quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Preparar, apontar...

As Volantes

Volante agrupada em Floresta, PE.
Por Carlos Jatobá*

Após a difícil, constrangedora e impopular campanha de Canudos, o Exército regular não poderia mais vê-se em embates de natureza policial. Contudo, ainda era maciçamente empregado - por não existir uma força policial federal à época - em ações típicas dessa força. Isto, além de afastar-lhe de sua função constitucional precípua: a defesa territorial contra ataques de natureza externa, enfraquecia-lhe pela falta de treinamento específico, desviando-lhe da proximidade e do avanço tecnológico-bélico-militar de então; contido na chamada política de "paz armada" européia.

Surgindo ante os fatos, a insatisfação da tropa e a recusa para tais ações subalternas. Pois, segundo Mello "a verdade era que as forças iam atuar dentro do país com desvantagens imensas, maiores do que se o fossem em país estrangeiro, principalmente no que se refere à espionagem; mais eficiente, esta, e perigosa no sertão de Canudos, porque inidentificável na confusão e na confiança de serem todos brasileiros. (...) O Exército ia operar, prejudicado pelo mais temível corpo de espionagem, com que se pode contar (espiões compatrícios) sem que dispusesse de um outro para contaminar a ação nefasta do primeiro." (1958 p. 79-80)

 Sob comando do Sgt. Epaminondas, 1º à esquerda. 

O Exército, ainda, sob o "diáfano" manto da doutrina positivista era um verdadeiro "exército de papel". Porém, com a campanha cívico-patriótica bilaqueana pela escola popular e pelo serviço militar obrigatório (em 1915) e a desativação definitiva da Guarda Nacional (em 1918), abriu-se um novo horizonte para a Corporação e houve - então - um absoluto controle militar interno, desarmando-se as oligarquias coronelistas locais.

Trevisan, nos lega que com "a chegada da Missão Militar Francesa, em 1920, completa-se o quadro das mudanças internas da instituição. Começava a delinear-se as mudanças externas , fruto das alterações até então técnicas da instituição militar". (1987 p. 50)

Por outro lado, os governos estaduais nordestinos, vendo-se agravar o banditismo nas regiões interioranas do agreste e do sertão, viram-se na contingência de criar forças policiais-militares de emprego rápido e que teriam - inclusive - nativos recrutados dessas regiões. Surgindo daí as verdadeiras volantes que eram grupamentos, destacamentos ou patrulhas tático-móveis, compostas essencialmente por militares (policiais das Forças Públicas estaduais ou militares do Exército nacional, devidamente comissionados para este fim), comandadas - preferencialmente - por um oficial (tenente ou capitão). A esse respeito, Rangel de Farias alude que "era muito comum acontecer que os oficiais do Exército, quando chamados a comandar polícias, trouxessem a idéia de que as mencionadas corporações fossem compostas por uma maioria de homens ignorantes e indisciplinados" (1995 p. 8)

 Sob comando de Odilon Flor, 1º á esq. fila inferior. 
Notem a semelhança dos trajes desta força com os dos cangaceiros.

Recrutados - entre os etno-nativos da região: curibocas, mulatos e cafusos - esses grupos de policiais-militares, percorriam equipados e a pé, grandes distâncias em perseguição aos malfazejos foras-da-lei, muitas vezes, mantendo um combate desigual, pois os chamados cangaceiros estavam melhor municiados, com armamento mais moderno e em melhores condições, diante das facilidades que estes tinham em conseguir recursos e alimentos, bastando para isso mandar pedir um salvador "óbolo", através de bilhetes a qualquer fazendeiro ou político. Estes, para não enfrentarem a ira daqueles facínoras - que com uma possível recusa, estariam na mira de uma próxima incursão, com a visita indesejada, inesperada, desmoralizante e de funestas consequências - viam-se, forçados a atendê-los em todas as suas "justas" demandas.

A bem da verdade, devemos colocar que algumas forças denominadas "volantes", se utilizavam dos mesmos métodos que os cangaceiros. A esse respeito Torres, observa que "tardiamente, a polícia se organizava em volantes , com o mesmo jeito dos facínoras, tomando também dinheiro dos coronéis e demonstrando, com forrós e alegria, quando um combate os afastava para as brenhas." (1994 p. 47) Já Carvalho nos passa que "eram inomináveis as violências e arbitrariedades praticadas pelas forças volantes que transitavam pelo interior dos Estados, contra os direitos dos particulares. (...) Qualquer futilidade servia de pretexto para esculachos desumanos. (...) A integridade física e moral dos sertanejos não existia para aqueles que por dever de ofício estão na obrigação de respeitar e proteger." (1974 p. 91)

Volante paraibana, comandada pelo bravo Zé Guedes, 
que participou do tiroteio em que morreu Livino, irmão de Lampião.

Ferraz, com muita propriedade, atesta que, quando vindo ocasionalmente da capital, as verdadeiras forças volantes "encontravam, apesar de seus esforços, grandes dificuldades no desempenho de sua missão: a primeira delas era constituída pela imensidão da caatinga desconhecida e habitada por uma população reduzida, emudecida e temerosa de represálias. (...) Era a velha história: as forças volantes chegavam e partiam mas os cangaceiros permaneciam para a cobrança." (1985 - p. 221)

Por este fato, lembra-nos Britto que "a polícia se via na necessidade de alargar a sua área de ação e não ficar limitada a seu território jurisdicional, porque os bandidos circulavam agilmente entre os Estados, forçando as volantes que os perseguiam a se conter nas fronteiras, cabendo à volante de outros Estados, a dar continuidade a perseguição, fato este que face a dificuldade de comunicação da época, favorecia sobremaneira aos grupos, a evadir-se, dificultando com isto a sua captura.


 Tropa sob o comando do Sgt. Aniceto.

Forçados por esta situação, os Estados vieram a formalizar tratados que permitiam as forças volantes a se deslocarem transpondo as fronteiras sem prévia solicitação, favorecendo com isso um combate mais intenso e eficaz. Estas enfrentavam um complexo e desfavorável sistema para o desenvolvimento das suas ações. Os meios de comunicação eram precários, (...) as volantes não tinham destino certo, uma vez que podiam mudar de itinerário a qualquer momento, bastando para isso achar indícios de bandidos e seguir o rastro, uma informação de um vaqueiro ou coiteiro, ou mesmo o ataque de bandidos a uma localidade, ou a mais cruel das informações que seria a emboscada da volante, quase sempre em terreno desfavorável a mesma." (2000 p. 19-20)

As volantes, já estruturadas nos idos de 1920, se especializaram no combate ao cangaceirismo em suas mais diversas caras. Sobreviviam com parcos recursos governamentais, com armamento e municiamento, na maioria das vezes bem mais antigo que o dos cangaceiros e conseqüentemente, menos eficazes. Se deslocavam em marchas incertas, rastejando pistas e levantando indícios nas caatingas, portanto fadadas a ficarem muitas vezes cobertas por andrajos, sem água e mantimentos ou bebendo água contaminada, imprópria ao consumo, se alimentando e dormindo mal, ao relento e durante o dia expostas a um sol abrasador e uma vegetação inóspita, formada por facheiros, macambiras, xique-xiques, alastrados, urtigas, unhas-de-gato, rabos-de-raposa, coroas-de-frade, mandacarus, caroás e quipás, em alguns casos intransponíveis.

 Tropa sob o comando do ten. Zé Rufino.

Expostos, em consequência do que lhes era imposto por um dever de profissão, a males como: úlcera nos pés, espinhos, cortes, infecções, disenteria, dor de dente, astenia, dores musculares, desidratação, impaludismo, ferimentos a bala, varíola e a tuberculose.

Porém, Bezerra observa que, a despeito de todos os revezes e, "com o enfraquecimento do prestígio da política pela aparição do Estado Novo, os oficiais comandantes de volantes , iniciaram uma ação menos tímida, prendendo os tais vaqueiros [coiteiros, que davam guarida aos cangaceiros], conduzindo-os à presença dos seus coronéis , fazendo entre todos uma meticulosa acareação e, de acordo com o apurado, sem mais consultas, levando-os à presença das autoridades da Capital.

Daí, salva a responsabilidade do oficial, com a resolução das autoridades superiores sobre o caso, fica o oficial prestigiado e com a sua moral intacta, muito embora depois venha a perder, por ter ficado mal visto pelos admiradores do chefão [verdadeiro senhor feudal] ". (1940 p. 7)

Portanto, ainda no dizer de Britto, "sem a dedicação e a bravura desses valorosos militares esse mal teria se alastrado, ceifando mais vidas inocentes, não merecendo ficar no obscurantismo ou em plano inferior aquele que é destinado aos benfeitores ou heróis." (2000 p. 21)

*Parte integrante da Home Page,do mesmo autor: "NOS TEMPOS DO CANGAÇO E DAS VOLANTES"

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Referências Bibliográficas
MELLO, Dante de. A verdade sobre "Os Sertões": Análise reivindicatória da campanha de Canudos. Rio de Janeiro : BExE, 1958.
TREVISAN, Leonardo. Instituição militar e estado brasileiro. [O que todo cidadão precisa saber sobre] São Paulo : Global, 1987.
RANGEL DE FARIAS, Edésio. Cangaço e polícia: Fatos e feitos paraibanos.Recife : REPROART, 1995.
TORRES, Luiz W. Lampião e o cangaço.São Paulo : EDICON, 1994.
CARVALHO, Rodrigues de. Serrote Preto: Lampião e seus sequazes. Rio de Janeiro : SEDEGRA, 1974.
FERRAZ, Marilourdes. O Canto do acauã. Recife : Rodovalho, 1985.
BRITTO, Paulo. O cangaço e as volantes: Lampião e Tenente Bezerra. Recife : Do Autor, 2000.
BEZERRA, João (Cap). Como dei cabo de Lampeão. Rio de Janeiro : Do Autor, 1940 1ª ed.
BRITTO, Paulo. Op. cit.

Pesquei no Usina de Letras

2 comentários:

Soul disse...

Olá, Boa Noite!

Gostaria de saber se houve de fato incentivo da embaixada inglesa na caçada a lampião ou se isto é uam dramatização sem fundamento.

Um Abraço.

o.rapha@hotmail.com

Kiko Monteiro disse...

Saudações amigo(a)

Isso é ficção, mais uma das licenças poéticas da minisérie global "Lampião e Maria Bonita". Por conta do sequestro do geólogo Inglês os seus compatriotas exigiram medidas urgentes etc. fato que nunca aconteceu.

Abraçando!