terça-feira, 8 de maio de 2018

O homem que prendeu Silvino

Theophanes Ferraz Torres e o raid vitorioso no Sertão pernambucano

*Por Maluma Marques


Visita do Dr. Eurico à cidade de Belmonte, quando da inspeção ao Sertão pernambucano. Foto tirada em frente à Prefeitura municipal, pelo fotógrafo Carcidio. Sentados, da esquerda para a direita: João Primo de Carvalho, Jacinto Gomes de Carvalho Santos, Theophanes Ferraz Torres, Eurico de Souza Leão, Melquiades Montenegro (juiz municipal), major Joaquim Leonel Pires de Alencar e Antônio Brandão de Alencar. Em pé e por trás de Theophanes e Eurico: tenente Arlindo Rocha. O capitão Nelson Leobaldo (delegado de Caruaru) encontra-se por trás do major Joaquim Leonel.
Foto doada ao autor pelo escritor e distinto amigo Valdir José Nogueira de Moura.

Mal se iniciava o ano de 1928 e o duríssimo combate contra o cangaço lampiônico não dava qualquer sinal de trégua. De acordo com informações do tenente da força pública de Pernambuco, Higino Belarmino, no dia 21 de janeiro, Lampião e seus asseclas estavam acoitados no Estado de Alagoas.

Quatro volantes pernambucanas, inclusive a comandada por Higino, buscando, desesperadamente, o paradeiro dos bandoleiros, conseguiram desalojá-los daquela zona. Theophanes, de posse desta importante informação, telegrafou para o Chefe de Polícia, Eurico de Souza Leão, informando-o que: “…se suas forças não tivessem atingido aquele Estado, Lampião iria se demorar muito mais tempo diante da proteção encontrada”.

Lampião, que, em anos anteriores, chegou a comandar 120 homens, estava, naquela oportunidade, com poucos elementos, desmuniciados e preocupados com a execução da “Lei do Diabo”, idealizada por Eurico de Souza Leão e que não poupava seus coiteiros. Com aquela lei, torceu-se, de vez, o parafuso no Sertão. Com o desaparecimento dos antigos acobertadores, os bandidos ficaram, assim, a correr dia e noite, sem encontrar um abrigo seguro e sem ver os velhos amigos que se tornaram inimigos.

Recebendo confirmação que, daquela vez, Souza Leão realizaria seu antigo sonho, que era mostrar a limpeza do flagelo do cangaceirismo, Theophanes informa-o que Vila Bela (atual Serra Talhada) – sede do comando geral das forças volantes – encontrava-se orgulhosa e entusiasmada, pois, era a primeira vez que um Chefe de Polícia iria visitar nosso sertão.

O roteiro traçado passaria pelas principais cidades sertanejas: Alagoa de Baixo, Afogados de Ingazeira, Flores, Triunfo, Vila Bela, Belmonte, Ouricuri, Salgueiro, Leopoldina, Petrolina, Boa Vista, Cabrobó, Belém e Floresta.

Daremos, entretanto, destaque especial para a cidade de Petrolina, que recebia, pela primeiríssima vez, a visita de uma autoridade do Governo do Estado e fez uma excelente cobertura jornalística.

De acordo com o Jornal de Petrolina “O Pharol” – periódico de publicação semanal, fundado em 1915, propriedade e direção de João Ferreira Gomes – , este destacava que “...na comitiva vinha o prezado amigo Theophanes, digníssimo comandante das forças em operações contra os bandoleiros”. Theophanes havia feito muitos amigos naquela cidade, pois, havia sido delegado de Petrolina entre dezembro de 1924 até o dia 23 de setembro de 1926, oportunidade em que foi nomeado comandante geral das forças volantes que agiam no Alto Sertão Pernambucano, com sede, inicial, em Salgueiro.





O então governador, Sérgio Loreto, pressionadíssimo pela imprensa local e opinião pública, faltando, apenas, 23 dias para o término do seu mandato, nomeia Theophanes para o comando no Alto Sertão, uma providencia que se impunha de há muito tempo. À medida que fosse limpando a região, o lendário militar seguiria para Floresta e, em seguida, Vila Bela.

Noticiava-se, inclusive, que aquele governador, durante os quatro anos de seu mandato nada fez de profícuo para livrar as populações sertanejas do seu maior flagelo. Corriam informações, verídicas, que ele, tendo noticia dos telegramas que as vítimas do banditismo tinham enviado ao futuro mandatário pernambucano, Estácio Coimbra, e divulgados pela imprensa do Rio, tinham despertado revolta e tocado bem fundo ao coração dos sulistas.

O Jornal do Recife, de 13 de novembro de 1926, afirmava que havia acontecido um encontro secreto, no palácio, entre o governador interino, Júlio de Melo, seu chefe de Polícia, Silva Rego e Theophanes, não sendo permitida a presença de nenhuma outra pessoa, cuja temática  versava sobre o combate sério, eficaz e verdadeiro ao banditismo que assolava os nossos sertões. Afirmava, também, que um alto figurão do Sergismo (acredito que tenha sido o próprio comandante da Força Pública, o coronel João Nunes) ficou sentado na antessala, durante hora e meia, esperando que a conferência terminasse.

Com o evidente prestígio de Theophanes, assegurava aquele periódico, que algum despeitado, do governo anterior, achava que isso era um desprestígio a pessoa altamente colocada na policia do Estado.

Em 15 de novembro de 1926, Theophanes assumiria, pela segunda vez, o comando geral das forças em operações no sertão. Agora a história do combate efetivo e direto contra o cangaceirismo era outra, não se tinha mais as intrigas políticas palacianas que afastaram aquele brioso oficial do comando em 1924, quando este quase liquidou, de vez, com o império de Lampião. Vide publicação neste jornal, no mês de março do corrente ano, intitulada: A vida de Lampião fica por um fio.

Theophanes, no dia 25 de novembro, desafiando, mais uma vez, a politicagem local, comunicava ao chefe de polícia que em Vila Bela, sede do comando, existia pessoas de representação muito amigos do bandido Lampião e que com ele se correspondiam em termos íntimo e reservado. Comunicava, ainda, que pelo prestigio que gozam, perante o mesmo, sempre sabem paradeiro do grupo e se entendem com os chefes intercedendo em benefício dos que caem no desagrado do celerado por qualquer pretexto. Afirmou que existiam na classe baixa, parentes e indivíduos outros que faziam o serviço de espionagem e se encarregavam de efetuar compras para o grupo dos bandoleiros. Afirmou, também, que estudava, desde que ali chegou, a situação daquele município. Theophanes finalizou sua comunicação asseverando que se encontrava com seu espírito revoltado com tanta baixeza de caráter e covardia prejudiciais a extinção do banditismo e que havia ordenado severas providências para ricos e pobres que confabulassem a facilitar as ações dos fora da lei.

No dia 12 de dezembro de 1926, Estácio Coimbra assumiria o governo de Pernambuco e, Eurico de Souza Leão, tomaria posse na Chefatura de Polícia.

Sobre o raid vitorioso, daquela histórica visita, vamos encontrar na edição, nº 19, de 08 de fevereiro de 1928, do jornal “O Pharol”, o seguinte:

“Foi um fato invulgar e por isto mesmo constituiu um acontecimento que a nossa terra não estava acostumada a presenciar – a visita do Dr. Eurico de Souza Leão, enérgico chefe de polícia, o primeiro auxiliar de Governo do Estado que se abalou da capital, pelo interior, visitando as principais localidades sertanejas de Pernambuco, fiscalizando as zonas flageladas pelo banditismo.

Pela primeira vez Petrolina assistiu cheia de júbilo, a entrada de carros da capital em ruas de nossa Urb, como a anunciarem que, com a vinda do Dr. Souza Leão, estava inaugurada uma nova era para esta terra tão esquecida dos nossos governos, isolada pela deficiência de transportes, sem estradas ao menos carroçáveis que facilitem a comunicação deste com outros municípios vizinhos, obra da má política e dos maus administradores.

Falamos em estradas neste momento, porque sendo Petrolina o último município de Pernambuco, o mais distanciado da capital, vive completamente alheio à vida Estado, parecendo um filho adotivo criado em casa do vizinho, que neste caso é a Bahia, que lhe exige muito do seu trabalho em troca das comodidades que lhe proporciona.

O Dr. Souza Leão deve estar convencido que um dos maiores fatores para a extinção do banditismo é inegavelmente o prolongamento da Central de Pernambuco, até aqui, pois a estrada de ferro cortando os nossos sertões mudará os hábitos do povo e modificará os costumes.

 A CHEGADA
          
Seriam 18 horas, do dia 28, quando ao acender das luzes, bombões e várias girândolas de foguetes anunciavam a entrada, na cidade, na Rua Souza Leão do carro em que viajava o Dr. Souza Leão, precedido de mais 3 carros em que viajavam as pessoas de sua comitiva.

A saudação oficial foi feita pelo nosso inteligente confrade Francisco de Barros, adjunto da promotoria pública em exercício, que saudou sua Excia. em nome de Petrolina.

Num belíssimo improviso Dr. Souza Leão, disse da sua missão pelo interior do Estado, isto é, fiscalizar a perseguição ao banditismo, esse grande mal que é a nossa maior vergonha; exigir a coadjuvação de todos os sertanejos para acabar com esse cancro que vem corroendo o organismo do Estado.

Em seguida dirigiu-se para a residência do Sr. Luiz Ignacio de Souza, chefe político local e seu particular amigo, onde foi hospedado.

O Major Theophanes Torres, digníssimo comandante das forças do interior, a quem em boa hora foi confiada a espinhosa missão de dar combate ao banditismo, o coronel Antônio Japiassú, chefe político de Rio Branco, o Dr. Antônio Freire, secretário do Dr. Chefe de polícia e o Capitão Nelson Leobaldo, foram hospedados no confortável edifício da “21 de Setembro”, previamente preparado para isso.

Depois de breve descanso teve lugar o banquete, oferecido a sua Excia. no vasto salão da Pensão Progresso. Na manhã do dia 29, o Dr. Souza Leão e sua comitiva visitaram o Colégio Dom Bosco e o nosso amado antístite Dom Malan. Às 15 horas, sua Excia. e ilustre comitiva foram ao Jockey Clube, que nesse dia dedicou-lhes um festival hípico.          

Ao Dr. Eurico e membros da comitiva foram conferidos diplomas de beneméritos da nossa banda musical “21 de Setembro”.

ALMOÇO AO MAJOR THEOPHANES

Amigos e admiradores do Major Theophanes, ofereceram-lhe lauto almoço na Pensão Progresso, no dia 29.

Usando da palavra o Dr. Pacífico da Luz ofereceu o almoço ao Major Theophanes como prova de estima e alto apreço de que goza nesta terra o bravo militar patrício; o nosso diretor por si e pelo “O Pharol”, Aureo Vianna pelo “O Momento”, brindando ambos ao valoroso oficial da nossa milícia.

O Major Theophanes, em breve palavras, transmitiu a palavra ao jornalista Antônio Freire seu amigo e companheiro de excursão, para manifestar os seus agradecimentos a todos, o que o Dr. Freire fez com muita felicidade, arrancando merecidos aplausos.

A nota mais importante do almoço foi a cordialidade e a intimidade reinante entre os convivas.

O REGRESSO

Por falta de estrada carroçável para Boa Vista, o Dr. Souza Leão e sua comitiva regressaram na manhã de 30, transportando os carros para Juazeiro e dali seguindo para Curaça, Boa Vista, Cabrobó, Belém e Floresta”.

Em sua breve estadia na cidade de Vila Bela, destaco que Eurico tornou-se compadre de Theophanes, ao batizar o filho daquele bravo e lendário militar, o menor Geraldo Ferraz de Sá Torres, vilabelense, nascido no dia 02 de janeiro de 1928.

Lampião seria escorraçado, definitivamente, pelas forças pernambucanas para o Estado da Bahia, em 21 de agosto de 1928, sendo acompanhado de Virgínio, seu cunhado, conhecido como Moderno, Ezequiel, seu irmão, apelidado de Ponto Fino, Luiz Pedro, compadre e homem de sua confiança, Mariano, que salvara o grupo do envenenamento na Fazenda Ipueiras/CE e, por último, Mergulhão.

Visita do Dr. Eurico à cidade de Salgueiro. Foto tirada pelo fotógrafo Carcidio, no oitão da casa do coronel Veremundo Soares.
Da esquerda para a direita, sentados: Américo Soares, Theophanes Torres, capitão Antônio Japyassu, coronel Veremundo Soares, Eurico de Souza Leão, dr. João Jugmann, Benjamin O. Soares (irmão do coronel Veremundo Soares) e capitão Nelson Leobaldo.
Em pé: Alberto Soares, Joaquim Araújo, Duperon Alencar, José Vitorino (pai de Suetônio Alencar), Lauro Soares (filho do coronel Othon Benjamin), Osmundo Bezerra, Raul Bezerra, Álvaro Soares, não identificado e Heitor Soares (filho do coronel Veremundo)

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