segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Quem é a autoridade?

Lampião X Promotor de justiça Manoel Cândido 

O afastamento da 2 ª Companhia do 20° B. C., da Mata Grande/AL, proporcionou a Lampião a chance para agir livremente, sem receio de ser molestado. Os horizontes tornaram-se claros para o bandido que era medroso da farda verde-oliva, tinha medo do Exército como o diabo da cruz.

A presença da Companhia no Sertão, afastou os bandidos para outros Estados. Entretanto, assim que o Exército voltou para Maceió, os cangaceiros logo no início do ano de 1934, foram chegando para Alagoas, começando por "Corisco", que atravessou o rio São Francisco e passou a atuar nos municípios de Moxotó, Tacaratú, no Estado de Pernambuco, depois em Mata Grande/AL.

A polícia de Alagoas e de outros Estados passaram a persegui-los, mas em vista da facilidade de locomoção dos bandidos, nas caatingas de espinhos, tornava-se difícil a captura dos mesmos.

Seis meses de permanência do "Demonio Loiro" em Pernambuco e Alagoas, voltou Lampião da Bahia, trazendo Maria Bonita. O bandido ao chegar em Alagoas, dividiu seu pessoal em pequenos grupos que atuavam em pontos diferentes, dificultando, assim, a ação das policias.

Naqueles tempos as estradas de rodagem eram de uma precariedade nunca vista, especialmente em se tratando da Mata Grande às cidades fronteiriças de Pernambuco.

Quando havia a necessidade de viajar para Rio Branco, atual Arco Verde/PE, nos tempos das enchentes do rio Moxotó, as estradas tornavam-se intransitáveis. Os caminhões que transportavam algodão e cereais para os sertões de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e até para o Piauí, faziam o trajeto de "Negras", Pau-ferro, Santa Clara e Buique, passando um dia inteiro numa viagem intercalada de atoleiros, barro escorregadio e outros acidentes.

Numa dessas viagens entre Mata Grande, o caminhão de propriedade de Antonio de Amélia foi assaltado por Lampião que perambulava por ali.

Viajavam no veículo várias personalidades políticas da Mata Grande, como o coronel João Gomes Malta de Sá, Manoel Rodrigues de Carvalho (Né Rico), Dr. Manoel Cândido Carneiro da Silva, Promotor de Justiça. (Foto)

Esse bacharel além de ser um homem que se debatia pelas coisas boas e honestas, era possuidor de grande integridade moral. Nunca silenciou diante das arbitrariedades praticadas pelas policias, e falava escancaradamente doesse em quem doesse. Não havia muitos tempos que tinha escrito o livro "Factores do Cangaço", no qual fazia alusão às arbitrariedades e atrocidades praticadas pelos bandidos e também pelas volantes.

O bandido Lampião estava necessitando de provisões, mas não deixou de fazer a cata do dinheiro que os passageiros levavam, bem assim de jóias de uso pessoal. Ao meio daquela confusão e também apreensão, todos temiam serem mortos pelos cangaceiros, quando um dos passageiros gritou, na ocasião que estava sendo acossado pelo dinheiro:

— Dr. Manoel Cândido!

Lampião ao ouvir o nome, ficou surpreso e, virando-se rapidamente para o rapaz, perguntou ainda meio espantado:

— Você disse Dr. Manoel Candido? Então é o senhor o doutor Manoel Candido?

— Sim, Capitão.

O bandido era meio humorista, fazendo um arzinho de riso, pegou o doutor pelo braço e disse:

— Venha comigo, doutor!

Subiram e lá muito adiante, na ribeira de um riacho, onde existia uma árvore seca caída, apontando ordenou:

— Sente-se, doutor!

O promotor obedeceu prontamente às ordens do bandido que já estava com a cara alegre. Mostrando-se calmo, perguntou:

— Doutor, cadê o “Livro” que o senhor escreveu sobre Lampião? Está aí?

— Está, Capitão!

— Então, Doutor, o senhor vai lê-lo agorinha mesmo!

O bacharel, sentindo-se nervoso, abriu a bolsa que levava e deu início à leitura.

A tarefa seria muito dura e difícil porque havia trechos em que atacava danadamente os bandidos. O homem foi lendo... mas sempre prevenido para não cair no desagrado do "Rei do Cangaço".

Quando chegava em alguns trechos que atacavam os bandidos, o doutor saltava e alguns lia com cuidado e aos poucos ia omitindo algumas palavras contundentes, mas nos trechos que atacavam a polícia o doutor batia as palavras e Lampião divertia-se com o que ouvia a respeito dos "macacos".

Terminada a leitura, o bandido mostrava-se satisfeito, o bacharel saiu-se maravilhosamente bem. Todavia, ainda não estava terminada a entrevista, o facínora chamou o bandido Moita Brava e lhe cochichou ao ouvido alguma coisa, apontando para o doutor, gesto este que o deixou cismado e medroso, suspeitando que ia morrer. Entretanto, assim mesmo desconfiado, chegou-se à Maria Bonita e perguntou:

— Dona Maria Bonita, a senhora tem uma filhinha, não tem?

— Tenho, sim senhor! Por que?

— Porque eu também tenho uma filhinha que é o meu coração e a razão de meu viver. Assim, peço não deixar que Lampião me mate !

Maria Bonita mesmo sendo cangaceira, tinha bom coração, e ouvindo os rogos do Promotor de Justiça, que se achava em um estado de nervos de fazer pena, falou com Lampião e, voltando, disse:

— Dr. Manoel Cândido, pode ficar descansado que o senhor não vai morrer. O rapaz vai lhe fazer umas perguntas, mas não lhe fará nenhum mal.

O cangaceiro chamou o doutor, subiram o riacho e lá em cima fez-lhe algumas perguntas, talvez à busca de contradições. Enquanto Lampião observava e conversava com o prisioneiro, o resto do grupo saqueava os demais passageiros.

Antonio de Amélia, proprietário do caminhão, suspeitando ser reconhecido pelo fato de, algumas vezes, juntar-se à polícia em perseguição aos bandidos, tentou uma fuga, mas não conseguindo por ter sido interceptado por um cangaceiro que, apontando o fuzil para ele, não o matou porque a bala pinou.

Depois de quatro horas de verdadeira angústia, saíram-se muito bem pelo fato de não morrerem, mas…o "cobrinho" que levavam perderam, bem assim as joias e outros pertences. Né Rico, um dos prisioneiros que já sabia do fraco de Maria Bonita, que era falar da sua beleza, todos aqueles que aplicassem o adjetivo belo à sua pessoa, estariam salvos de qualquer sofrimento que porventura Lampião lhes quisesse impor .

Então, Né Rico possuído de grande calma, aproximou-se da bandida e sapecou-lhe o verbo:

— O povo tem razão em lhe chamar de Maria Bonita, porque eu estou encantado com a sua beleza! A senhora é bonita de verdade!

Usando os elogios acima, Né Rico nada sofreu dos bandidos, passou todo tempo ao lado daquela "beleza". Entretanto, não dispensaram o seu dinheirinho, deixaram-no tão liso como buraco de cobra!

* Texto transcrito da obra “ Lampião e Suas Façanhas” – Autor: Bezerra e Silva

Um abraço a todos
Ivanildo Silveira
Natal/RN

2 comentários:

Sérgio disse...

Amigos, sem querer ser chato, mas Corisco não atuou em Alagoas só a partir de 1934.
Em 1930, por exemplo, há inúmeros registros da ação de Corisco - em conjunto com Lampião ou não - agindo na região do Ipanema e do Moxotó, em Alagoas.
Em 1932, depois da revolução constitucionalista de São Paulo e da grande seca de 'João Miguel', quando os militares deixaram o sertão, lá estava ele de novo nas Alagoas.
A falta de método implica em disparates dessa natureza. Assim se formam as verdades históricas.
Parece que antes, quando era bem melhor ter acesso aos jornais que hoje (pois estavam mais novos e inteiros), a turma tinha preguiça de consultá-los...
Por ironia do destino, o primeiro estudioso do cangaço a usar os jornais como fontes de informações e de DATAS, foi o americano BILLY J. CHANDLER.
Que vergonha para nós! Um gringo!
Abraço
Sergio

Marins disse...

Caro Sérgio,
observando seu comentário, me deparei com um assunto o qual pesquiso em minha pós graduação, que e a seca de João Miguel. Estou em dificuldadespara achar fontes dessa pesquisa, fontes de qualquer natureza, escrita, fotográfica, oral etc. Será que vc teria alguma referência que pudesse me ajudar? Meu e-mail é rrmarins@gmail.com. Desde já grato,
Raimundo Marins