segunda-feira, 20 de julho de 2020

Correio Brasiliense (DF) – 12, 13 e 14 de maio de 1966

Uma histórica entrevista com Ferreira de Melo

Transcrição de Antonio Correia Sobrinho

54 anos, neste maio de 2020, da publicação, pelo jornal de Brasília, o Correio Brasiliense, da histórica entrevista do Coronel Francisco Ferreira de Melo, concedida ao jornalista Antônio Sapucaia. Francisco Ferreira de Melo que, como sabemos, foi um dos comandantes das forças militares alagoanas que cercaram e mataram Lampião, em 1938, e se não escreveu livro para dizer deste impressionante e inesquecível acontecimento, como o fez o seu comandante, o Coronel João Bezerra, neste seu depoimento aos Jornais Associados, Francisco Ferreira de Melo apresenta suas impressões e diz sobre a sua participação em Angicos.

Registro que o amigo José Vanderli Silva é o maior responsável por esta postagem, a quem aqui agradeço, visto que foi ele que me consultou sobre esta entrevista, que me levou a buscá-la nos periódicos. E como sempre faço com o que leio e acho interessante, sobre cangaço, trago para os grupos, devidamente digitalizado, para conhecimento e deleite da gente.
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LAMPIÃO EM VERSÃO DEFINITIVA
PUNHAL CRAVADO NO PEITO LEVOU COITEIRO A DENUNCIAR LAMPIÃO


Texto de Antônio Sapucaia

Novas controvérsias sobre a figura lendária e quixotesca de Virgulino Ferreira da Silva – Lampião – levaram dois repórteres associados a percorrer o interior de Alagoas na busca do homem que comandou o ataque decisivo na destruição do bando que durante mais de 20 anos levou a intranquilidade e o pânico a toda região nordestina. Antonio Sapucaia e José Ronaldo localizaram o tenente-coronel da Polícia Militar de Alagoas Francisco Ferreira de Melo, numa fazenda do município litorâneo de Coruripe.


 Assim era o aspirante Ferreira na época do massacre

Pela primeira vez, desde o fatídico 28 de julho de 1938, o coronel Ferreira fala com franqueza e conta tudo sobre o morticínio do bando terrível que matou e saqueou sem piedade em sete Estados da Federação.

Esta, e a história inédita que o coronel Ferreira reteve por 18 anos.
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Durante mais de dois decênios, os sertões nordestinos viveram sobressaltados pelas truculências de Virgulino Ferreira da Silva, o famigerado Lampião, ao lado de outros cangaceiros que lhe obedeciam severamente às ordens recebidas.

Decorridos quase 30 anos do desaparecimento do mais perverso bandido que o Brasil conheceu, vemo-lo transformado em motivo inspirador da nossa música popular, romances, filmes, painéis, enquanto seus familiares vêm travando uma longa batalha: levar ao cemitério a cabeça dele e de Maria Bonita, que se acham insepultas no Museu Estácio de Lima, na Bahia. Ao lado de tudo isto, vem de surgir um fato curioso, envolvendo a “ressurreição” do “Rei do Cangaço” um velhinho paraibano radicado em Fortaleza, que conviveu, conheceu muito bem e até combateu Lampião nas caatingas”, divulgou recentemente que o desalmado cangaceiro não havia morrido e que a existência de Maria Bonita não passava de um mito, porquanto a mesma nunca existira a não ser na imaginação de trovadores e romancistas de feira. Disse ainda que Lampião “está mais vivo do que nunca, negociando gado em Campina Grande e vivendo como um nababo”. Chega a desafiar a qualquer “doutor” a provar o contrário.

Tais afirmações, bem como alguns pontos obscuros e controversos, que existem em torno do “Capitão” Lampião, levaram-nos a uma figura das mais autorizadas sobre o assunto, de vez que assistiu de perto o seu extermínio, lutando e comandando. Trata-se do tenente-coronel reformado, Francisco Ferreira de Melo, aspirante de então que comandara uma das volantes e que, em atenção ao tenente João Bezerra, seu compadre e amigo, e já na pista de Lampião, chegara a orientar o movimento das tropas que cercariam o cangaceiro e seus asseclas. Além disto, foi a sua tripa que primeiro se defrontou com os bandidos, abrindo fogo e os destruindo, na maioria.

A PALAVRA DO CORONEL

Fomos localizá-lo no Poxim, povoado pertencente ao município de Coruripe, estado de Alagoas, onde vive inteiramente voltado para o coqueiral que se estende ao longo dos fundos da sua residência, uma espécie de casa-grande. Durante aproximadamente 13 anos, em pleno vigor da sua mocidade, perseguiu Lampião, tornando-se um dos militares de grande confiança, o que é confirmado pelo fato de ter sido escolhido para comandar uma das volantes, as quais eram subordinas ao comando geral sob a responsabilidade do então coronel Lucena, um homem de fibra, bastante enérgico e vocacionado para a missão.

Homem de 61 anos, em cuja voz e traços fisionômicos percebem-se as pinceladas da velhice, o coronel Ferreira não se faz de rogado. Começa dizendo que retroceder a esse período da nossa história é nos deparar com uma série de atrocidades, lutas, fome, miséria, toda espécie de sofrimento. Fala com entusiasmo, gesticula e procura ser o mais fiel possível.

- “Para muita gente, que se mantinha distante dos acontecimentos, Lampião agia exclusivamente ao lado dos seus cabras, constituindo, todos, apenas um grupo. É puro engano dos que assim pensam. Do mesmo modo que a Polícia tinha as suas volantes, agindo em pontos diferentes, Lampião comandava também vários grupos, que se dispersavam pelas caatingas nordestinas, cometendo as piores misérias. Eu mesmo – prossegue o Coronel – cheguei a travar alguns combates com vários desses malfeitores, sem nunca ter me defrontado com o grupo em que se encontrava o perverso bandido. Com ele, travei apenas um combate – o primeiro e único – que foi o de Angicos, e que culminou com a sua morte.

O certo é que todos eram de uma perversidade extrema e, por onde quer que passassem, deixavam o rastro da sua periculosidade. Só mesmo com disposição, sangue frio e muito espírito de luta é que se poderia enfrentar e dar fim aqueles infelizes malfeitores.


 
 Aspirante Ferreira observa carro queimado por Corisco em 1938

HOMENS SELECIONADOS

- “Os nossos homens eram todos selecionados, escolhidos a dedo, e aquele que demonstrava sinal de fraqueza, não poderia figurar ao nosso lado. Muitos deles, bravos e destemidos, ainda estão por aí, relembrando os dias negros que vivemos, para vermos terminado um verdadeiro período de calamidade, que colocava em pânico todo o Nordeste. Afastados dos nossos lares – continua o Coronel – passamos muitas noites de olhos abertos, em meio à caatinga brava, e era comum passarmos muitos dias de estômago vazio. Se por vezes tínhamos as criações, bodes, carneiros, etc., às vezes nada tínhamos, a não ser a fome que nos deixava assustados.

Incrível que pareça, eu mesmo, certa vez, cheguei a comer pedrinhas, cuidadosamente catadas, tamanha era a fome que de mim se apoderava.

Em 1938, o aspirante Ferreira de Melo tinha o comando da sua tropa sediada em Pedra de Delmiro, a do tenente Bezerra em Piranhas e a do cabo Aniceto, em Mata Grande, enquanto o comando-geral situava-se em Santana do Ipanema.

No dia 27 de julho de 1938, uma quarta-feira, as tropas do aspirante Ferreira e do tenente Bezerra encontravam-se em Pedra de Delmiro, juntas, ocasião em que os seus comandantes traçavam planos para uma batida que julgavam de importância vital para o extermínio ou captura do adversário. Enquanto o tenente Bezerra deixara Piranhas para encontrar-se com o aspirantes Ferreira, na Vila de Pedra, o cabo Aniceto, deixava Mata Grande, sob a alegação de que teria faltado mantimentos que garantissem a permanência do seu pessoal ali, e demandara Piranhas, onde morava sua noiva, por sinal, filha do prefeito daquele Município.

Foi justamente nessa ocasião que, inesperadamente, segundo narra o coronel Ferreira, chegara a Piranhas um caboclo, meio assustado e tímido à procura do tenente Bezerra, manifestando o desejo de com ele se avistar. Interrogado sobre o que desejava, relutou em responder, posto que o sertanejo comumente é desconfiado. Depois de muita insistência, resolveu confessar então que, horas atrás, vira um grupo de cangaceiros em Entremontes, distante dali umas duas léguas.

Detalhadamente, dissera que, no momento em que tangia alguns bodes, observou que alguns bandidos se encontravam em um roçado, quebrando milho e roubando melancias. Reconheceu que pertenciam ao grupo de Lampião. Diante do que vira, estava desejando falar com o tenente Bezerra, a fim de que o oficial rumasse para aquele povoado. Inteirado do fato, sem perder tempo o cabo Aniceto não teve outro caminho, senão telegrafar ao Tenente Bezerra: “Venha urgente boi curral”.

Tão logo a mensagem chegou ao poder do seu destinatário, este acusara o recebimento do telegrama, ao mesmo tempo em que solicitava do seu subordinado que providenciasse uma condução, e os viesse apanhar, pois em Pedra não havia nenhuma condução motorizada naquele momento. Apesar disto, as duas tropas, de Bezerra e Ferreira, partiram com destino a Piranhas, a pé, porque não se poderia perder tempo. Afinal de contas, a condução poderia vir ou não!

Depois de enfrentarem, durante algumas horas, as terras comburidas e o solo causticante, encontraram um caminhão, procedente de Mata Grande, conduzindo alguns feirantes e suas mercadorias. O Tenente Bezerra determinou, assim, que fosse descarregado o caminhão, fizesse a volta e os conduzisse até Piranhas, o que foi feito incontinente, enquanto os passageiros ficaram aguardando o retorno da condução.

NO ENCALÇO DE LAMPIÃO

Em Piranhas, trataram de providenciar uma canoa, a fim de que, através do rio São Francisco, eles pudessem alcançar a localidade onde se encontravam os bandidos. Depois de grande esforço, resolveram ajoujar três canoas – diz o coronel –, única solução viável naquele momento, uma vez que, eram aproximadamente 45 homens e se tornava necessária a presença de todos. O percurso dessa arriscada viagem foi feito à noite, sob forte aguaceiro, tendo os policiais chegado em Entremontes, cerca das 22 horas.

- “Quando alcançamos aquele povoado, ficamos à margem do rio, tendo o tenente Bezerra, comandante das tropas, determinado que o cabo Bida fosse à casa de Pedro de Cândida, bem próximo dali, e o trouxesse preso. Pedro de Cândida – esclarece o coronel – era um dos inúmeros coiteiros de Lampião, vivendo exclusivamente às expensas deste e sempre afirmava que botaria a policial em cima de todos os grupos, menos no de Virgulino Ferreira. Retornando sem haver cumprido a missão, o cabo Bida informou que Pedro de Cândida havia dito que por obséquio, o tenente fosse falar com ele em sua própria casa.

O pior de tudo, é que não trouxe o homem. Ficamos tomados de grande revolta e o único pensamento que me veio à cabeça era de que o Pedro havia fugido e ninguém mais o encontraria. Mas, graças a Deus e à sua ousadia, que era demais, o homem não se arredara de casa e dois soldados foram buscá-lo, dessa vez com fortes recomendações. E o trouxeram, sem muito esforço. Diante do tenente Bezerra – continua o coronel – a despeito dos apertos que levou, o coiteiro-mor nada confessou, afirmando sempre não saber onde esse encontrava Lampião.

Persistindo no intento de arrancar a confissão verdadeira, fosse de que maneira fosse, uma vez que ninguém tinha mais dúvida de que ele poderia tudo esclarecer, o comandante das nossas tropas resolveu encaminhá-lo para mim, no sentido de que eu desse um “jeitinho” para desvendar o mistério em torno do paradeiro dos bandidos.

PEDRO DE CÂNDIDO CONFESSA

- “Chamei-o para um lugarzinho afastado, já tomado de forte cólera, e conclui que a única solução do assunto dependia de uma medida rigorosa que, de fato, pudesse assustar ao maldito coiteiro. Saquei de um punhal que conduzia e encostei ao peito esquerdo dele, e disse com voz firme: “você tem dois caminhos a seguir: ou confessa ou morre. Por duas vezes, encostei-lhe o punhal, furando-o sem grande profundidade. Na terceira vez, quando ele percebeu que eu estava realmente disposto a mandá-lo para o outro mundo, resolveu falar, insistindo para que eu não o matasse.

- “Eu vou contar tudo – disse Pedro de Cândido ao aspirante – mas vai morrer muita gente...”

- Cientifiquei o ocorrido ao compadre Bezerra e mandei que ele próprio ouvisse a confissão. Sem muita demora, foi logo dizendo que os cangaceiros de fato estiveram em Entremontes, porém já haviam atravessado o rio, estando em Sergipe, e que um seu irmão, que residia a margem do rio, no outro lado, sabia esclarecer detalhadamente sobre o paradeiro dos bandidos, principalmente porque, no dia anterior, havia levado um bode assado para o “capitão” Lampião e sua gente. Não é necessário dizer que custamos a acreditar naquela conversa. Mesmo assim, atravessamos o São Francisco, conduzindo entre nós Pedro da Cândida, ocasião em que nos dissera que, se porventura não fosse verdadeiro o que ele acaba de confessar, pudéssemos matá-lo. A partir daquele momento, criamos alma nova e ficamos na certeza de que estávamos nos calcanhares de Lampião. A chuva não cessava e era cada vez maior a nossa esperança de vermos terminada aquela jornada, que havia começado há vários anos, sem ninguém saber quando terminaria!

CORONEL CONFESSA: DEGOLA DOS BANDIDOS FOI LIDERADA POR MIM

Após a confissão de Pedro de Cândida, os “macacos” perceberam que estavam no começo do fim. Ouçamos o coronel Ferreira:

- “ Quando atravessamos o São Francisco, encostamos as canoas em um lajedo e rumamos para a casa do irmão de Pedro de Cândida, cujo nome não consegui gravar. Deixamos o coiteiro em poder de alguns soldados, e procuramos falar com seu irmão, sem dizermos que Pedro se encontrava conosco. Insistimos bastante e ele nada queria nos confessar, sempre negando, até que a nossa paciência se esgotou. Daí, procuramos fazer a acareação dele com o irmão, tendo este, tão logo se avistaram, pedido que confessasse tudo, pois já havia descoberto o que sabia e estava tudo perdido. Seria inútil qualquer tentativa em sentido contrário. Nada mais restava fazer. E o rapazote despejou tudo com facilidade, inclusive confirmou que no dia anterior havia levado um bode assado para Lampião. E acrescentou que ele havia dito que, se não partissem naquela tarde, partiriam no dia seguinte, cedinho.
O Coronel Ferreira respira fundo, esfrega as mãos e diz que a partir daquele instante estava iniciada uma verdadeira via crucis. Estávamos cansados, molhados como patos n’água, mas tínhamos uma missão a cumprir – confessou-nos calmamente.

- “As tropas foram divididas. Cada grupo seguiu o seu rumo e coube à minha volante conduzir Pedro de Cândida, que nos mostraria o local onde se achava o assassino. Andamos de quatro pés, de joelhos, rastejamos, e quanto mais nos aproximávamos, em meio à escuridão, falávamos aos cochichos, evitando, assim, que algum barulho viesse a denunciar a nossa presença. Vivemos momentos de intensa apreensão. Ficou convencionado que o tenente Bezerra, tão logo se aproximasse do esconderijo, daria o primeiro tiro, no que seria seguido por todos nós. O correu, no entanto, que a minha tropa tanto se aproximou dos miseráveis, ao ponto de vermos, a poucos metros da nossa frente, um cangaceiro de cócoras, apanhando água, com uma cabaça, ou cantil. Mais tarde, viemos a saber que se tratava de Zé Sereno.

Ouvimos o chocalho dos animais, fortes gargalhadas, e naquele momento, entre o clarear do dia e a penumbra da noite, o soldado Abdon, viu-se tão perto de um cangaceiro, conhecido por “Quinta Feira” que, sem a menor demora, deu-lhe um tiro. Estava iniciado o tiroteio. Um minuto de indecisão, e naturalmente teríamos levado chumbo. Iniciada a batalha, confesso que nunca vi quadro tão horroroso, principalmente pelos gritos horripilantes que os cangaceiros davam. Eram gritos horríveis, que assustariam a qualquer cristão, mesmo preparado para o difícil momento. O tiroteio durou uns 20 minutos, aproximadamente, em meio a uma fumaceira terrível, onde se misturavam a neblina da manhã com a fumaça vomitada pelas armas, enquanto espirrava cangaceiro por todos os lados. Quando já havíamos derrubado seus bandidos, já a tropa do tenente Bezerra se aproximava, dando prosseguimento ao tiroteio, derrubando os que iam aparecendo.


 Volante do Tenente Ferreira de Mello Chico Ferreira, 
quando retornavam de Angico, dias após a chacina



LAMPIÃO E MARIA BONITA BALEADOS

- “Cessado o fogo, fomos dar balanço das vítimas. Dos nossos companheiros, o soldado Adrião fora baleado mortalmente. Lampião recebera apenas uma bala, atingindo-o no lado esquerdo da região umbilical. Ainda agonizava, quando um dos nossos soldados aproximou-se dele, e, apontando o fuzil em direção da sua cabeça, ia puxando o gatilho, no que foi obstado por um outro soldado, Sebastião Vieira Sandes, conhecido por Santos, meu compadre e um dos mais corajosos milicianos que conheci. Mesmo assim, a bala que se destinaria diretamente à sua testa, ainda o atingiu, embora de raspão.

Ao seu lado, Maria Bonita, com o fato todo de fora, pronunciava palavras incompreensíveis, arrancadas com esforço de moribundo. Luís Pedro, lugar-tenente de Lampião, ainda correu, tendo sido baleado a umas 10 ou 15 braças do local, acompanhado de um seu afilhado, o bandido “Vilanova”. Atingido por balas mortais, insistia com Vilanova para que este o acabasse de matar e que, como lembrança, ficasse com o seu mosquetão. Não resistiu, e o afilhado ficou com o mosquetão e o chapéu de como lembrança. No local – conclui o Coronel Ferreira – além de dois animais que eles conduziam, encontramos duas máquinas de costuras, manuais, comida de várias espécies, principalmente carne de conserva, jornais, medalhas, anéis de todo tipo, além de um verdadeiro arsenal.

DEGOLA: INICIATIVA DO CORONEL

Como se sabe, as vítimas da chacina de Angicos, excluindo o soldado Adrião, perfizeram um total de onze: Lampião, Luís Pedro, Quinta Feira, Mergulhão, Elétrico, Caixa de Fósforo, Cajarana, Diferente, Maria Bonita e Enedina, além de outro cujo nome não conseguimos reter. Cessada a batalha, jaziam alguns cangaceiros, enquanto outros ainda agonizavam.

 O cangaceiro "Diferente"

Tomado de ingente revolta, o aspirante Ferreira chegou a sangrar um dos bandidos, que, num gesto de represália involuntária, jogou-lhe algumas golfadas de sangue, em meio aos horríveis gritos que antecedem aos instantes finais da vida.

- “Qualquer homem de bem, por mais pacato que seja – justifica o coronel – faria o que eu fiz. Bastaria que conhecesse de perto, colocando diante dos olhos os quadros de misérias que as terras sertanejas estavam cansadas de nos expor tendo com responsáveis aqueles perversos e miseráveis bandidos. Certa vez, não pude me controlar e cheguei a chorar, quando cheguei a uma casa e vi toda família, inclusive alguns menores, todos amarrados e queimados, vítimas de Lampião e seus comandados. Em plena caatinga, era hábito encontrarmos esqueletos dependurados em árvores, iniciativa do terrível Virgulino Ferreira. Seria ocioso mencionar as suas perversidades, por demais conhecidas, embora não na sua totalidade.

MARIA ERA MESMO BONITA E O “REI DO CANGAÇO” NÃO MORREU DORMINDO

Dizíamos, no meio desta série de reportagem, que existiam muitos pontos obscuros e controversos sobre Lampião, sua gente, suas façanhas. Um deles, por exemplo, prende-se ao coiteiro-mor Pedro de Cândido, o homem que conduziu o Tenente Bezerra e os seus comandados até ao esconderijo em que se achava o perverso cangaceiro, de conluio com algumas dezenas de divorciados da lei.

Numa série de entrevistas concedias aos Associados, o ex-cangaceiro “Volta Seca”, atualmente Antônio dos Santos, pai de sete filhos, funcionário da Leopoldina, no Rio, dissera entre outras coisas que, após a degola dos cangaceiros, as tropas da polícia alagoana deram cabo de Pedro da Cândido.

- “Nada mais inverídico e falso – refuta o Coronel. Na realidade, quando o conduzíamos em demanda de Angicos, levando-o com certa cautela, eu havia autorizado a dois soldados que, tão logo fosse iniciado o tiroteio, acabasse com a vida dele. Entretanto, apesar de não ser lá nenhum bom coração, resolvi pensar de modo diferente, atendendo aos seus clamorosos apelos, sobretudo com referência à família, que ia ficar desamparada. Assim sendo, através de gestos, eu transmiti aos soldados que nada fizessem, deixassem-no ir embora. E assim foi feito. Não posso esclarecer como ele escapuliu e foi bater em casa, mas uma coisa posso afirmar: um mês depois da chacina, Pedro de Cândida ainda tirava espinhos do corpo, um tanto inchado, em consequência da carreira que dera, enfrentando os mandacarus, xique-xiques e todos os tipos de plantas bravas.

Para desfazer totalmente as informações de Volta Seca, o coronel diz que os governos de Bahia e Alagoas (o interventor de Alagoas era o Dr. Osman Loureiro), juntos, ofertaram cem mil cruzeiros, a serem distribuídos com os participantes da luta, tendo ele e o Tenente Bezerra recebido maiores parcelas, enquanto o restante recebeu quantias iguais, inclusive o próprio Pedro de Cândido. Diz, ainda, que o referido coiteiro ingressara na polícia alagoana, na qualidade de cabo, tendo ido destacar em Entremontes, local em que residia.


 O aspirante Ferreira de Melo e o soldado Noratinho 
mostram a Melchiades da Rocha o local onde Lampião foi decapitado.

ASSASSINADO ANOS DEPOIS

E o coronel revela:

- “Destacando em Entremontes, Pedro de Cândido, que era muito mulherengo, habitualmente deixava aquele distrito, conduzido em uma canoa por ele mesmo remada, em demanda de Piranhas. Naquela cidade, Pedro tinha as suas aventurazinhas amorosas. Nessa época, começou a aparecer um boato de que existia “bicho” naquelas redondezas, chegando a ser “visto” por muitas pessoas. Certa noite, quando um rapazinho de 15 a 16 anos transitava nas imediações do rio São Francisco, e tendo que passar por um caminho que se localizava bem a sua margem, inesperadamente deparou-se com um vulto, braços abertos, dando a ideia de que iria abraçá-lo. Já ciente do boato que circulava em Piranhas, ficou na certeza de que estava fielmente diante do lobisomem. Deste modo, talvez impulsionado pelo próprio medo, puxou do bolso uma “faquinha de cabo preto”, que conduzia, e a cravou no peito esquerdo do suposto fantasma, saindo a gritar dizendo que havia morto o “bicho”.

Com grande surpresa para os habitantes dali, verificaram, depois, que se tratava de Pedro de Cândido, trajando um capote escuro, na época distribuído pela polícia de Alagoas.

LAMPIÃO NÃO MORREU DORMINDO

Outra inverdade divulgada pelo ex-integrante do grupo de Lampião, refere-se à morte do seu ex-chefe, quando afirma que o “rei do cangaço” morreu dormindo, sem tempo para acordar. E acrescenta que “foi encontrado no chão, mas já caiu da rede morto e ensanguentado, com o corpo crivado de balas”.
- “Lampião, diz o coronel Ferreira, sem dúvida alguma foi tomado de surpresa e longe estava ele de acreditar que àquelas horas, naquele seu infeliz amanhecer de 28 de julho de 1938, nossas tropas estivessem, ali, ao seu redor. A bem da verdade, torna-se necessário esclarecer que o fato de termos o agarrado inesperadamente, ajudou-nos bastante, visto que, bastaria uma simples falha nossa, ou até mesmo uma simples indecisão ao abrir fogo, e talvez poucos soldados das nossas volantes viessem a descrever aqueles instante de ferocidade e agonia. Apesar de o termos cercado de surpresa, afirmo categoricamente que Lampião não morreu dormindo, nem foi crivado por várias balas.

Todos os cangaceiros já se encontravam de pé, naturalmente se aprontando para a partida, pois o dia já estava amanhecendo e Lampião, conforme é sabido por todos, não era homem de dormir até tarde, principalmente com os seus subordinados acordados. Isto não passa de conversa mole, que não tem nenhuma razão de ser. Lampião já estava de pé e recebeu apenas uma bala, conforme eu já disse, empunhada pelo cabo Honorato, conhecido por Honoratinho. Todavia, ninguém poderia precisar, em meio ao fumaceiro, às apreensões e a balbúrdia do momento, que esse ou aquele policial tivesse atingido ao nosso terrível adversário. O verdadeiro, no duro, é que foi a minha tropa que exterminou Lampião. Esta é que é a verdade – diz energicamente o Coronel Ferreira.

 


ANTÔNIO FERREIRA É UM PSICOPATA

A entrevista está no fim. “Seu Antônio Ferreira, declarou que Lampião não havia morrido e que Maria nunca existiu, de vez que ele participava também do bando e nunca viu mulher ou mulheres entre eles.

Lemos para o Coronel as ousadas declarações do velhinho paraibano, ouvidas sobre forte gargalhada.

- “Só mesmo um psicopata, poderia fazer tão imbecil afirmativa, sem pé nem cabeça, decerto procurando um início de levar o nome às páginas dos jornais. Se Lampião não morreu, como é que os membros da sua família vêm lutando para sepultar a cabeça dele e de Maria Bonita? Se Lampião não morreu, como é que os próprios sequazes seus, que lado a lado viviam com ele, constantemente se referem ao seu desaparecimento, muito embora nem sempre historiando a verdade dos fatos? Existira prova mais fiel do que a existência da sua cabeça, já mumificada, no museu Estácio de Lima, na Bahia?

- “Não consigo entender como é que uma pessoa afirma que não existiam mulheres no bando de Lampião. Eu mesmo fiquei com algumas fotografias, pertencentes ao desgraçado cangaceiro, retiradas de uma lata que se achava em seu poder, onde se constata a existência das mulheres.

Folheia um álbum, que nos deu para examinar, no qual, dentre várias fotos, encontra-se uma do bandido “Pancada”, ao lado a sua companheira, cujo nome desconhece. Mais adiante, lá estão Lampião e Maria Bonita, esta sentada, entre dois cachorros, e aquele de pé, ao lado, em um jornal. da fotografia, vê-se que Maria Bonita era bonita mesmo e dona de umas lindas pernas.

 Ferreira e o jornalista

 HOMEM DE CONSCIÊNCIA TRANQUILA

Aos 61 anos de idade, o tenente coronel Ferreira de Melo é um homem que diz viver de consciência tranquila, não obstante algumas malvadezas que teve de praticar, forçado pelos ossos do ofício, nem sempre ossos bons de roer. Respeitado e admirado, vive sob a glória de haver concorrido bravamente para o extermínio do maior bandido que o Brasil conheceu e reconhece que o triunfo coube a todos que participaram da chacina e outros que direta ou indiretamente, deram a sua parcela de sacrifício, em defesa da tranquilidade da nação. Cita os nomes do coronel Lucena Maranhão, do Tenente Bezerra, do ex-cabo Aniceto, que morreu baleado em Santana do Mundaú, no de 1959, e não esquece, entre vários outros, o Dr. Osman Loureiro que, na qualidade de Interventor, muito fez para a extinção daquela praga social.

Ainda hoje, na tranquilidade em que vive, fala de Lampião com ares de revolta e ódio.

Bônus:



Francisco Ferreira de Melo em dias de paz.

A Ilustração ficou por conta do Blog Lampião Aceso

terça-feira, 14 de julho de 2020

CORONEL PEDRO ALVES DA LUZ

Quando este foi acusado de ser protetor de Lampião

Por Valdir José Nogueira de Moura

Em meados do mês de julho do ano de 1927, um indivíduo por nome Francisco Ramos, cuja alcunha “Mormaço”, depois de uma farra em um samba, no lugar Baixio dos Ramos, no município de Araripe (CE), feriu com um tiro um seu tio, sendo em seguida preso e conduzido à cadeia da cidade do Crato, onde prestou seu depoimento. O referido preso tratava-se de um dos mais célebres bandidos de Lampião, que havia há bem poucos dias abandonado o grupo do famoso cangaceiro, na sua triunfal excursão, quando este, deixando o Ceará, seguiu para Pernambuco.


 Francisco Ramos de Almeida 
vulgo "Mormaço"

O cangaceiro “Mormaço” fez a polícia do Crato, minuciosa descrição de sua vida, e de par com ela, trouxe abundantes elementos para a história do combate ao banditismo no Nordeste. O seu depoimento é impressionante. Porém, serão verdadeiras as informações do bandido? Ninguém mais pode assegurar. Em todo caso, o seu longo relato foi publicado em jornais da época. O “Jornal do Recife” publicou o curioso depoimento em duas edições seguidas.

A edição desse jornal de nº 211 de 13 de setembro 1927, publicou a primeira parte do depoimento, Clique aqui e confira sendo que em um dos trechos, o bandido desassombrado contou: “que o coronel Pedro da Luz, morador na fazenda Barrinha, município de Belém de Cabrobó, e próximo a Serra do Umã, cerca de uma légua, muito protege Lampião, fornecendo munição e ocultando o grupo na mesma serra, em lugar dele conhecido, desviando por todos os meios a pista do grupo; que o mesmo coronel recebe de Lampião dinheiro a título de gratificação pelos serviços prestados...”

 Coronel Pedro Alves da Luz


Diante dessa tremenda acusação, e em decorrência também de outros boatos maldosos contra o tenente-coronel Pedro Alves da Luz, prefeito do Município de Belém de Cabrobó, [1922 a 1926,] que diziam ser o mesmo mais um protetor e coiteiro de Lampião, em 1928, o Conselho Municipal daquela cidade votou uma honrosa moção de solidariedade ao dito coronel e que foi publicada no jornal “A Província (PE)”, Ed. 128, do sábado, 2 de junho de 1928:

“Aos dezenove dias do mês de maio do ano de mil novecentos e vinte e oito, às 10 horas da manhã, no Paço do Conselho Municipal desta cidade de Belém de Cabrobó em sessão extraordinária, sob a presidência do tenente-coronel Jerônimo Pires de Carvalho, compareceram os cidadãos Inácio de Sá Araújo, Odilon Alves de Carvalho, Licínio Lustosa de Carvalho Pires e Aristides Alves de Carvalho Barros, conselheiros municipais, e sendo primeiro exposto o motivo da presente sessão que é apresentar ao Sr. Prefeito deste município o tenente-coronel Pedro Alves da Luz uma moção da mais inteira solidariedade erguendo assim o mais cabal protesto contra as infâmias e baixas calúnias que em torno do seu honrado nome se tem levantado ao foro de Vila Bela onde segundo consta, se lhe tem dado como coiteiro e protetor de Lampião, e por isto este Conselho não podendo e nem devendo absolutamente calar-se diante de tão torpe e revoltante injustiça feita ao Digno Chefe do Poder Executivo Municipal, apressa-se em vir por todos os seus membros, abaixo assinados, e satisfeitas as formalidades do estilo, dar o necessário e conveniente desmentido a tão aviltantes e injustas calúnias, obra sem dúvida de algum ou alguns mesquinhos desafetos do digno prefeito.

Para quem conhece de perto o tenente-coronel Pedro Alves da Luz, não há necessidade de dizer quem ele o seja, pois as suas maneiras de fino trato e relevantes serviços prestados a sociedade em geral, o tem sempre desde muito, revelado como um dos cidadãos mais digno, respeitável e útil deste município que muito lhe deve; umas como em outras localidades onde não é ele ainda conhecido, pequenos e injustos desafetos se lhe tem feito caluniosas acusações, cumpre para melhor desmentido a tais acusações que se põem em relevo o seu proceder, relacionando em síntese ao menos uma pequena parte dos seus serviços que tão abnegadamente pelo bem geral tem prestado à causa pública, fazendo para isso referência dos mais recentes, afim de que as pessoas de bem possam julgar como merece, assim verificar que se trata de um cidadão prestimoso e não um coiteiro e protetor de bandidos, vem pois o Conselho Municipal pela voz de seus membros, apresentar a presente moção para assim repelir as baixas calúnias que lhe tem injustamente assacado, se sente também no dever sagrado de reunir a esta, embora em resumo alguns traços da vida de tão conspícuo cidadão.

O tenente-coronel Pedro Alves da Luz, desde sua mocidade prestou relevantes serviços não só de natureza material como moral, a sociedade, quer aqui quer em outros municípios onde anteriormente residiu, sendo porém suficiente relembrar dentre os méritos que tem prestado a este município como simples cidadão ou como homem público, em cujo caráter se acha atualmente investido, e nesta qualidade tem sido a sua administração uma das mais fecundas e prósperas conforme se ver dos diversos melhoramentos do município, o que não vem a caso enumerar. Quando há anos veio fixar sua residência neste município, vindo de Triunfo, onde exerceu com brilho o cargo de delegado de polícia, procurou a zona que mais se prestasse a agricultura e ai, conseguiu com um trabalho assíduo e inteligente converter as suas terras em fontes de riquezas para o Estado e o Município.

Dizer-se então que o tenente-coronel Pedro Alves da Luz protege a Lampião é uma calúnia, pois muito pelo contrário ele procurou auxiliar sempre a ação do governo contra o tão terrível grupo, como prova disto se deduz de muitos fatos, como por exemplo, do seguinte: Somente depois que Lampião aumentou o seu grupo foi que teve que entrar 3 vezes neste município, passando por duas vezes na Barrinha, residência do tenente-coronel Pedro Alves da Luz, isto porém ligeiramente, sendo que da primeira vez por ali passara no caráter de capitão de um “Batalhão Patriota do Ceará” e em tal caráter chegou a 3 léguas de distância desta cidade, de onde mandou passar telegrama.

E da segunda vez, tendo as suas ordens 89 bandidos, e então por isso o tenente-coronel Pedro Alves da Luz para não se expor às iras de tão temível facínora, uma vez que em coisa alguma se achava disposto a compactuar com ele, e por sua vez, não tendo elementos para reagir contra numeroso grupo, imediatamente retirou-se para esta cidade, de onde transportou-se para o povoado de Abaré do Estado da Bahia, só voltando a sua fazenda depois que passou o Estado de Pernambuco a ser governado pelo exmo. Sr. Dr. Estácio Coimbra, quando começou também mais ativa a perseguição ao banditismo.

E desde então o tenente-coronel Pedro Alves da Luz, decidiu-se com mais ânimo, a auxiliar neste sentido a ação do governo, e uma das provas disto, está nos meios que facilitou ao volante Domingos Nogueira, para com outras pessoas de Riacho Pequeno, dar combate a Lampião se este com seu grupo tentassem atacar aquele povoado como sucedeu, e de que então resultou a morte de dois bandidos devido a tática e coragem do mesmo Domingos Nogueira, que neste tempo ainda não estava incorporado como praça, e os recursos de que dispunha para a luta lhe era fornecido pelo mesmo tenente-coronel Pedro Alves da Luz.

Quando após a chacina de Favela em Floresta, Lampião fingindo-se subir para atravessar neste município, voltou na direção do norte passando em Conceição das Crioulas, e indo abater gados no Olho d’Água, no pé da Serra do Umã, município de Floresta.

Foi o tenente-coronel Pedro da Luz quem logo ao saber da sua estada naquele local, veio a auto avisar ao delegado de polícia, tendo além disso posto a disposição seu carro ao cabo Manoel Ribeiro para este ir ao encontro do cabo Manoel Neto, comunicar o paradeiro do mesmo Lampião, e como este, muitos outros fatos poderíamos citar.

Nada mais se precisa adiantar para a demonstração cabal da completa falta de fundamento de espíritos perversos ou irrefletidos, tem injustamente assacado contra a reconhecida reputação do prefeito deste município, tanto mais quanto a sua honra, está a cavalheiro, de qualquer infâmia de que se lhe atenta atirar.

E depois de ser lida e datada, conforme, foi por todos assinada. Para constar eu José Carvalho de Sá Roriz, secretário o escrevi.”

Da tradicional e numerosa família Carvalho, o tenente-coronel Pedro Alves da Luz foi nascido no município de São José do Belmonte, na fazenda Gameleira, sendo o primogênito do casal major Antônio Alves da Luz e dona Maria Francisca de Barros, esta irmã do Padre José Pires dos Santos Barros.

Grande fazendeiro, o tenente-coronel Pedro da Luz, além da fazenda Barrinha onde residia, localizada entre os municípios de Belém do São Francisco e Salgueiro, era proprietário de muitas terras na região, onde mantinha avultada quantidade de rebanhos de gado bovino e de corte.

Era um homem muito rico, de grande prestígio, bom caráter e muito respeitado, possuindo também uma infinidade de compadres e comadres, em virtude da quantidade de crianças de que foi padrinho em toda aquela região, tendo algumas, adotado o seu sobrenome “Luz” como homenagem. Ainda no tempo que residiu em Triunfo, chegou a exercer naquela cidade os cargos de delegado de polícia e literário.

Como político, exerceu os cargos de conselheiro municipal e prefeito de Belém de Cabrobó.
Foi casado com dona Afra Florisbela Pires Cantarelli. O casal não deixou filhos.

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Lampião, seu Tempo e Seu Reinado

Uma obra a procura de um editor



 "A resenha abaixo, publicada no Diário de Pernambuco em 1974, sobre o clássico Lampião, seu Tempo e Seu Reinado, do padre Frederico Bezerra Maciel, texto de José Rafael de Menezes que faz parte integrante da seleção de 550 textos jornalísticos, reunidos no e-book Lampião, Maria Bonita e o Cangaço sob o olhar dos literatos nos jornais e revistas, de autoria de Antonio Correia Sobrinho

 
 

Foi-me confiada a leitura e revisão de um trabalho de proporções gigantescas: Lampião, seu Tempo e Seu Reinado. Os dados do empreendimento são impressionantes: 1.000 laudas datilografadas; 62 capítulos; 526 notas; 120 fotos; 83 mapas... Será que Lampião é tema para tanto material? Será que Lampião ainda é assunto? E o mais questionável: o autor é um sacerdote. Padre mesmo de carreira paroquial, com sua reverência e sua ortodoxia, seu zelo apostólico e sua perseverança vocacional.
Nos muitos anos de seu ministério no Sertão, o padre Frederico Bezerra Maciel foi escutando notícias sobre as atividades dos marginais do cangaço; foi se impressionando com a superioridade de um deles – Lampião. Observou a variedade dos julgamentos. Viu-se aos poucos provocado para se definir.


Procurou esclarecimentos junto a vítimas e a protegidos. Por curiosidade visitou cartórios, leu relatórios oficiais, correspondências particulares, bilhetes passaportes, folhetos populares. Incursionou pela bibliografia pretensiosa. E se sentiu obrigado a resumir e a rever... Daí a ideia do livro, já na metade pelo que recolhera curiosamente. Decidiu-se então aprofundar a pesquisa e consultou 30 mil exemplares de jornais. Traçou um roteiro histórico-social, pluricultural, de uma obra muito além de biográfica, ecológica. De análise e interpretação de toda uma área sertaneja, pouco estudada – a dos afluentes do São Francisco, Pajeú e Moxotó; das cidades e dos costumes.

Dos líderes. Dos incidentes entre 1910 e 1940. Tudo se destinando a explicar o fenômeno Lampião, mas transbordando do personagem e valendo na seriedade do expositor, como estudo geoecológico, social, histórico.

Para ser mais útil e original, no seu imenso esforço, o padre Frederico traçou mapas, reconstitui áreas culturais, desenhando casas, figuras humanas, animais, objetos – com pendores excepcionais. De uma multiplicidade minuciosa. Sem dúvida com despesas, em material, com riscos para se aproximar. E muitas horas, e muitos anos. Trinta anos de pesquisa. Esses detalhes, esse esforço, essa paixão logo se me impuseram. A um professor, a um intelectual, a um escritor, tanto trabalho e tanta perícia, tanto empenho e tanta organização, modelavam-se: para registrar, para divulgar, para exortar...

Após a leitura dos primeiros volumes posso afirmar que a obra vale. Que toda essa peripécia se compensa. O escritor existe e provoca. Haverá de esperar, de um homem erudito, de um historiador, de um sacerdote à antiga, a verbosidade, o rigor clássico, a abundância retórica. Pelo já lido há surpreendentemente uma linguagem audaciosa. Uma abertura quase insólita, pelo conviver e pelo misturar – como pelo inovar – termos e períodos, frases e conceitos, estrutura do ensaio gigantesco.

Nada pacífico. Nada bem comportado. Um desafio ao leitor. Como sucedeu ao Os Sertões, de Euclides da Cunha, e à Pedra do Reino, de Ariano Suassuna. Sem ter tido o propósito de seguir esses mestres, vindo acidentalmente erguendo sua obra, o padre Frederico é pródigo como expositor. É um escritor, com muitas complicações, mas um escritor... E sua documentação resiste, conduz a segurança da responsabilidade do autor e se comprova, pelas fontes exaustivamente referidas. Estamos então diante de um livro. De um possível grande livro, só dependendo de um editor.

Na missão que me foi confiada, de rever e sugerir uma reestruturação da obra, sinto-me vencido. É impossível alterar um trabalho que foi se erguendo em etapas, circunstâncias e que conduz a marca do seu autor, nada acadêmico. Limito-me a ler com proveito e deleito, de sertanejo. Possuo motivos de discordâncias em alguns pontos, mas na maioria das teses ou das versões, tenho me modificado. Acredito que o livro poderia ser bem menor, desde que há excessivo zelo por anotações, discrições, comprovações. Mas como já afirmei, é difícil alterar o conjunto. É quase impossível podar. Um editor sem ambição de lucros. Um editor público – de finalidade cultural, como a Universidade, como o Instituto Nacional do Livro, como o Instituto Joaquim Nabuco, o Instituto Histórico.



 Capa do 6º volume complementar da coleção

O trabalho do padre Frederico: Lampião, Seu Tempo e Seu Reinado é grandioso e desafiante. Polêmico, exaustivo. Mas de uma grandeza que abala o leitor dos originais e exige um grande editor.
Diário de Pernambuco (PE) – 04.02.1974

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Fotos

A família da Fazenda Jerimum

Por Manoel Belarmino

Recebi da professora Palmira Britto, a fotografia que posto aqui. É uma foto da família da histórica e lendária Fazenda Jerimum. Na foto, estão alguns filhos e filhas de Francisco Correa de Britto. São eles: João Dumas de Britto, Maria José Britto, Irmã Maria Áurea do Bom Pastor ( Nair Gomes de Britto), Delfina Brito, Noelia Britto, Palmira Britto e nos braços do Sinhô do Jerimum (Francisco Correia de Britto) está o menino Jesuíno Correia Lima Neto. Todos netos e netas do "Pai-Nosso" do Jerimum, o Coronel Antônio José Correa Britto, e da Senhora Prima Gomes de Britto, a "Mãe-Nossa" do Jerimum.

O Sinhô do Jerimum (Francisco Correa de Britto) teve duas esposas. A primeira foi a senhora Emiliana Gomes de Britto e a segunda, a senhora Maria Soares dos Santos (Maria Nicácio ou Maria do Jerimum), dos Soares do Maranduba, prima da cangaceiras Áurea, Rosinha e Adelaide.


O homem que está no lado esquerdo da foto, João, e as duas moças, Maria José e Irmã Maria Áurea (Nair Britto), são filhos da primeira esposa do Sinhô do Jerimum, e as crianças Delfina, Noelia e Palmira Britto, e o menino Jesuíno, que está nos braços do pai, Sinhô do Jerimum, são filhos da segunda esposa do senhor Francisco Correa de Britto.


 Professora Palmira Britto

Pouca gente de Poço Redondo sabe que a professora Palmira Britto, que mora aqui em Poço Redondo, da família Soares e da família Britto ("Britto com dois T", como diz Inácio Loiola), era irmã de Cyra Britto Bezerra, cunhada do Cel. João Bezerra, o comandante da volante que participou do "Fogo de Angico" do 28 de julho de 1938.



Dona Cyra Bezerra

A Fazenda Jerimum está encravada nas caatingas da Ribeira do Rio São Francisco, no Município de Canindé de São Francisco. Aquela lendária fazenda que foi propriedade do Senhor "Antônio Menino" (Antônio José Gomes de Britto) ainda hoje pertence à tradicional família Britto. Está ali a Fazenda Jerimum, resistindo, com a mesma fisionomia arquitetônica dos tempos áureos dos Britto no sertão do São Francisco, sob os cuidados de Noelia Brito. Este sertão, de Propriá a Canindé do São Francisco era "o mundão" dos Britto.

A Fazenda Jerimum, entre Canindé e Poço Redondo, do lado de cá, e a casa grande dos Britto em Piranhas, do lado de lá, são testemunhas da saga do povo sertanejo do Sertão do São Francisco

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Jornal do Brasil, 11 de maio de 1977

 A contagem regressiva para a morte de Lampião

Uma Interessante Entrevista Com Joca Bernardo, o Homem Que em Agosto de 1938 Informou a Polícia Quem Conhecia a Localização do Esconderijo de Lampião e Foi o Responsável Pelo Massacre de Toda Uma Família, Perpetrado Pelo Cangaceiro Corisco, Que Buscou Vingar a Morte do Rei do Cangaço.

Autor do texto – Jornalista Roberto Vilanova – Maceió, Alagoas.

Fonte – O blog TOK DE HISTÓRIA informa que recebeu o material original dessa reportagem com o nome do autor, o número da página (12), mas sem a indicação de data de publicação e do nome do jornal, ou revista. Sabemos que o Jornalista Roberto Vilanova publicou reportagem semelhante no Caderno B do Jornal do Brasil, edição de 11 de maio de 1977, página 5, sugerindo uma época da publicação original desse texto, que agora apresentamos. Com Exceção das Fotos Originais da Reportagem, Todas as Outras Fotografias Aqui Publicadas, São de Responsabilidade do blog TOK DE HISTÓRIA.

A história não reservou para Joca Bernardo, quase 80 anos de idade, uma linha sequer. Mas é bem melhor assim, porque ele entrou para a história intima do sertão como traidor de Virgulino Ferreira  – o Lampião, e, talvez por arrependimento, recusou receber o prêmio maior pela delação: a patente de sargento da Polícia Militar de Alagoas. Por causa disso sua esposa, desde essa época, lhe abandonou depois de argumentar e tentar convencê-lo de que não deveria jogar fora a sorte. Como jogou, ela preferiu ir embora para São Paulo no primeiro pau-de-arara que cortou as estradas secas do sertão, não lhe dando mais notícias.

Mas não é fácil encontrar Joca, apesar dele viver discretamente no distrito do Piau, pertencente a Piranhas, a mais de 350 quilômetros de Maceió, porque o sertanejo é, também, antes e tudo, muito desconfiado. Aliás, a sua própria existência só é sabida por quem conhece a fundo a história de Lampião, como o presidente da Arena de Piranhas, Antônio Rodrigues, que lhe descobriu para essa reportagem.

A bela cidade de Piranhas, Alagoas, a margem do Rio São Francisco  
– Foto – Rostand Medeiros.
Medo da morrer
A troca de identidade, complementada pelos cumprimentos à mão estendida, durou pouco, mas Joca Bernardo mantinha-se olhando por baixo dos olhos, como se estivesse diante de um Tribunal. À pergunta se escondia com medo de morrer, respondeu que não. E explicou que era para evitar comentários que, na certa, iriam lhe trazer recordações. E ele não deseja recordar as inconveniências naturais de um traidor. Nesse pé a conversa se expandiu e tomou gosto, porque se Joca se manteve, durante todo esse tempo, calado, chega mesmo um momento, principalmente na sua idade, em que o peso da consciência rompe a barreira do silêncio que se impõe por conveniências. 

O silêncio é quebrado também pelo conflito interno que Joca passou a viver logo depois da morte de Lampião, não porque traiu o bandido, mas porque, para escapar da morte que Corisco espalhou como vingança, acabou delatando um inocente. Ou seja, disse a Corisco, com quem se encontrou mais tarde, que o vaqueiro Domingos Silvino, empregado do sogro do tenente Bezerra, é quem havia delatado Lampião à polícia. Corisco foi à casa de Domingos e matou ele, a mulher, uma visita e três só deixou vivo apenas o de menor idade, Antônio Silvino, que mora hoje em Piranhas e não quer ver Joca na sua frente.

Joca Bernardo.
Foi o próprio Antônio Silvino quem relatou o massacre a sua família e, conforme Corisco disse a seu pai, Joca é o único responsável. Silvino falou que um dos cangaceiros chegou a puxar o punhal para matá-lo, mas Corisco o conteve. Nessa época, ele, Antônio, tinha 6 anos de idade e recebeu a missão de conduzir, de burro, as cabeças de toda a sua família que deveria ser entregue ao tenente Bezerra, em Piranhas, com um bilhete atrevido.

Silvino Ventura tinha seis anos de idade quando viu sua família ser covardemente trucidada pelo famigerado Corisco na Fazenda Patos e foi obrigado a transportar em um animal as cabeças cortadas de seus familiares para a casa do tenente José Bezerra, em Piranhas. Faleceu de um acidente em Piranhas, no dia 30 de julho de 1985, aos 54 anos de idade.
“Quando eu passei pelas ruas de Piranhas era dia de feira. O Corisco juntou as cabeças dentro de um caçuá e mandou eu tanger o burro. Nas ruas o povo pensava que o sangue que escorria era carne de bol. E quando eu parei na porta do tenente Bezerra foi que juntou gente”, conta Silvino.

A casa extremada era a residência do tenente José Bezerra, 
para onde a criança Silvino Ventura trouxe as cabeças 
ensanguentadas de seus familiares dentro de um caçuá, 
transportado por um animal – Foto -Rostand Medeiros.
Nega tudo
Joca Bernardo nega a delação ao vaqueiro Domingos Silvino, mas confirma que se encontrou com Corisco. Até o seu relato do encontro – surpresa e, até mesmo, as circunstâncias dele, Joca parece não mentir. Mas na reprodução do diálogo ele acaba revelando uma certa frieza:
“Eu tava juntando o gado quando o Corisco pulou de cima de um lajedo. O Corisco e mais uns cinco cabras, inclusive a Dadá, que foi a minha salvação. Aí o Corisco falou se era verdade que tinham matado Lampião Eu respondi que ouvi dizer. Até ele disse: vou matar muita gente para vingar a morte. E vou começar logo por você. Aí a Dadá ”ó xente, home. Que história é essa? A gente mata quem tem culpa, inocente não,” relatou.

Ruínas da propriedade Patos, onde a família Ventura foi trucidada 
– Foto – Rostand Medeiros.
A História, segundo se sabe através do Sr. Antônio Rodrigues, de tradicional família de Piranhas e político influente na região, é bem diferente. Corisco soube que Joca havia traído Lampião e foi procurá-lo. No encontro, disse que ia matá-lo e Joca, com medo, falou que se morresse, seria inocente. E lamentou que tivesse servido de coiteiro para Lampião e, agora, “qual o pagamento que recebia?”. Corisco titubeou, principalmente diante da interferência de Dadá, e resolveu tirar a história a limpo. Foi então que Joca Bernardo lembrou, maliciosamente, “onde Lampião teria passado antes de ir para Angicos”, seu até então inexpugnável esconderijo.

Lampeão, antes de atravessar o rio São Francisco, passou na fazenda do sogro do tenente Bezerra (o fazendeiro Antônio Brito). Com isso, Joca quis insinuar que o vaqueiro Domingos Silvino Ventura, sempre à disposição para cumprir ordens fazer recado do bando, teria denunciado os planos de Lampeão de se alojar em Angico por alguns dias. A verdade é que Corisco aceitou a justificativa, se não teria evitado o massacre da família Silvino Ventura, de quem sobrou, a propósito, apenas Antônio Silvino, o filho mais novo, na época, do vaqueiro.

Corisco.
Traição a Lampião
Na verdade, Joca Bernardo não tinha nada contra Lampeão – a quem ajudava, na medida do possível, para poder ir levando a vida sem ser molestado pelo seu bando, se bem que tivesse de enfrentar as inconveniências da polícia que sempre se confundia, pelas arbitrariedades cometidas, com os cangaceiros, às vezes, praticando horrores em nome da Lei que a bem da verdade era material, porque estava simbolizava na mira de um fuzil “bem azeitado e municiado”.

Assim, dentro do possível ou de acordo com os conformes, Joca e tantos outros coiteiros se prestavam ao serviço de acoitar Lampião e seu bando porque não tinha mesmo escolha. E entre ser morto pelos cangaceiros ou pela polícia, o que dá, no fundo, no mesmo, era preferível morrer tentando ser fiel a Deus e ao diabo, mesmo sem se saber quem era quem. Ou seja, quem era Deus e quem era Diabo.

Pedro de Cândido.
Mas como a miséria só quer começo, um dos maiores coiteiros de Lampião, Pedro de Cândido – ninguém duvidava da sua ligação com Lampião, mas Pedro vivia imune em Piranhas, no dia em que os cangaceiros se arrancharam em Angico, foi comprar queijo que Joca fabricava. E apesar de sempre levar dinheiro suficiente, dado por Lampião acabava usurpando o chefe e não pagava as mercadorias, o que criava, naturalmente, um clima de animosidade não só para ele, como para o bando.

Tiro fatal

Naquele dia, porém, Pedro de Cândido, inadvertidamente, engatilhou a arma que desfechou em Lampião o tiro fatal. Utilizando-se da fama de valente, talvez imposta pela condição de coiteiro chefe de Lampião, Pedro bateu à casa de Joca Bernardo para comprar “todos os que queijos que tivesse na hora ou a fazer durante os próximos 15 dias”, que era o tempo de descanso dos cangaceiros.

– Foto – Rostand Medeiros.
Joca respondeu que tinha uma encomenda de queijo do Juiz de Pão de Açúcar e não podia ceder o volume já encontrado pronto. O argumento não foi levado em consideração, porque Pedro de Cândido retrucou abusado: – “Cabra safado, eu tou pedindo o queijo e não quero saber de história. Vou levar tudo agorinha mesmo”, recorda Joca.

Apesar de se saber que Pedro era coiteiro de Lampião Joca ainda duvidou para quem seria tamanho carregamento de queijo até que descobriu:

– “Eu pensei assim” – conta ele – “o Pedro não negocia e se quer tanto queijo só pode ser pra muita gente. se é para Muita gente, Lampião tá por aqui.”

Ruínas da propriedade Patos – Foto – Rostand Medeiros.
Joca não reagiu e Pedro de Cândido levou todo o carregamento de queijo que havia sido encomendado pelo Juiz de Pão de Açúcar. Mas naquele mesmo dia o sargento Aniceto, que tinha ficado em Piranhas, enquanto o coronel Lucena, o tenente bezerra e o aspirante Chico Ferreira saíram em diligência por Delmiro Gouveia, atrás de Lampião foi informado da situação. O relate ainda é de Joca.

“Eu fui procurar o tenente Bezerra, mas ele não estava. Encontrei o sargento Aniceto e lhe contei: sargento, saber eu não sei não senhor, mas o senhor quiser saber onde Lampião tá escondido, aperte o Pedro de Cândido que ele diz. Agora só digo uma coisa ao senhor: Lampião está aqui por perto e não veio com pouca gente não. Têm uns 100 homens com ele. E contei também o caso dos queijos que o Pedro me tomou.”

Muro formado por pedras na propriedade Patos. – 
Foto – Rostand Medeiros.
A partir daquele momento começou a contagem regressiva da vida de Lampião e seu bando. Mas como o próprio Joca admite a delação não tinha a intenção de trair Lampião porque, do jeito que até hoje alguém afirme que o cangaceiro não morreu, naquele tempo acreditava-se na sua imortalidade, pelo menos à bala ou à faca. Joca desejava que Pedro levasse uma surra, através do “aperto” da polícia, e não admitia que a polícia desse fim a Lampião, porque o bandido sempre escapava aos cercos ileso, Mas não foi assim: o cangaceiro morreu mesmo.

Recusa

O sargento Aniceto se encarregou de assegurar junto ao tenente Bezerra e ao coronel Lucena o trabalho decisivo de Joca Bernardo, ajudando à Polícia. Aí os dois oficiais chamaram Joca a Piranhas e anunciaram o prêmio: 5 contos de réis e a patente de sargento da Polícia Militar de Alagoas, que lhe seria dada pelo Governo do Estado. Joca recusou as divisas e aceitou apenas o dinheiro, que acabou não recebendo em toda sua totalidade.

– “Eu acho que o Governador mandou o dinheiro todo, mas o portador ficou com um pedaço. Eu só recebi 1 conto e réis,” relembra.

Bela região do Rio São Francisco – 
Foto – Ricardo Trigueiro Morais.
Ele recusou as divisas de sargento, porque teria de vir morar na Capital e um sargento, naquela época, não ganhava suficiente para sustentar uma família. Então, Joca preferiu continuar tangendo gado e fazendo queijo, sem pagar aluguel de casa e sem ter outros gastos que naturalmente teria de assumir se mudasse de cidade e de vida. Mas sua mulher não aceitou a argumentação e como não pôde fazê-lo receber a patente, preferiu abandonar a casa. Foi morar em São Paulo.

Por ironia, quem recebeu as divisas foi o Pedro de Cândido. Joca, que pensava em se vingar da sua violência, não só lhe proporcionou a reaproximação com as autoridades de Piranhas e de Alagoas, como lhe deu a própria chance de ser autoridade, porque logo em seguida ser incorporado à polícia como sargento, Pedro foi nomeado delegado no sertão. E morreu assassinado por culpa, ao que se sabe, de seus dotes de “dom Juan”, sem que lhe respeitassem, ao menos, a posição de delegado.

Joca amarga a fama de traidor – na verdade o traidor é ele mesmo e se não fosse a aposentadoria do Funrural, engordada pelo frete que consegue tangendo urro carregado d’água, estaria na miséria. Sequer conseguiu o intento de fazer Pedro de Cândido levar uma surra porque Pedro, ao ser preso, não reagiu e nem foi difícil contar o esconderijo de Lampião.

Pescado no Tok de História