sábado, 2 de outubro de 2010

Prazer em conhecer:

Lampião Aceso entrevistou o "cangaceiro carioca" durante o Cariri Cangaço 2010

2001 foi um ano importante para a rota do cangaço em Pernambuco. Uma certa propriedade localizada no povoado São Domingos, as margens do riacho São Domingos e aos pés da Serra Vermelha estava com placa de venda.

Era um sítio, mas não era um sítio qualquer era a Passagem das Pedras que um dia pertenceu à dona Jacosa a avó de Virgulino. Neste local o jovem foi criado e educado por ela.

O dono da "Passagem"

O valor imobiliário estava ao alcance de muitos conterrâneos do antigo e ilustre morador, mas o valor histórico não estava sendo considerado. Quem sabe a cancela e a memória fossem fechadas para sempre aos estudiosos e curiosos do assunto?

Carlos Eduardo Gomes pensou assim e adquiriu o lugar.
Carioca "mermo", nascido na capital fluminense onde vive há 53 anos. Chegou a cursar engenharia civil, mas não concluiu, pois nesse entremeio passou a se dedicar ao mercado financeiro trabalhando no Banco de investimentos do Brasil e no Banco Pactual durante 21 anos.
Hoje tem um escritório em sociedade com outros ex-colegas e presta consultoria financeira. Passou dias inesquecíveis da sua infância em Vassouras, interior do Rio, onde aprendeu a admirar e respeitar a vida no campo. Foi esta vivência que lhe despertou um desejo de desbravar outros interiores. E no nordeste a grande saga flecha o coração do cangaceiro carioca.
Cangaceiro ele já é, mas acredita que em vidas passadas também tenha sido um vaqueiro, tropeiro, um simples matuto, quem sabe pernambucano, talvez paraibano?... enfim, como diria o sábio Jessier Quirino...  


... A paz e o sossego no esboço de Carlos Eduardo é *“cagado e cuspido paisagem de interior”.

Carlos, depois deste resumo sobre sua louvável empreitada gostaríamos agora de saber como se deu sua entrada no cangaço e posteriormente mais detalhes sobre a compra da Passagem das Pedras.
- O começo de tudo foi a vontade e a curiosidade de conhecer o interior do Brasil, especificamente o Sertão nordestino. Evidentemente menos frequentado e prestigiado pelos turistas do sul e do sudeste. Sabemos que a prioridade da maioria e desfrutar das belezas do litoral. Em 1999 surge esta oportunidade. Eu deixei o trabalho no banco onde não sobrava tempo, tomei a decisão e achei que era hora de realizar esta viagem que eu planejava desde a década de 70. Iniciei em Pirapora-MG tentando margear o Rio São Francisco, que a propósito naquela época já não tinha mais navegação regular até Petrolina como antigamente. O assoreamento feroz já matou vários trechos do velho Chico. 

 Pau-de-arara sim sinhô

Realizei esta aventura solitária, de carro, tentando me aproximar o possível das margens do rio e curtir bastante. 

Dias depois deste rally eu assisti ao filme “Corisco e Dadá”, o mesmo estava em cartaz, e ai surge um interesse especial, pois uma parte daquela história se passa exatamente por alguns dos lugares que eu havia percorrido. 

Então procurei livros. E meu primeiro achado foi “Lampião, Rei dos cangaceiros” do Billy Jaynes Chandler, um livro essencial. Ah! E aproveito o ensejo para responder uma pergunta que você vem fazendo aos colegas: aconselho que este título seja adquirido para quem está iniciando no assunto, pois alem de ser bem escrito segue uma sequencia cronológica bem didática que favorece a compreensão.

O assunto definitivamente me conquistou busquei outros títulos e referencias indicadas por Chandler na bibliografia consultada do final de sua obra e adquiri várias destas. Chamou minha atenção as condições de marcha que os cangaceiros enfrentavam, o ambiente hostil, a carga excessiva segundo os manuais militares. Verdadeiros titãs.

Transformei-me num “caçador de livros de cangaço” virou meu hobby, busquei me aprofundar nesta história que é um misto de aventura, violência e até romantismo. Tem também o detalhe marcante da estética, da beleza plástica com suas paisagens e cores. E a partir daí me revelando um curioso apaixonado pelo tema conheci outras pessoas, fiz boas amizades.

Hoje eu continuo fugindo um pouco do meu cotidiano no Rio de Janeiro, basicamente do mundo financeiro em que trabalho e assim procuro participar de diversos encontros para a promoção e debate da temática. Reencontro velhos amigos e faço uma higiene mental.

A compra da Passagem das Pedras se dá em uma das tantas ocasiões de viagens ao nordeste. No afã de conhecer os cenários da saga de Virgulino e demais acontecimentos relativos ao cangaço. 

 Pernambuco? Sergipe? Paraiba ? Não senhores!
Carlos encontrou uma exposição fotográfica sobre cangaço
quando passeava por Montpellier na França em 2006.

 Cartaz do aludido evento enviado ao amigo Ângelo Osmiro.

No ano de 2000 em visita a Serra Talhada, na intenção de conhecer o berço do cangaceiro mais famoso, entrei em contato com Anildomá Willans, criador da Fundação Cultural Cabras de Lampião e há muito tempo um apaixonado pela história de Virgulino F. da Silva. 

 Quando Anildomá recebeu aquele turista talvez não imaginou que o cabra seria a solução para a sobrevivência da Passagem. 

Conhecendo o trabalho entusiasmado desse pernambucano, acabei convencido por ele a pensar seriamente em participar como investidor no seu projeto cultural. Diante da oferta de venda do Sítio Passagem das Pedras, ciente de que um novo proprietário poderia impedir o uso daquele lugar pela Fundação, acabei convicto de que aquela seria minha contribuição para manter viva a história e participar do trabalho louvável de Anildomá e seu grupo.

Avaliei que seria um investimento razoável. O Anildomá se encarregou de influenciar esse “ato de loucura” e acabei comprando a propriedade.

Eu, cidadão carioca, de repente faço um investimento no Sertão pernambucano...  

Reprodução da casa de Dona Jacosa. Avó de Virgulino

Já que não era precisamente um agronegócio não faria sentido pra muita gente.
- O que eu enxergava alem da preservação da memória do lugar era a maneira de contribuir com o trabalho do pessoal dos Cabras de Lampião que admiro muito.
Enfim do ponto de vista econômico eu notei que tinha pouco a perder, não havia motivo para não fazer.

Essa propriedade estava disputada? Houve alguma dificuldade, resistência de herdeiros, ou alguma repentina supervalorização?
- Dificuldade alguma. Não havia outros interessados a ponto de medir forças, o preço foi ajustado de maneira muito amigável, aliás, preço de mercado. Satisfação para ambas as partes. Hoje fico feliz ao constatar que desde 2002 - quando estruturamos o lugar – que inúmeros eventos são promovidos além do fluxo de visitantes anuais que aumenta gradativamente. Ainda esperamos apoio de outras pessoas e entidades para que se ampliem os atrativos da Passagem das Pedras.
  
 Negócio Fechado: Anildomá, Sra. Maria José (antiga proprietária) e o feliz comprador. 


E a reconstrução da casa de dona Jacosa que foi o principal foco da mídia na época foi um investimento seu ou já se aplicaram recursos da Fundação?
- O local não oferecia condições mínimas para receber os visitantes. Nossa primeira iniciativa foi perfurar um poço artesiano para abastecimento de água potável que é inclusive consumida pelos funcionários da fazenda e dos visitantes. Construímos também banheiro. Mas a réplica (eu prefiro chamar de representação) da casa de dona Jacosa ficou a cargo da Fundação.


Com que frequência Carlos vai até seu rancho histórico?
- No inicio, precisamente nos três ou quatro primeiros anos eu ia à Serra Talhada duas a três vezes por ano. Não é um deslocamento muito fácil. Até Recife o percurso é aéreo, mas da capital até lá são 450 km de automóvel, temos aí 900 km, percebam o quanto é desgastante. Apesar de inúmeros compromissos no Rio com trabalho e família a frequencia era aceitável... diria melhor “suportável”. Mas justamente no tocante a família os últimos cinco anos só me permitiram visitas esporádicas com intervalos de até dois anos.

Qual o livro preferido de Carlos Eduardo?
- Como já relatei O livro de Chandler que me introduz nesta saudável confraria. Mas o trabalho que considero a de maior importância na literatura é sem dúvida Guerreiros do Sol do Frederico Pernambucano.

Qual o capitulo?
- A polêmica morte de Lampião em 1938. Polêmica porque me diverte: Chego a comparar com a convocação da seleção brasileira... Ninguém está satisfeito, não se chega a uma conclusão. Tem sempre uma tese tentando explicar o porquê daquele acontecido. Por que Lampião estava distraído? Houve ou não envenenamento? Olha, eu tenho convicção que se tivéssemos a presença de uma câmera registrando toda a cena, ainda não seria suficiente para evitar estas opiniões contraditórias. Pensando bem se acabar... perde a graça.

É verdade compadre! O gás do Lampião é a polemização sobre seu fim e dos meios também.

Qual é o cangaceiro preferido do Carlos?
- Luis Pedro. Não sei se é fato aquela situação em que ele cumpre a promessa feita diante do cadáver de Antonio Ferreira (irmão do chefe supremo). Ele jura que no dia em que Lampião morresse ele também morreria em sinal de devoção ao rei. Um grande ato de solidariedade independente de ter sido promessa, mas isso só engrandece minha simpatia por este cabra.

 Nota: Luis Pedro foi o cangaceiro que mais tempo durou ao lado do seu capitão. Permaneceu de 1924 até o fim em Angico.

 O fiel Luis Pedro.



Um volante?

- Manoel Neto. Pela determinação, obstinação em que ele perseguiu Lampião, independente de recompensa que ele receberia por dar fim aos cangaceiros o que movia os “nazarenos” seria o prazer de ter em mãos o seu maior inimigo. Esse troféu já os bastava.

Um coadjuvante?
- O Antonio Caixeiro e seu filho Eronides de Carvalho. Que apesar da posição social um de grande pecuarista e coronel e o outro influente político do estado de Sergipe... (Mais tarde vem a ser o interventor)... Nunca tomaram precauções necessárias para esconder a condição de coiteiros oficiais dos cangaceiros neste estado!

Personagem secundária?
- Muito se discute sobre esta pessoa e sua versão. Então elejo para o posto aquela que tentou “enfeitar o pavão” para poder ter grande papel no ato final. Esta foi a Sila. Leiam a tirem suas conclusões. Os horários não coincidem aquela estória de ver lanternas e confundir com vaga-lumes é no mínimo absurda!

Parece que temos uma resposta para nossa próxima pergunta: Então esta seria a pérola mais absurda que leu acerca do cangaço?
- Não. Recentemente me assusta a informação sobre descoberta do petróleo por Lampião, citado no livro do Antonio Vilela. Ele precisa explicar melhor essa história. A informação que tenho é que a primeira descoberta de petróleo no Brasil deu-se no ano de 1939, na Bahia. Soube disso ao ler a biografia de Guilherme Guinle

Polêmicas recentes?
- Nenhuma destas e aceitável. Acho que o grande mistério de Angico é a distração fatal de Lampião. O que teria levado "O Rei" à ficar tão desprevenido? À ponto de se deixar cercar? Puxa, depois de inúmeras e mirabolantes escapadas. E aquela intuição sobrenatural? Que tal questionarmos sobre outra grande conspiração de Angico?

E qual seria?
- A tal possibilidade de um espião duplo, a serviço do bem e do mal! Não fica claro a real participação do Pedro de Cândido, isso sim rende um debate eterno e justificável.

Baleado ou envenenado!
- Baleado. Veneno não faz sentido algum!

Gostaria de aproveitar esse espaço aqui no blog Lampião Aceso para dar parabéns a todos que pesquisam, escrevem, divulgam e fazem parte desta comunidade de amantes das histórias de cangaceiros, que investem seus recursos, tempo e trabalho para recuperar pequenos fragmentos dos fatos ocorridos. Convivemos com pesquisadores que estão nessa trilha a décadas com o mesmo entusiasmo e dedicação. Felizmente hoje temos a Internet seus sites, blogs, que fazem as informações convergirem e facilitam o debate e a propagação das ideias. Quero registrar minha admiração pelo trabalho de todos. 
  
 O entrevistado, a testemunha e o perguntador. 


*Corruptela do termo “Em carrara esculpido”
*Fotos 1 e 2 Manoel Severo

6 comentários:

ADERBAL NOGUEIRA disse...

Parabéns, Carlos!
A sua iniciativa em adquirir a fazenda fez com que meus netos possam, um dia, visitar aquelas terras tão importantes para a nossa história. Quem dera outros investidores tivessem esse tipo de pensamento e não pensassem apenas no vil metal.
Parabéns mais uma vez. Que isso sirva de exemplo para governos e políticos vigaristas que só pensam em 'grana'.

P.S.: Aproveito para falar da brilhante entrevista de Frederico Pernambucano no Programa do Jô, ontem, mais uma vez levando o tema cangaço para a mídia nacional.

ADERBAL NOGUEIRA

Anônimo disse...

Caro amigo Carlos Eduardo. Saudações! Deixo aqui minha mensagem de parabéns a você, que venceu a lei da gravidade e descobriu um tesouro da nossa História recente que é o cangaço, e investiu nela, inclusive culturalmente. Já nos conhecemos há uns 9 anos e minha admiração por você só tem aumentado. Faço minhas as suas colocações sempre muito acertadas a cerca do tema. Parabéns ao Kiko por mais uma excelente postagem.
Grande abraço
Leandro C. Fernandes

Antônio disse...

A iniciativa foi boa mas eh sempre bom deixar claro que a casa que foi reformada foi a da avó de Lampião e não a que ele nasceu. A que ele nasceu seria outra e no presente está em ruínas, ficando entre Floresta e Serra, lado direto da pista, depois de Nazaré (sentido Serra Talhada) na mesma estrada que leva a casa que eh administrada por Domá.
Antônio P. Ferraz
Floresta/PE

Anônimo disse...

Parabéns ao blog pela homenagem ao estimado Carlos Eduardo pela sua iniciativa em preservar este local que é muito importante para a história do cangaço.

Sr Antonio Ferraz o texto já está bem claro nas duas observações que você fez. Em nenhum trecho ele afirma ter sido a Passagem "O berço de Virgulino" E sim que foi "criado" talvez voce não tenha notado.

Mario Augusto, seu conterraneo de Tacaratu Pernambuco Brasil

Anônimo disse...

Caro Kiko, Parabéns pela entrevista com meu amigo/irmão "Cangaceiro Carioca".
Conheci esse cabra nas ribeiras do São Francisco a mais de uma década e só tem aumentado a admiração que tenho por ele, um "cabra pra se tirar raça" como dizia o velho Lampião. Trocamos muitas idéias sobre esse tema que nos aproximou, viajamos incontáveis vezes por esse sertão e Eduardo sempre simpático, educado, um verdadeiro "gentil homem".
Parabén mais uma vez ao blog e ao entrevistado, que mostra com suas palavras e atitude o homem que é.
Obrigado.

Angelo Osmiro

Anônimo disse...

Acabo de ler a entrevista do parceiro Carlos Eduardo e fiquei muito feliz em vê-lo expor suas considerações acerca deste tema tão poelmico e instigante. Eduardo é parceiro de viagens de pesquisa cangaceira, onde praticamente todo ano (após 2001)a gente se enfurnava sertão adentro atrás de novas histórias. Viagens saudáveis com a boa companhia de Eduardo e Angelo Osmirio e mais alguns camaradas da SBEC.
Parabens Mano Eduardo, o Carioca gente fina e boa praça... esse cabra tem procedencia!