sexta-feira, 28 de maio de 2010

O cineasta libanês de Lampião



Por Isaura Daniel
da ANBA, Agência de Notícias Brasil-Árabe



As únicas filmagens que existem do cangaceiro Lampião têm como autor um imigrante libanês: Benjamin Abrahão Botto. Ele registrou o cotidiano de Virgulino e seu bando na década de 30 na caatinga.

São Paulo – A imigração árabe está tão presente no cotidiano brasileiro que tem participação até na história de um dos grandes mitos do país, o cangaceiro Lampião. Foram mãos da colônia as responsáveis por fazer as únicas imagens de Virgulino Ferreira da Silva, quando lutou contra o coronelismo no Brasil, na primeira década do século passado. O cineasta se chamava Benjamin Abrahão Botto, e, mesmo sem ser profissional, fez, entre os anos de 1935 e 1937, filmagens do cangaceiro e seu bando, no interior do Nordeste.

O que um libanês foi fazer na caatinga nordestina atrás do temido Lampião? A resposta nem os pesquisadores sabem ao certo. Segundo o escritor Antonio Amaury Corrêa de Araujo, que tem onze livros publicados sobre Lampião, é possível deduzir que a motivação foi econômica. “Acredita-se em dois fatores importantes. Primeiro, o Lampião já era uma lenda e Benjamin queria o desafio de entrevistar, fotografar uma lenda. Segundo, ele estava sendo remunerado e bem remunerado”, diz o jornalista Artur Aymoré, autor do livro “O Outro Olho de Lampião – A imprensa e o cangaceiro”, publicado neste ano.

É preciso dizer que Benjamin chegou do Líbano, na época em que seu país pertencia ao Império Turco Otomano, ainda jovem. Assim como muitos árabes, Benjamin chegou com um nome, Jamil Ibrahim, e adotou um outro, Benjamin Abrahão Botto, quando desembarcou, conta Araujo. Os registros históricos indicam que ele chegou a ser mascate e depois a ter uma loja de armarinhos. Seu destino, porém começou a se desenhar para os lados de Lampião quando foi ser secretário de Padre Cícero. Relata Araujo que Benjamin conheceu o cangaceiro por meio do Padre Cícero, em 1926, em Juazeiro, no Ceará.

O trabalho de registro do bando apareceu depois da morte do sacerdote. “Uma empresa alemã contatou uma pequena agência cinematográfica que havia em Fortaleza (Ceará) chamada AbbaFilmes. A AbbaFilmes contatou o Benjamin e perguntou se ele gostaria de encarar esse desafio. Era um desafio porque ele era procurado pela polícia em sete estados”, diz o jornalista Aymoré. Benjamin conseguiu chegar até o bando e teve acesso, então, até a simulações de ataques por parte dos cangaceiros. “O Benjamin era um homem extremamente sociável, acolhedor e conseguiu convencer Lampião de que o documentário reforçaria a sua imagem como destemido, lutador pela justiça social”, diz Aymoré.

A filmagem, porém, não deu seus frutos de imediato. “O filme chegou a ser exibido uma única vez em Fortaleza, mas durante a sessão de cinema a polícia invadiu o local e as pessoas que estavam ali acabaram não assistindo o filme por inteiro. A polícia apreendeu o filme e ele ficou encostado lá, jogado num depósito da Polícia Federal durante mais de 25 anos”, relata Aymoré. Anos depois, cineastas conseguiram resgatar o material e extrair dele nada mais do que 15 minutos. As cenas, aliás, estão no filme “Baile Perfumado”, feito pelos diretores Lírio Ferreira e Paulo Caldas sobre Benjamin na década de 90.

Mas e Benjamin, o que foi feito dele após as filmagens? A sua vida, na verdade, foi muito curta no pós-Lampião. Ele foi assassinado alguns meses depois. E se há muitas informações desencontradas sobre a vida de Benjamin Abrahão Botto, há ainda mais a respeito da sua morte. O escritor Araujo chegou a conversar com um delegado, Enésio Mariano, que estava na casa ao lado da qual Benjamin foi morto.

“A morte dele foi um tanto quanto confusa. O que se sabe é que ele mantinha relações com a mulher do sapateiro, que era deficiente. Mas o Benjamin também tinha filmado o Lampião, pessoas importantes que tinham relacionamento com Lampião, e eu acho que essa foi a causa da morte dele. Como ele mantinha relacionamento com essa mulher, não sei até onde foi que colocaram na cabeça do sapateiro que ele precisava dar um fim no Benjamin. O genro e o filho do sapateiro mataram o Benjamin com 42 facadas”, diz Araujo.

O escritor Aymoré também desconfia da versão da morte por ciúmes e afirma que considera a versão de que foi a própria polícia a autora do crime a mais plausível. “O governo federal estava muito empenhado na captura do Lampião. Eles (os policiais) consideraram aquilo uma desvalorização, um cidadão estrangeiro vai e filma Lampião e os policiais não conseguem se aproximar”, explica o jornalista e escritor.

Dos demais detalhes da vida de Benjamin há poucos registros históricos. Teria vindo da cidade de Zahlé, diz Araujo. Também há notícias de que era muito simpático e até mulherengo. Uns dizem que era solteiro, outros que era casado e que teve até um filho. “Segundo se conseguiu saber, ele realmente tinha vocação para o cinema, tinha uma paixão pelo cinema e queria fazer disso uma profissão, ele tinha o sonho de ser cineasta. Essa versão, aliás, foi confirmada pelo filme Baile Perfumado”, diz Aymoré.

Publicado originalmente em: ANBA

Achei pescando no Açude do: LUIS NASSIF

4 comentários:

Ricardo Albuquerque disse...

Prezado Artur Aymoré

Com todo o respeito, sinto-me obrigado a fazer as seguintes correções em seu texto a respeito de Benjamin Abrahão
1) Benjamin até a data de 1936 nunca havia sido fotografo e/ou cinegrafista. Alem de ceder todo o material para a empreitada, meu avô Adhemar Bezerra de Albuquerque (ABA Film) deu à Benjamin todas as noções basicas do manuseio do equipamento.
2) Apos a primeira visita ao bando em 1936, quando permaneceu por 3 semanas, todo o trabalho apresentado ao meu avô estava velado.
3) Em razão da dificuldade de Benjamin com a luminosidade, meu avô soldou a objetiva da maquina e orientou-lhe como se posicionar em relação ao sol para obter resultados satisfatorios.
4) Benjamin retornou ao convivio do bando de Lampião, para desenvolver seu trabalho mais 2 vezes em 36 e 37, quando considerou encerrado o trabalho.
5) Em seguida, Benjamin veio até Fortaleza, entregando todo o material ao meu avô, para a edição do filme e revelação das fotos, retornando em seguida à Recife onde veio a ser assassinado em 38.
Por esta razão, todo o material ficou em posse da ABA FILM.
6) Uma vez editado o filme, o meu avô programou e divulgou a primeira exibição no Cine Moderno em Fortaleza.
7) Assim que o DIP tomou conhecimento da exibição programada, solicitou ao meu avô que a sessão fosse fechada, como uma sessão de aprovação da censura.
Disponho de uma foto da platéia, onde pacificamente representantes do DIP e meu avô assistem esta primeira exibição. Ao final da sessão, o DIP não só proibiu futuras apresentações, como apreendeu o filme.
8)Em 1955, apos o suicidio de Vargas, meu avô passou à Alexander Wolff, que fazia a distribuição dos filmes produzidos por ele um copião que ele havia escondido por todos estes anos.
9) Wolff solicitou ao cineasta Al Ghiu que fizesse uma nova edição do filme, que acabou sendo exibido ao publico pela primeira vez no Rio de Janeiro em 1955.
10) Benjamin Abrahão tem um filho vivo, Atahla que vive em Niterói.
11) Em 2004, a minha familia (Albuquerque), a familia de Lampião e Maria Bonita e a familia de Benjamin Abrahão formamos uma sociedade com a finalidade de preservar todo este material iconografico do Cangaço.
Caso tenha interesse em manter um contato, o meu e-mail é: icchicoalbuquerque@uol.com.br
6)
4)

garrido3 disse...

Prezado Ricardo, suas palavras são contundentes e convincentes, parabéns pela defesa.


Charles Garrido
Fortaleza - Ce

marcelo disse...

benjamin era palestino, e não libanes.

marcelo elihimas

marceloelihimas@gmail.com

Wilson : imaginando um futuro para o Rio de Janeiro disse...

Mais essa?

Quer dizer então que o dono da bola é o dono da partida de futebol e por isso o Garrincha teria o péssimo costume de chutar em gols quando deveria ser o seu Bezerra.

Inegavelmente a história reconhece que sr Adhemar Bezerra de Albuquerque (ABA Filmes) era dono das filmadoras.

Contudo usa-la necessitaria algo mais, eu pessoalmente não sei usar um video o que dirá então mexer nos comandos de uma filmadora do século passado?

Se for o caso, bastaria ser dono de um serrote para ser um marceneiro? gente isso é falácia.

Benjamim quando veio ao Brasil já possuía uma qualificação internacional, talvez um técnico, ou um representante de alguma indústria, mas uma coisa é certa conhecia mais de um idioma.

Acontece que a imagem que temos dele e a mesma do surrado mascate que foi estereotipada com historias de imigrantes árabes.
O falar enrolado para o sertanista poderia ser o idioma inglês, ou francês ou até mesmo o alemão que eram fabricantes de teares , automóveis e ou filmadoras esses equipamentos por serem muito caros tinham que ter um representante.

A Rolls Royce mantem um curso para mecânicos especializados em seus produtos.

Para usar uma 35 mm, naquela época, era necessário que o operador conhecesse do equipamento e as instruções escritas num catalogo que inclusive ensinava como revelar a película.

No caso acima, o Benjamim era um espert em línguas e é bem provável que teria ensinado ao dono da filmadora seu manuseio.

Benjamin Abrahão tem 03 filhos,sendo que o Atahla que vive em Niterói é o unico registrado.
O Abraozinho (assim o chamam) tem um pequeno comércio na rua Gonçalves Ledo (aproximadamente número 31).