Por Oleone Coelho Fontes
Ninguém, por mais sangue frio, ficou inteiro diante de Lampião. Escutei casos hilariantes beirando o trágico, nos anos em que coligia elementos para a obra "Lampião na Bahia".
Antônio Primo Curaçá, residente em Campo Formoso, contou que, no dia em que se achou frente a frente com Corisco e seus cabras, tremeu de tal modo que teve a impressão de que as carnes do corpo se haviam soltado dos ossos. Horas depois de os delinquentes desaparecerem, Curaçá ainda estava imobilizado, num canto de sala da casa da fazenda onde os facínoras organizaram festa dançante. Como se um raio lhe tivesse caído sobre a carcaça, transformando-a em estátua de sal.
Antônio Nonato Marques, 84, em 1929, era rapazinho imberbe quando o capitão Virgulino assaltou Queimadas na antevéspera do Natal. Ao assalto seguiu se voz de prisão dada aos sete soldados do destacamento. Nonato Marques, ao escutar sussurro de que Lampião estava naquele meio, passou sebo nas canelas e disparou em direção a Santaluz, distante 40 quilômetros.
Quando passava feito um bólido pelo povoado Rio de Peixe, coincidentemente, matutos treinavam para a corrida de S. Silvestre e pensaram que Nonato fazia o mesmo. Correram-lhe no rastro. Quilômetros adiante, o futuro deputado federal arriscou olhadela para a retaguarda. Teve a impressão de estar sendo perseguido.
Acelerou ainda mais o passo. Em casinha de beira de estrada, estacou, coração em vias de saltar boca a fora, pediu copo d'água e disse:
- Ô dona, estou sendo perseguido desde Queimadas por tropa de cangaceiros. A senhora pode contar quantos são?A mulher lobrigou vultos lá longe e disse que eram 18 pessoas.
Nonato entornou outro copo d'água e pernas para que te quero. Passou feito meteorito por Santaluz, Valente, Coité, Serrinha e estourou em Feira de Santana, noitinha. Quem estava na Feira naquele dia era o jovem, hoje acadêmico e poeta, Epaminondas Costa Lima. Ao saber que Nonato vinha em carreirão de Queimadas, perseguido por bando de Lampião, tomou a litorina e foi contar ao secretário de polícia, em Salvador, que Feira de Santana estava sendo invadida por cangaceiros. Tropas foram enviadas da capital para a Feira, enquanto Lampião, em Queimadas, fazia a maior farra na casa de Félix Rato.
Mamede |
com firmeza, viu que se enganara. O cangaceiro perguntou:
- Vosmicê me conhece?
Mamede ainda não era gago. Respondeu:
- Conhecer não conheço não, mas desconfio.
O cangaceiro tirou as dúvidas: "Saiba que vosmicê está falando com o capitão Lampião".
Foi aí que teve início a gagueira de Mamede:
- Api-pa-pois, ca-pi-ta-tão, o que é que o sa-si-nhor, ma-mi-ma-manda?Lampião pediu a féria do caixa, carne de bode, rapadura, perfume, balas para mosquetão e parabelo, conhaque Macieira de 5 Estrelas.
- É ca-qui-qui-ca-claro, ca-pi-ta-tão! o sa-si-nhor, la-li-leva ati-ta-té e veeeenda
ta-ti-toda!
Depois de tão horripilante encontro, Mamede Paes Mendonça resolveu deixar Ribeirópolis e Sergipe. veio para a Bahia e tempos depois era um mega-negociante, mas sempre grato a Lampião.
Oleone Coelho Fontes é jornalista, escritor, pesquisador , cronista, romancista, com especial dedicação aos temas sertanejos, notadamente os relacionados ao cangaço, Antônio Conselheiro, Lampião, Euclides da Cunha. Membro da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço - SBEC.
NOTAS E COMENTÁRIOS:
* Foto de Nonato Marques pescada em Portal do cangaço
*Mamede Paes Mendonça, foto extraída de Serra do Machado Era filho de Elisiário e Maria da Conceição, possuiu uma padaria no povoado Serra do Machado, Distrito de Ribeirópolis-SE. José Mendonça blogspot
Um comentário:
Gostei muito seu Oleone Coelho Fontes. Esta é uma história que dá para se perder até insônia. Muito enteligente. Sorri sozinho enquanto eu fazia a leitura. Que bom que muitos leitores passem por ela, e com certeza, rirá sozinho assim como eu.
José Mendes Pereira - Mossoró-RN.
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