quinta-feira, 18 de março de 2010

Opinião

Destruição, Atraso e Violência
 Por: Carlos Eduardo 

Tendo minha atenção cativada pelas histórias de cangaceiros, passei a frequentar os eventos organizados para debater e desenvolver os estudos sobre o cangaço. Inicialmente, despertou minha curiosidade, a valentia dos protagonistas desse fenômeno, a resistência física dos cangaceiros para conseguir transpor grandes distâncias com seu equipamento, e o romantismo que impregnava os relatos dos poetas do cordel, primeiros a registrar os movimentos de rebeldia dos bandos de salteadores.

Procurando saber um pouco mais sobre esses titãs das caatingas, passei a ler e pesquisar na literatura e em conversas com outros estudiosos do assunto, a respeito do cangaceirismo.

Muitos historiadores consideram a adesão dos cangaceiros a vida bandoleira, como uma reação desses elementos a um código de ordem assimétrico (aos amigos tudo, aos inimigos a lei), imposto pelos coronéis que comandavam a política na região, notadamente na segunda metade do século XIX e início do século XX. Bem como, a dura sobrevivência no ambiente hostil da caatinga, onde o cidadão tinha enorme dificuldade de produzir seu sustento, principalmente durante épocas de secas prolongadas. Por tudo que tenho lido e escutado nos seminários que freqüento, parece que esta hipótese é aceita quase que de forma unânime entre os “cangaceirólogos”.

Embora essa motivação possa ser compreendida, os cangaceiros nunca demonstraram estarem conscientes e interessados em mudar aquela situação, quando muito, seus objetivos eram de conquistar pela força, um poder igual ou maior do que aquele que os coronéis detinham. O terror imposto ao sertanejo nordestino foi sendo ampliado com a disputa pelo controle político entre grupos adversários, a violência dos cangaceiros e a convivência com forças policiais despreparadas, que no lugar de dar tranqüilidade ao cidadão aplicava métodos tão cruéis quanto os bandoleiros.

Essa situação deixou uma herança negativa na região, causando grande destruição de riqueza e perda de vidas. Os recursos subtraídos da produção (comerciantes, fazendeiros, etc.) passaram a financiar o combate e deixaram de circular no sertão, indo em boa parte para as mãos dos traficantes de armas e munição. A insegurança atrasou e encareceu o desenvolvimento da infra-estrutura para acelerar a comunicação e progresso.

Considerando apenas os grupos de cangaceiros mais conhecidos, não encontro em nenhum deles, uma atitude que pudesse ser considerada como protesto aos oligarcas e a situação de desamparo legal ao sertanejo.

Jesuíno Brilhante. (Não existem sequer pinturas que retratem a sua imagem). A literatura relata que este cangaceiro foi mais preocupado com a situação de miséria imposta pela seca. Porém esses registros não encontram confirmação oficial.


Antônio Silvino
> Na sua fase inicial, encontramos alguns episódios descritos pelos poetas de cordel, principalmente, onde o cangaceiro tomou atitudes que poderiam ser vistas como reparadoras de injustiças contra os sertanejos “sem padrinho”. Com o passar do tempo Silvino foi abandonando sua versão justiceiro e usando as armas para roubar.









Sebastião (Sinhô) Pereira
> Esse cangaceiro adotou a vida das armas como soldado da família Pereira que de longa data mantinha luta com os Carvalho. Com problemas de saúde e aconselhado pelo Padre Cícero, abandonou o sertão nordestino, indo refugiar-se em Goiás e depois no estado de Minas Gerais.









Virgulino Ferreira , Lampião
> A grande referência do cangaço. Sua biografia vem sendo discutida e registrada com detalhes por diversos pesquisadores. Apesar de alguns autores apresentarem Lampião como tendo sido um rebelde em luta contra os coronéis, nada confirma esta hipótese. Os registros policiais, o relato de contemporâneos de Virgulino e suas relações com os donos do poder, não comprovam esta tese.

Apesar das consequências tão negativas no meio em que atuaram, os cangaceiros despertaram um sentimento de curiosidade e até admiração, que passados aproximadamente 70 anos do desaparecimento desses bandoleiros, suas histórias continuam motivando pesquisas, livros, filmes, seminários e etc.
Devemos considerar que os cangaceiros deixaram marcas evidentes na cultura local. Na musica, dança, alimentação. A indumentária do bando de Lampião, ainda nos dias de hoje serve como inspiração para a moda. Sem dúvida, o traço mais marcante da influência dos cangaceiros na cultura nordestina, é a adoção como marca registrada da região, do chapéu de aba virada.

Tenho visitado regularmente esta página, que é hoje, um ponto de encontro de muitos pesquisadores e colecionadores destas façanhas sertanejas. Por isso gostaria de deixar aqui algumas perguntas:

- Por que um capitulo tão cruel e negativo da história pode motivar tanto debate?
- Corremos o risco de confundir criminosos com heróis?
Muito boa a ideia do coordenador do Cariri Cangaço, Manoel Severo, de colocar ao lado das palestras sobre os cangaceiros, na próxima edição, uma exposição da vida de Delmiro Gouveia, sem dúvida uma referência muito importante e positiva para a sociedade. Um cearense paradigmático. Outro cearense que poderia enriquecer o seminário e que deixou um legado a ser exposto e debatido, poderia ser Rodolpho Theóphilo (imagem abaixo). Um homem que dedicou boa parte da sua vida e patrimônio pessoal, para salvar vidas dos seus conterrâneos.


Rodolpho Marcos Teóphilo 
(Salvador, 6 de maio de 1853 " Fortaleza, 2 de julho de 1932) 


- Entendo que comparando as ações desses grandes personagens regionais, ajudaria a criar uma consciência daquilo que queremos exaltar ou não. Precisamos ser cuidadosos ao escolher nossos heróis e vilões.
Carlos Eduardo Gomes.

No açude de Coroné Severo: Cariri Cangaço

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro amigo Carlos Eduardo,
1. Muitos movimentos sociais brasileiros despertaram grande interesse - Pau de Colher, Caldeirão, Canudos - mas com áreas de ação bastane restritas. Creio que o cangaço atingiu níveis bastante superiores de interesse porque ocorreu em área muitíssimo mais ampla que os demais, envolveu os 3 níves de governo, foi desde sempre objeto da mídia e de pesquisadores estrangeiros - New York Times, Chandler, Hobsbawm - e, felizmente, até hoje desperta as mentes de pesquisadores inteligentes como voce que não permitem a morte do tema.

2. A confusão entre herói e bandido existe e é séria. Há quem defenda que o que qualifica o indivíduo é o ponto de vista de quem sofre a ação. Lampião pilhava um armazém e dava um corte de tecido a alguém? Pronto? Para esse sujeito Lampião era herói. Estuprava uma mulher? Bandido a ser queimado nos mármores do inferno, lógico! Mas será que alguém, em sã consciência, qualificaria de herói um sujeito que estuprava, roubava, castrava, matava, torturava? Umas nicas jogadas aos meninos das vilas não poderia apagar a longa carreira de crimes do capitão. Um jurista poderia responder muito melhor que eu.
Meus parabéns pela clareza de seu curto texto.

William
whitewilliam@estadao.com.br

Anônimo disse...

Concordo com Carlos Eduardo sobre a importância de Rodolfo Teófilo, não só para o Ceará como para todo o país.
Muito metódico, seu trabalho mostrou-se à frente do seu tempo, pois hoje, o SUS-Sistema Único de Saúde adota tecnologia criada por ele. Além disso, sem ajuda dos poderes públicos e contando somente com colegas e profissionais recomendados, acabou com a varíola no Ceará antes do movimento de Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro.
Sem contar que foi contemporâneo de Lampião e autor de um romance sobre Jesuino Brilhante.

Enfim, Rodolfo Teófilo, Delmiro Gouveia e, incluo Jesuino Brilhante, estes sim, foram grandes heróis.

Julio Cesar Ischiara