quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

A maior das batalhas

Combate da Serra Grande - 95 anos depois
 

Por Valdir Nogueira

“O tenente Arlindo Rocha, anteontem chamado ao Recife, pelo senhor chefe de polícia, é atualmente o comandante das forças pernambucanas no sertão. Vimo-lo ontem a noite na Chefatura, conferenciando demoradamente com o Dr. Eurico de Souza Leão. 

As indicações que prestava, no mapa todo assinalado da Repartição Central da Polícia, e o justo renome que usufrui aquele oficial em todo sertão nordestino, levaram-nos a procurá-lo no intuito de conseguirmos um testemunho seguro da situação do cangaceirismo, afora o prazer natural de ouvir um homem que, anos a fio, dia e noite, tem batido cerrados  e caatingas numa luta de vida ou morte contra os mais ferozes bandoleiros. 

O tenente Arlindo Rocha  é um homem moreno, alto e magro, muito tímido e que não fala nunca; tem que ser provocado para responder então. Na face esquerda ostenta um gilvaz profundo: uma bala de rifle em pleno rosto, às duas e meia da tarde, no dia 26 de novembro de 1926, no combate de Serra Grande.


- Onde foi esse combate? Perguntamos logo com nossa curiosidade despertada!
- Serra Grande fica perto de Custódia. Comandava as forças o bravo tenente Hygino José Bellarmino. 

Foi o início da campanha do atual governo estando no poder o saudoso Dr. Júlio de Mello contra Lampião. Este tinha, ao tempo, sob seu comando 125 homens. Estavam todos entrincheirados no alto da serra. A brigada começou às 8 e meia da manhã e terminou as 6 horas da tarde. Nós tínhamos duas metralhadoras, que Antônio Ferreira, irmão de Lampião, procurou cercar três vezes pela retaguarda. E gritava: - Hoje tomo uma costureira dessas.
 

- E tomou?
- Não. Parece que tomou foi uma bala, pois parece que morreu três dias depois do tiroteio. Os bandidos fugiram e desde então começou a debandada. O grupo fragmentou-se em quadrilhas que operavam em zonas diferentes. Ferido nessa luta, acrescentou o tenente Arlindo só escapei devido a meu irmão que me amparou. Os cangaceiros me alvejaram a poucos passos de distância, no momento em que eu chamava por Manoel Netto, ocupado em botar uma retaguarda.”

Volante de Arlindo Rocha, 1º a esquerda em 1935


Esse é uma parte do depoimento que prestou o tenente Arlindo Rocha ao “Jornal Pequeno” (PE) e que foi publicado na edição de n.241 de 20/10/1928, p.1. De acordo com o inquérito procedido foram mortos os seguintes policiais da Força Pública durante o Combate da Serra Grande em 26 de novembro de 1926:
 

Luiz Torres Barros
Severino Pereira da Silva
Pedro Aureliano da Silva
Targino Ferreira Primo
Octávio de Sá Araújo
João Terto
José dias dos Santos
Ângelo Inácio da Silva
José Arcôncio dos Santos e
Antônio Braz de Lima.
 

Da mesma Força Pública, policiais que saíram feridos:
 

Arlindo da Rocha
Sargento José Olinda de Siqueira Ramos
Manoel de Souza Netto (cabo)
Vicente Ferreira da Silva
Eduardo Pinheiro de Souza
Cícero Aristides Pereira
José Francisco Bezerra
José Caetano de Souza
Antônio Basílio de Souza
João Antônio de Souza
Luiz José de Souza
Antônio Alves de Lima.
 

CANGACEIROS QUE PARTICIPARAM DO COMBATE:
 

Virgulino Ferreira da Silva (Lampião chefe do grupo)
Antônio Ferreira da Silva (irmão de Lampião)
Vicente Feliciano
Antônio José da Silva (Beija-Flor)
Antônio Frazão (Pai Velho)
Luiz Pedro
Hermínio Xavier da Silva (Chumbinho)
José de Souza (Tenente)
João Soares (Juriti)
João Mariano (Andorinha)
Joaquim Mariano
Manoel Mariano
Severino da Silva (Nevoeiro)
Sabino Gomes
Isaias Vieira
Manoel Nogueira
Manoel Marcelino (Bom de Vera)
Ignácio de Medeiros (Jurema)
Felix Preto
Caetano da Silva (Moreno)
João Donato (Gavião)
Pedro Gomes
João Henrique
Antônio Rosa
José Lopes da Silva (Mormaço)
João Cesário (Coqueiro)
Manoel Antônio
Francisco Antônio
José Marinheiro
André "Marinheiro"
Antônio Marinheiro
Antônio Caboclo (Sabiá)
José Benedicto
José Angélica
José Generosa
Josias Vieira (Gato)
José Luiz (José Procópio)
José Preto
Cipriano da Pedra
Antônio Coelho
José Pedro da Silva (Barba Dura)
José dos Santos (Seu Chico)
Jorge Salu (Maçarico)
Raimundo da Silva (Aragão)
Antônio Francisco
João José da Silva Nunes
Marcelino Antônio dos Santos (Cobra Verde)
Antônio da Silva (Noite Braba)
Antônio Mancinho (Curise)
Marcelino Nunes da Cruz
Luiz Pedro do Retiro
José dos Santos (Três Pancadas)
Nunes Magalhães (Pensamento)
João de Brito
Euclides Bezerra (Criança)
Manoel Vieira da Silva (Coça Bomba)
Antônio Maneca
João Felix (Gasolina)
Urbano Pinto
Antônio de Tal (Antônio Romeiro)
Justo de Tal (Lua Branca)
Genésio de Tal (Genésio Vaqueiro)
 Vicente de Tal (Vicente Preto)
Antônio de Tal (Antônio Caboclo)
Pedro de Tal (Pedro de Quelé)
José de Tal (José Vaqueiro).
 

Coqueiro, Mergulhão, Valatão e Virgínio em Limoeiro do Norte, CE 1927

 

O Combate da Serra Grande travado no dia 26 de novembro de 1926, no município de Calumbi, bem próximo a Vila Bela deixou sua marca dolorosa gravada nos anais da guerra cangaceira, oportunidade em que as forças comandadas por nada menos que seis experientes comandantes, os temidos Gino, Mané Neto, Arlindo Rocha, Zé Olinda, Domingos e Euclides Flor foram espetacularmente derrotados pelo terrível cangaceiro Lampião. 

Para assinalar os 95 anos do ocorrido na última sexta-feira (26), um grupo de amigos liderados pelos historiadores Luiz Ferraz Filho (Serra Talhada) e Lourinaldo Teles (Louro Teles) de Calumbi, visitou o local do respectivo combate

 












Além destes dois historiadores o evento contou também com a participação dos pesquisadores Clênio Novaes (São José do Belmonte), Marrael Siqueira (Nazaré do Pico, em Floresta), Criscélio e Cristiano Carvalho (Tupanaci, em Mirandiba), Valdir Nogueira (São José do Belmonte), Wilton Santana (Jati-CE), Luiz Emanuel Nogueira (Nazaré do Pico, em Floresta), Amélia Araújo (Floresta), entre outros que colaboraram na visita. 

Uma cruz foi afixada para demarcar o local de sepultamento dos soldados mortos no triste combate, em seguida foi rezada uma oração em sufrágio de suas almas.
 

Valdir José Nogueira de Moura

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

O aguardado trabalho de Ricardo Beliel

Memórias Sangradas, vida e morte nos tempos do cangaço

 Resenha de Rudah Ribeiro

 


Ricardo Beliel lançou o livro Memórias Sangradas, vida e morte nos tempos do cangaço. Um lindo trabalho de mais de 14 anos, com 125 fotografias e no texto depoimentos diversos e a experiência pessoal do autor em busca de seus personagens em seus próprios ambientes originais são apresentados através de uma narrativa como um diário de viagem.

Foram realizadas nove viagens no período de 2007 a 2019 nas regiões dos sertões de Alagoas, Pernambuco, Bahia, Sergipe, Rio Grande do Norte, Ceará, São Paulo e Minas Gerais para a coleta de materiais narrativos e imagéticos de míticos cangaceiros, coiteiros e volantes e alguns de seus descendentes.

Onze mil quilômetros foram percorridos, em grande parte em precárias estradas do interior sertanejo, resultando no encontro com quarenta e três personagens. São eles que guardam relatos importantes relacionados à história do cangaço - ocorridos na primeira metade do século XX - em quarenta e nove localidades – palco de lutas, amizades, emboscadas, amores e massacres entre cangaceiros, volantes, jagunços, coronéis e camponeses; um mundo sertanejo que está se extinguindo nas suas tradições orais.
 


Em cada personagem testemunha-se esse fluxo da memória e do esquecimento, onde os encontros nas pesquisas de campo revelaram uma potente e épica narrativa das memórias pessoais que envolvem tradições e lugares.

 

Os personagens entrevistados, em sua grande maioria pessoas quase centenárias, possuem uma riqueza assemelhada ao mistério da terra. Personagens de um ciclo da história do Brasil que aqui resgatamos para que não fiquem no esquecimento, como pedras silenciosas no meio do caminho.

 Onde comprar?

O livro já está à venda no site da editora. 

clique aqui

Ao finalizar a compra é possível colocar o cupom memoriassangradas10 que tem direito a 10% de desconto.

 

Memórias Sangradas tem o apoio do Rumos/Itaú Cultural.


quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Relançamento de uma raridade

Primeiro livro sobre a hecatombe de Garanhuns será reeditado 100 anos depois

 Por Junior Almeida

Prestes a completar 105 anos, em janeiro próximo, a trágica chacina que colocou a Suíça Pernambucana nas páginas dos jornais de todo país, e que ficou conhecida como a Hecatombe de Garanhuns, ganha agora mais um reforço em sua funesta, porém, importantíssima e  intrigante história.

Acontece que depois dos livros de Mário Márcio e de Alfredo Cavalcante, de 1962, em que o episódio é discorrido e, até então se achava que fossem os pioneiros do tema, eis que “surgiu” agora um livreiro cearense com a primeira obra sobre a Hecatombe de Garanhuns. Trata-se de O Sertão, a Política e os Cangaceiros, de um autor que se identifica como G. Pinto, livro esse, editado no Rio de Janeiro, em 1921, portanto, exatos 100 anos atrás.

A obra rara foi comprada em um site de leilões, por uma quantia não revelada, mas, segundo o referido livreiro, a obra lhe custou um valor considerável. Ele nos revelou também que “o livro vai ser reeditado, que já está sendo digitado, mantendo a linguagem da época e, que em seguida vai ser diagramado e impresso”.  

A obra, a qual tivemos acesso, é romanceada e, nomes foram trocados, como por exemplo, o de Júlio Brasileiro, que no livro é “Julião”, o que é totalmente compreensível,  tendo em vista que o livro foi publicado apenas quatro anos depois do sangrento episódio e, escrito, muito  provavelmente, antes de 1921, quase em tempo real aos fatos da cadeia pública de Garanhuns, então, nada mais natural que a prudência.

Professor Cláudio Gonçalves, autor de dois livros sobre o episódio, dentre eles A Cobertura Jornalística da Hecatombe de Garanhuns de 1917, de 2017, obra mais completa sobre o tema, foi procurado pelo dono da preciosidade literária e histórica e, foi convidado por ele para prefaciar a reedição do livro. Cláudio, que já leu a raridade, disse que “mesmo o livro tendo os nomes dos seus personagens mudados, quem conhece a história, sabe perfeitamente quem é quem no triste enredo”.

 

A obra nos traz visões diferentes de determinados personagens e fatos que só quem acompanhou de perto a tragédia poderia saber. Achamos que “G. Pinto” é um pseudônimo usado por alguém que quis se proteger, mas ainda precisamos ter certeza disso. Complementou Professor Cláudio. 

 

O livro, que depois de reeditado vai ser lançado em Garanhuns, em data e local ainda não definidos, pode contribuir, e muito, com os historiadores que buscam compreender melhor todo contexto que desencadearam os tristes fatos de janeiro de 1917. Vamos aguardar.

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

A caminho de Mossoró

O ataque de Lampião e seu bando de cangaceiros a Fazenda Morada Nova, Pau dos Ferros, RN

Por Rostand Medeiros

No ano de 2010 soube do desenvolvimento do “Projeto Território Sertão do Apodi – Nas Pegadas de Lampião”, pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e Micro e Pequenas Empresas do Rio Grande do Norte – SEBRAE/RN, do qual a gestora era a competente consultora Kátia Lopes. Fui ao seu encontro soube que Kátia planejava criar um grupo para percorrer o mesmo caminho palmilhado por Lampião e seus cangaceiros, como parte de um amplo reconhecimento histórico. Ali estava uma oportunidade imperdível de conhecer esse caminho e o que restava de sua memória.

Foi realmente um momento muito especial e um trabalho maravilhoso. Depois de 2010 eu tive a oportunidade de percorrer esse caminho em mais outras quatro ocasiões. As duas primeiras oportunidades, em 2012 e 2014, foram com pessoas que me contrataram para conhecer trechos no Rio Grande do Norte, com foco nas áreas da Serra de Martins e de Mossoró. Já em 2015 estive percorrendo esse antigo caminho dos cangaceiros durante dezessete dias.

Desta vez partindo da cidade cearense de Aurora, adentrando depois em território paraibano, percorrendo na sequência todo trecho potiguar e encerrando na cidade cearense de Limoeiro do Norte. O objetivo da jornada de 2015 foi à realização da película Chapéu Estrelado, um documentário de longa metragem da Locomotiva Produções Cinematográficas, do Rio de Janeiro, sendo dirigido pelo mineiro Silvio Coutinho, com roteiro de Iaperi Araújo e produção de Valério Andrade e o autor desse texto, esses últimos potiguares. Apesar de filmado com esmero em sistema 4K, com interessantes depoimentos, esse documentário nunca esteve no circuito de festivais e, afora algumas exibições em rede nacional através da TV Brasil, ele foi pouco visto pelo grande público. A razão principal foi o falecimento precoce do diretor Sílvio Coutinho, ocorrido no ano de 2018, em decorrência de um ataque cardíaco fulminante, ocorrido no Rio de Janeiro.

Trajeto dos cangaceiros em 1927, em um mapa do Exército Brasileiro, em escada de 1:100.00, com as propriedades invadidas marcadas. Existe um erro no mapa, pois um dos locais atacados foi denominado como “Carícia”, quando o certo é “Caricé”.

A última oportunidade se deu em 2017, quando uma grande parte do trajeto com o artista plástico e fotógrafo Sérgio Azol. Potiguar de nascimento, mas radicado há muitos anos na capital paulista, Azol me chamou para percorremos esse caminho visando o desenvolvimento de uma exposição fotográfica a ser realizada em São Paulo. Ele clicou as paisagens, as vivendas e as pessoas de forma magistral. Aquela era a segunda oportunidade que percorria o sertão nordestino com Sérgio Azol, tendo tido oportunidade em 2016 de visitar importantes locais ligados a história do Cangaço na Paraíba, Pernambuco e Alagoas.

Em 2020 essa jornada foi transformada em livro – 1927 – O Caminho de Lampião no Rio Grande do Norte. – Ver –  https://tokdehistoria.com.br/2020/08/26/autor-natalense-refaz-caminho-de-lampiao-pelo-rio-grande-do-norte/

Agora apresento um pouco do que vi!

Os Caminhos a Seguir

Essa memória se inicia em um sábado, dia 11 de junho de 1927, o segundo dia de Lampião e seus cangaceiros em solo potiguar.

Antiga casa do Sítio Cascavel, zona rural de Pilões – Foto – Rostand Medeiros

Em meio a um grande lajedo ao norte da atual cidade potiguar de Marcelino Vieira, os cangaceiros vão acordando e se preparando para seguir a sua jornada em direção a Mossoró. Após acordarem parte em direção aos Sítios Cascavel e São Bento, cujas terras em dias atuais são parte do município potiguar de Pilões. Depois atacam os Sítios Poço Verde, Poço de Pedra e a Fazenda Caricé, do prestigiado pecuarista Marcelino Vieira da Costa. Sobre o assalto ao Caricé vejam esse texto que escrevi, onde trago alguns detalhes do episódio – https://tokdehistoria.com.br/2019/02/10/marcos-de-religiosidade-no-caminho-de-lampiao-no-rio-grande-do-norte/  

Punhal de um cangaceiro deixado no Sítio Poço de Pedra, zona rural de Pilões-RN – Foto – Rostand Medeiros

A partir da velha Fazenda Caricé, mesmo a distância, já é possível visualizar o grande maciço rochoso que formam as Serras de Martins e de Portalegre, onde se encontram alguns dos pontos de maior altitude do Rio Grande do Norte, com locais que ultrapassam os 800 metros. Essas duas grandes elevações se interpunham diante daqueles viajantes que seguiam em direção a Mossoró vindos do extremo oeste da Paraíba. Para os cangaceiros continuarem em busca do seu alvo principal, vários caminhos se colocavam a disposição. O matreiro Lampião, certamente secundado por Massilon, o mais experiente de todos aqueles bandoleiros em relação aos caminhos potiguares, perceberam que teriam de optar por um desses caminhos.

O primeiro trajeto poderia ser: subir a Serra de Martins, passar pela cidade homônima e descer do outro lado da elevação. Bastava seguir pelo antigo caminho que ligava essa cidade até a Vila de Alexandria. Segundo as pessoas da região, partes do antigo trecho dessa estrada ainda existem, fazendo parte da atual rodovia estadual RN-075.

Aspecto dos caminhos dessa região 
– Foto – Rostand Medeiros.

O segundo caminho, caso o grupo desejasse seguir em direção a Mossoró sem passar pela cidade de Martins, poderia ser feito do seguinte modo: cavalgar até a extremidade oeste do grande maciço rochoso. Nesse caso, os cangaceiros fatalmente chegariam próximo de Pau dos Ferros. Então, depois de passar ao lado da serra, eles percorreriam a antiga estrada que seguia pela cidade de Apodi e, depois de vários quilômetros, chegariam a Mossoró.

Teoricamente, esses dois caminhos não trariam maiores problemas para um viajante comum. Entretanto, aquele estranho grupo de homens armados poderia ser classificado de tudo, menos de “viajantes comuns”.

Desde a saída do bando no Ceará, os celerados deixaram de lado a discrição, passando para a prática aberta de toda sorte de delitos, chamando a atenção das autoridades potiguares. Inclusive, essas autoridades já tinham entrado em contato e combatido o grupo na Caiçara. Mesmo com a derrota da polícia estadual naquele entrevero, Lampião sabia que a qualquer momento as forças do governo potiguar poderiam dar o devido revide. Se decidissem subir a serra, poderiam facilmente esbarrar em um piquete de homens armados, já previamente alertados. Como o bando tinha poucos recursos humanos e bélicos para realizar combates contínuos, esse possível confronto poderia infringir sérios problemas aos cangaceiros na tentativa de galgar a grande serra.

Rostand Medeiros diante da capela da Fazenda Caricé, zona rural de Marcelino Vieira – RN em 2015 – Foto – Silvio Coutinho.

Se o bando seguisse próximo da cidade de Pau dos Ferros, a maior e a mais policiada da região, para depois trotarem em direção a Apodi (uma cidade invadida por Massilon apenas um mês antes), fatalmente homens armados poderiam estar aguardando o grupo em um desses locais, ou nos dois. Aí os resultados desses novos tiroteios poderiam ser extremamente negativos. Deve-se levar em consideração que, além da polícia potiguar, Lampião se preocupava igualmente com a polícia de outros estados no seu encalço, principalmente a paraibana.

Lampião na Fazenda Morada Nova

Havia outra alternativa: era possível contornar o grande maciço através da extremidade mais a leste dessas elevações, passando por um caminho que os levariam para a Vila de Boa Esperança, atual município de Antônio Martins.

O grupo de bandoleiros então se afastaria de áreas onde presumivelmente haveria mais atividade policial, poderiam então alcançar zonas teoricamente mais desprotegidas e possivelmente ainda não alertadas da presença deles na região. Esse caminho se mostrava mais promissor!

Casa da Fazenda Morada Nova, zona rural de Pau dos Ferros – RN  
– Foto – Rostand Medeiros.

Contudo, aparentemente, essa decisão não deve ter ocorrido antes ou durante a passagem pela Fazenda Caricé, pois, logo depois da saída da propriedade do fazendeiro Marcelino Vieira, os cangaceiros seguiram primeiramente na direção sudoeste, apontando para a cidade de Pau dos Ferros. Após rápida cavalgada, surgiu o próximo alvo daquela jornada insana – A Fazenda Morada Nova.

Quando visitei essa propriedade pela primeira vez em 2010, ali encontrei a senhora Firmina Aquino de Oliveira, então com 95 anos de idade, e sua nora Maria Ivaneide de Aquino. Ivaneide era neta de Antônio Januário de Aquino, antigo dono do lugar, que teve a difícil missão de receber Lampião em 11 de junho de 1927.

Lampião

Elas me informaram que não tinham conhecimento se o parente já falecido possuía laços de amizade, ou de inimizade, com o cangaceiro Massilon. Igualmente não souberam comentar se a chegada do bando se deu a uma indicação desse celerado, ou se a casa dos seus antepassados foi atacada simplesmente por ter sido um alvo que surgiu à frente do grupo.

Entretanto, essas senhoras relataram que antes do bando chegar à casa de Aquino, que não mais existia em 2010, eles arrombaram uma residência onde vivia um trabalhador da propriedade, que juntamente com sua família fugiu para o mato. Logo os bandidos pararam diante da casa grande da Fazenda Morada Nova.

Além do proprietário, na casa estavam sua mulher Raimunda Nonato de Aquino, seu filho Cosme e suas três belas e jovens filhas, Raimunda, Arcanja e Maria. Segundo Sérgio Augusto de Souza Dantas (Lampião no Rio Grande do Norte – A História da Grande Jornada, 1ª edição, págs. 119 e 120), foi exigido alimentos e dinheiro ao dono da Fazenda. Antônio Aquino era um produtor próspero, sendo apontado inclusive como dono de um engenho de açúcar e aguardente.

Diante da beleza das moças, alguns cangaceiros logo se mostraram interessados nas meninas. Sérgio Dantas relatou que Aquino pediu proteção a Lampião, que prontamente refreou os ânimos da cabroeira e o próprio chefe chegou a pedir desculpas ao pai das jovens pela falta cometida pelos seus homens. Após varejarem toda a casa e retirarem o que os interessava, a malta de bandidos seguiu viagem.

A Foto

As senhoras Firmina e Maria Ivaneide comentaram que a passagem do bando causou extrema comoção entre os membros da família Aquino. Todavia, Antônio Januário se sentiu até mesmo com “sorte”, pois, apesar de ter havido perda material com o saque praticado, o fato das suas filhas não haverem sofrido qualquer tipo de violência, principalmente sexual, foi considerado um resultado extremamente fortuito diante da extrema gravidade do problema.

No dia 11 de novembro de 1928, um domingo, quase um ano e meio depois da passagem dos cangaceiros, Antônio Januário reuniu sua família em um estúdio fotográfico de Pau dos Ferros para a realização de um interessante instantâneo. Essa fotografia, que trago com exclusividade e conseguida a partir do material original, possui no verso a seguinte frase “Uma pequena lembrança que ficará para sempre”.

Bando de Lampião, após o ataque a cidade de Mossoró em 1927.

Nela é possível ver Antônio e sua esposa Raimunda sentados em um pequeno sofá de madeira e vime, em uma posse de tranquilo comando de suas vidas e de sua prole familiar, que se encontravam todos presentes. De pé, logo atrás do móvel é possível ver Cosme, tendo a sua direita suas irmãs Maria e Arcanja e ao seu lado esquerdo Raimunda. Essa última e Arcanja trazem dois objetos que escaparam das mãos dos cangaceiros – são dois belos crucifixos com corrente e pedras.

Depois de observar milhares de fotos antigas, ao longo de vários anos de pesquisas, posso comentar que, a exceção de Dona Firmina, todos os outros participantes do instantâneo se vestem com roupas modernas para os padrões sertanejos do interior potiguar da década de 1920. Inclusive suas filhas, onde é possível ver Maria e Arcanja utilizando saias acima do joelho, apesar de estarem com meias. Antônio e Cosme igualmente seguem um padrão de vestimenta masculina bem moderna para a época. Ao olhar detidamente essa foto, vejo o registro de uma família que aparentemente superou o susto causado pelo bando de Lampião.

Violeiros Cantam a História do Assalto

A senhora Ivaneide me comentou em 2010 que nessa propriedade era comum a apresentação de cantadores de viola afamados da região e até de outros estados. Mesmo com o crescimento das bandas de forró eletrônicas, da televisão e outros meios de entretenimento, na época essas cantorias de viola possuíam público cativo na comunidade.

Casa da Fazenda Morada Nova em 2010. Reparem os bancos feitos de troncos de carnaúba, utilizados para a comunidade assistir duelo de cantadores de viola. Ao fundo o maçiço da Serra de Martins – Foto – Rostand Medeiros.

Ela narrou que era praxe as pessoas do lugar transmitirem para os violeiros visitantes os acontecimentos testemunhados pela família Aquino em 1927 e o que eles sabiam do ataque do grupo de cangaceiros a Mossoró. Com isso, solicitava-se que esses artistas transformassem as histórias ouvidas em uma cantoria tipicamente nordestina.

Já as estradas existentes entre as propriedades Caricé e a Fazenda Morada Nova foram sem nenhuma dúvida o pior trecho percorrido para a realização deste trabalho. As maiores dificuldades se encontravam na já rotineira falta de sinalização, mas principalmente no péssimo estado de conservação desses caminhos.

A Fazenda Morada Nova está localizada em um ponto extremamente afastado de áreas urbanas. A cidade de Pau dos Ferros fica a cerca de 24 quilômetros de distância, já a zona urbana de Pilões se encontra a 16 quilômetros e a cidade de Antônio Martins a 19. Entretanto, o melhor acesso utilizado é a partir de Antônio Martins, onde o motorista percorre oito quilômetros de asfalto da rodovia federal BR-226 e depois segue por mais 11 quilômetros de estradas vicinais. Contudo, nesse caso, existe a imprescindível necessidade de contar com a ajuda de uma pessoa da região que conheça o trajeto. Nesse caso eu contei com o apoio do amigo Chagas Cristóvão, da cidade de Antônio Martins.

Junto a Chagas Cristóvão, da cidade de Antônio Martins, na Fazenda Morada Nova.

Atualmente, Pau dos Ferros é a principal cidade da Região do Alto Oeste Potiguar, com uma população acima de 30.000 habitantes, estando a 389 quilômetros de distância de Natal, ocupando uma área de aproximadamente 260 km² e possuindo uma história bem antiga.

Acredita-se que a toponímia Pau dos Ferros foi criada a partir de uma determinada árvore. Essa árvore certamente devia ser um excelente local para repouso e com ótima sombra, onde vaqueiros viajantes, utilizando ferro em brasa, deixavam marcado no seu tronco as marcas do gado sob sua responsabilidade. Em uma época onde as fazendas não tinham arames farpados e o gado era criado solto, essa prática serviu para esses trabalhadores conhecerem as marcas de outras propriedades. Isso tornava mais fácil a identificação dos animais perdidos nos pastos e a realização de troca das reses encontradas. Não é difícil imaginar como essa árvore ficou bem conhecida na região. Logo ao seu redor se fixaram pessoas e isso deu início a uma pequena comunidade. Já sobre a questão da posse da terra, consta que no ano de 1733, por ocasião da morte do Coronel Antônio da Rocha Pita, foi doada a sesmaria de Pau dos Ferros a seus filhos e herdeiros. Um deles, Francisco Marçal, foi a pessoa que mobilizou os que ali viviam para erguer uma capela em 1738. Somente através da Resolução Provincial nº 344, de 4 de setembro de 1856, Pau dos Ferros tornou-se um município, sendo desmembrada da cidade serrana de Portalegre.

Foto – Rostand Medeiros.

Na trajetória do bando em direção a Mossoró, ao se aproximar dos contrafortes da Serra de Martins, o caminho percorrido por Lampião passou onde atualmente estão localizadas as áreas territoriais das cidades de Serrinha dos Pintos, Antônio Martins, Frutuoso Gomes, Lucrécia e Umarizal.

 

Pescado no Tok de História

Pereiras x Carvalhos em seu devido lugar

Entre rezas e bacamartes, novo livro de Valdir Nogueira

O CEHM comunicou a publicação do já esperado livro de seu associado Valdir Nogueira, cujo título: Entre rezas e bacamartes, possui prefácio do historiador e membro da Academia Pernambucana de Letras Frederico Pernambucano de Mello, e integra a Coleção Tempo Municipal do referido Centro de Estudos de História Municipal – CEHM/Agência Condepe/Fidem.


A obra traz um recorte sobre a atuação do Monsenhor Afonso Pequeno e a tradicional desavença entre as famílias Pereira e Carvalho sob a ótica da alternância de poder na lendária região do Pajeú do sertão pernambucano.  Numa terra em que imperava a lei do punhal e do bacamarte, essas duas famílias espargiram sangue em ódios feudais, numa luta que esbarrou num famigerado banditismo.

O polêmico Monsenhor Afonso Pequeno, pároco das freguesias de Vila Bela e Belmonte em princípios do século passado.

Sobre o livro de Valdir Nogueira comentou o professor Yony Sampaio, professor da Universidade Federal de Pernambuco e Consultor do Banco Mundial:

“Muitos livros tem tratado da lendária briga entre os Pereira e os Carvalho. De modo geral exploram os confrontos armados, as sucessivas emboscadas e ataques, culminando com o período de Sebastião Pereira e Luís Padre. Este fantástico relato de Valdir Nogueira, Entre Rezas e Bacamartes, no entanto, é o primeiro a analisar em detalhe as intrigas politicas, a alternância de poder local, que vem a se constituir no cenário onde a questão se desenvolve.

Geograficamente, amplia o centro da questão para os municípios de Belmonte e Vila Bela, de onde se irradia pelo Pajeú e pelo sul do Ceará, relacionando movimentos do Cariri a incidentes no Pajeú. Indo aos fundamentos da questão, antepõe o Monsenhor Afonso Pequeno ao coronel Antônio Andrelino Pereira da Silva, filho do Barão do Pajeú.

Na vila de Belmonte se estendeu o conflito entre as duas tradicionais 
famílias do Pajeú.

De um lado, um padre guerreiro, politico, mas defensor da religião, a exemplo de muitos, como o Monsenhor Arruda Câmara, na revolução de trinta. De outro, um coronel tentando manter a estatura e autoridade do pai, porém sem possuir as mesmas qualidades de sobriedade e equilíbrio. Os novos perfis que traça, revelam faces escondidas da questão. Para iluminar tantas questões, Valdir divulga correspondências inéditas, comunicações em jornais da época, e corrige interpretações equivocadas. O livro de Valdir já nasce um clássico, essencial para melhor entendimento da história e da formação social daquele sertão.

A antiga Vila Vila Bela, cenário da luta de Carvalho e Pereira.

O autor nasceu e foi criado em Belmonte e já nos brindou com um belo livro sobre São José do Belmonte. Conhece quase cada palmo de terra, discorre sobre as fazendas, locais de emboscada e convive com descendentes das famílias envolvidas, hoje bastante entrelaçadas, como sempre ocorre na sociedade sertaneja. Assim, possui a autoridade necessária para tal empreitada. Simples, de fala mansa, em outras épocas poderia ter tomado o bacamarte e entrado catinga adentro. Porém tem sido mais afeito aos estudos e ao conhecimento e preservação do passado da região. Excelente pesquisador, minucioso, reverencia nosso passado e tem sido o esteio da hoje famosa cavalhada do Belmonte que homenageia e relembra os incidentes da Pedra Bonita, então Serra Talhada e hoje Belmonte, que incendiou a imaginação de Ariano Suassuna no Romance da Pedra do Reino.

Ao leitor, tenho certeza que embarca em aventura prazerosa e educativa. Do autor, espero que continue a perscrutar nosso passado e revelar aspectos pouco conhecidos da nossa formação histórica e social”.

Pescado no Tok de História

domingo, 13 de junho de 2021

Novo livro na praça

Lampião no Diário Oficial

Por Gildeci de Oliveira Leite [*]

Virgulino Ferreira da Silva continua a dividir opiniões. Para alguns, Lampião continua sendo nosso Capitão, representante do povo nordestino, contestador de agruras impostas aos sertanejos desta parte de cá. Outros, investem na afirmação de que seria Lampião o assassino sanguinário a promover desordem por onde passou. Diversas narrativas tratam de enaltecer e/ou demonizar a imagem do esposo de Maria Bonita e de seu bando. Por onde o bando de Lampião passava, fazia a terra e homens tremerem, alguns sorriam!
 

Gravuras da capa e contracapa é de Leonardo Alencar.

Entendo ser necessária uma abordagem menos tendenciosa, mais despossuída de amores e desamores. Afirmar que Lampião e seu bando eram uns santos aureolados é tão duvidoso, questionável, risível quanto afirmar que, por exemplo, os coronéis e seus bandos possuíam as áureas dos anjos em todas as suas ações. O que quero chamar atenção é para o tendencioso construir de algumas histórias. Ao mesmo tempo em que se criminaliza Lampião, por suas ações bélicas, diz-se que coronéis são heróis por iniciativas do mesmo gênero, recheados ou não de maior potencial sanguinolento, conforme o contar dos próprios julgadores ou chefes de torcidas.

Fico a imaginar, que talvez queiram afirmar serem as lâminas e as armas de fogo de Lampião emprestadas pelo diabo, já as de alguns coronéis seriam abençoadas, representantes de cruzadas sertanejas, ungidas por Cristo. Prefiro olhar o Capitão Virgulino como alguém, que resolveu seguir o caminho das armas, quase como um Robin Hood, ora a enfrentar o estado, ora a cumprir missões desse próprio poder estatal contra desafetos políticos. É razoável o questionamento sobre os porquês da criminalização de Virgulino, esquecendo de adotar ao menos critérios parecidos para interpretar ações coronelísticas? Com isso, não afirmo que este ou aquele coronel é ou foi um criminoso, só peço mais reflexões! Entretanto, resguardo-me e não me arrisco a emitir mais opiniões por ainda não ter adentrado o suficiente na vasta bibliografia sobre estes líderes do sertão.

 

O jornalista e escritor GILFRANCISCO
O jornalista e escritor GILFRANCISCO

Agora, surge mais uma oportunidade para leituras a respeito de Virgulino Ferreira. O livro “Lampião no Diário Oficial” foi construído graças à teimosia do baiano-sergipano GILFRANCISCO. Desobediente, o pesquisador adentrava o arquivo da imprensa oficial de Sergipe, ao invés de ficar quieto, esperando as horas passarem, conforme orientações de seu chefe. O livro seria publicado desde 2010, quando recebeu do artista plástico Leonardo Alencar a gravura para a capa e contracapa. 

Vindas do Diário Oficial de Sergipe ou de qualquer outro estado, as notícias sobre o cangaceiro são oficiais, nem sempre mentirosas e/ou verdadeiras. 

Vamos às leituras miradas aos diversos lugares de fala. Viva o sertão!
 

Para adquirir:gilfrancisco.santos@gmail.com ou (79) 99115-1758 / 998812-7542

———————-

[*] É escritor, sócio do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e professor da UNEB.

Pesquei em Evidencie-se

segunda-feira, 31 de maio de 2021

Documentário completo

Chapéu Estrelado - Os caminhos de Lampião no Oeste Potiguar

Ano: 1927. Lampião, aliado ao jagunço potiguar Massilon Benevides e ao poderoso Coronel cearense Isaías Arruda, tramam a invasão da rica cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte. 

Este documentário reúne depoimentos de pessoas que conviveram diretamente com Lampião, algumas na casa dos cem anos, e dos descendentes das vítimas dessa campanha do cangaceiro, além de revisitar em 13 dias, 16 cidades que estão nessa jornada, que começou no Ceará, depois Paraíba e finalmente o Rio Grande do Norte.

Um filme de Silvio Coutinho com produção de Valério Marinho de Andrade, roteiro de Rostand Medeiros e música de Mario Vivas. 

Participação especial dos meus amigos Sergio Dantas, Sousa Neto, Rivanildo Alexandrino e José Cícero.
 

 

Pescado no canal de Elgson Lima