundador da cidade de São José de Brejo do Cruz, que apontou em visita a localidade, chamada “Serrote da Tropa”, na comunidade rural Santo Antônio, como o lugar mais provável da morte de Jesuíno, ratificando as informações dos memorialistas. O documentário tem a participação do cancioneiro octogenário Chico Mota e do repentista Zé de Alzerina, conterrâneo do Sítio Tuiuiú. Uma dupla de descendentes de Jesuíno Brilhante entoa a música de domínio popular “Corujinha”, que era cantada por Jesuíno e seu bando. Ao som de grupos culturais do município, a benzedeira Francisca de Mica encenou um fechamento coletivo de corpos, tradição ritualística dos tempos do cangaço de Jesuíno Brilhante.

Ripada do Blog da Folha Patuense
 Conte-nos fatos relativos à vida de Jesuíno que fazem parte do imaginário popular mas não têm qualquer base histórica.
- O Professor Raimundo Nonato procurava, insistentemente, alguma certidão de casamento que constasse o nome de Jesuíno Brilhante como padrinho. Nunca conseguiu encontrar. Porém, na história oral do cangaceiro romântico constam inúmeras referências que ele reparava a honra de moças pobres seviciadas pelos filhos dos ricos fazendeiros da região, no seu processo de iniciação sexual, forçando-lhes o casamento. Os apologistas de Jesuíno afirmam que isso ocorria por uma questão puramente ética, que estava relacionada a moral inabalável de Jesuíno. Nossos dados apontam para a determinação econômica da ação do cangaceiro, ou seja, forçando o casamento não-programado, Jesuíno introduzia novos atores sociais na divisão da terra.

Para o senhor Jesuíno deve figurar como herói ou bandido? Por quê?
- Tem-se que contextualizar, historicamente, as ações cangaceiras de Jesuíno. Não devemos fixá-lo num ponto dessa polaridade herói-bandido. A palavra, que julgo mais adequada para a resposta é do antropólogo Roberto da Mata, relativizar.

Como diferencia o fenômeno do cangaço das gangues que controlam certas regiões pobres do Brasil?
- O cangaço é um fenômeno geo-histórico, que ocorreu da segunda metade do século XIX ao início da década de 40 do século XX, principalmente nas áreas rurícolas do Sertão do Nordeste Brasileiro. A alta delinquência é um fenômeno da contemporaneidade, que se espalhar nas grandes cidades, sobretudo, no espaço suburbano. No cangaço não havia intenções de tomada do poder político, simplesmente porque o líder cangaceiro era a incorporação do poder absoluto. Na marginalidade organizada, não há intenções de tomada de poder pela total ausência de um referencial ideológico. Poderíamos pensar várias outras diferenças.

Qual o papel e importância da leitura em sua vida, como se deu sua entrada no mundo dos livros e que autores o influenciaram?
- Comecei a ler influenciado por minha mãe Lourdinha Holanda e pela Professora Raimunda Cleonice Dantas, Dona Nice. Na infância, recebi a influência de Monteiro Lobato. Na adolescência, do médico Ernesto Che Guevara. Para desenvolver os estudos sobre Jesuíno Brilhante, a principal influência, foi, sem dúvidas, do Professor Raimundo Nonato. Já na fase adulta, percebo a influência de Euclides da Cunha, Josué de Castro e do Escritor peruano Mário Vargas Llosa. Quanto ao papel e a importância da leitura, não consigo identificar outro caminho que possa mais contribuir com a busca pela plenitude humana, que não seja o caminho das letras. Por outro lado, Seu João de Artur, que comanda um grupo folclórico e afirma que “a diversão é necessária”, diz que o homem deve ser “ou bem lido, ou bem corrido”.

Cite algum pensamento, trecho de livro ou poesia que aprecia muito.

Foto: polapinto.blogspot.com
Gilberto Cardoso dos Santos – Professor, Cronista e Poeta – Um dos fundadores da Associação Potiguar de Escritores de Cordel.

Pescado em polapinto.blogspot.com

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá Kiko.

Não tenho mantido contato com o amigo, porém, tenho acompanhado o Lampião aceso bem de perto e, continuo achando seu trabalho ótimo. A imparcialidade é uma das coisas que me chama a atenção em seu blog. Maravilha.

Um abraço do amigo Sabino Bassetti,
SP.

Julio Cesar disse...

Kiko meu amigo

Voce foi muito feliz ao apresentar essa entrevista tão rica do meu, também, amigo Epitácio.
Somos conhecidos de muito tempo, devido aos trabalhos em saúde mental que realizamos e, grata surpresa, reencontro-o como estudioso da minha história favorita - de Jesuíno Brilhante - e devo agradecer tudo isso a voce, pois foi através do seu blog que reencontrei meu antigo amigo.

Epitácio me proporcionou o privilégio de ser fotografado ao lado de um descendente dos Limões e de um descendente de Jesuino... já percebeu? Estive entre dois fogos...

Grande abraço