sexta-feira, 30 de agosto de 2019

'Ele tinha no rosto um pavor enorme'

Disse SOLDADO que MATOU o cangaceiro LAMPIÃO


Acervo Lampião Aceso

"Livre o Nordeste do maior de seus bandoleiros", publicou O GLOBO em sua primeira página do dia 29 de julho de 1938, há 81 anos, quando o jornal noticiou a morte de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. O fim do famoso cangaceiro ainda seria motivo de manchetes nos dias seguintes, à medida que chegavam à redação mais informações sobre a emboscada na qual o criminoso foi morto pelos policiais comandados pelo Tenente João Bezerra. No dia 1 de agosto daquele ano, O GLOBO publicou um depoimento do soldado que alvejou Lampião, na madrugada do dia 28 de julho, na fazenda Angicos, no sertão sergipano.

 Lampião segurando um exemplar do jornal O Globo

Segundo o relato do policial Antonio Honorato da Silva, o cangaceiro estava acabando de acordar quando foi morto por ele. Lampião tinha ao lado a sua mulher, Maria Bonita, que também não foi poupada, mesmo após se render. O casal e mais nove integrantes do bando foram mortos naquela tocaia.

- Vi Lampeão erguer-se, tinha no rosto um pavor enorme. Levei o fuzil ao rosto e mirei bem. A mulher estendeu os braços, pedindo clemência. Nesse instante, fiz fogo. Ele baqueou e eu acompanhei a queda com outros dois tiros. Estou satisfeitíssimo e sou o homem mais feliz do mundo - descreveu Antonio Honorato da Silva, em depoimento enviado por telégrafo.


 Honorato apresenta para Melchiades da Rocha 
o fuzi que derrubou Lampião
 Acervo Lampião Aceso

Naquele mesmo dia 1 de agosto, o jornal divulgava mais informações sobre o chamado Rei do Cangaço, que, durante cerca de 18 anos praticou todo tipo de roubo e assassinatos em sete estados do Nordeste, sempre acompanhado de seu bando. De acordo com relatos de pessoas próximas a ele, Lampião vinha manifestando a vontade de sair da vida de crimes, depois de comprar propriedades agrícolas em Sergipe. Mas, àquela altura, o pernambucano já estava sendo procurado, vivo ou morto, pelas autoridades de diferentes estados.

"Chegam agora novos detalhes da maneira por que os cangaceiros foram surpreendidos", relatou O GLOBO. Segundo a reportagem, enviada de Maceió, Alagoas, os policiais foram informados de que os bandidos estavam acampados na fazenda Angicos, onde hoje fica o município de Poço Redondo, em Sergipe. Eles cercaram o acampamento do bando no meio da noite, "colocando metralhadoras em todos os flancos, enquanto dois soldados atirariam isoladamente em Lampião e Maria Bonita".

Por volta das 5h da manhã, pouco antes de amanhecer, os soldados avançaram pelo mato sobre as barracas. Quando viu os "volantes", o líder do grupo se levantou e, surpreso, foi alvejado na boca, na nuca e na cintura. "Maria Bonita fez um gesto de suplica, tentando impedir a morte do amante, e caiu sob rajadas de balas", descreveu o jornal. Mesmo depois de ver o líder morto, seus comparsas revidaram fogo, mas os soldados levaram a melhor. Alguns integrantes do bando fugiram, mas pelo menos nove foram mortos naquele confronto.


 Maria e Lampião

Em seguida, os soldados decapitaram os corpos de Lampião, Maria Bonita e outros bandidos. Os corpos mutilados foram deixados a céu aberto, mas as cabeças foram salgadas e carregadas em latas de querosene, sendo expostas em várias cidades desde o local da emboscada até Maceió. A começar pelo município de Piranhas, onde os policiais deixaram as cabeças à mostra na escada de acesso à prefeitura.

Pesquei no O Globo

A última vivente

Aos 96 anos, Dulce passou juventude no cangaço

É o trauma de uma violência sofrida há mais de oito décadas por uma mulher que torna bem vivo o tempo do cangaço numa pequena casa do Jardim Márcia.




É o trauma de uma violência sofrida há mais de oito décadas por uma mulher que torna bem vivo o tempo do cangaço numa pequena casa do Jardim Márcia, na periferia de Campinas (SP). Na cidade muito longe do sertão - pelo menos na geografia - mora Dulce Menezes dos Santos, de 96 anos, violentada na adolescência por um integrante do grupo de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, arrancada da família e levada para a vida nômade na caatinga.

O começo de tarde paulista é frio para a senhora de corpo franzino e cabelos compridos, que acordou da rápida sesta. Ela chega à sala para a conversa com a equipe de reportagem. Antes mesmo de sentar no sofá, comenta: "O sonho da gente não esquenta mais, não". O lamento vem junto com um leve sorriso. A filha caçula, Martha, diz: "Tá faltando carne entre esses ossinhos, mãe".

Dulce se ajeita no sofá, com ajuda da filha. Martha conta que a mãe sempre evitou visitas e não esconde incômodo com janelas e portas abertas - por onde entram o frio e também a violência. Antes de toda pergunta, solta uma frase que repetirá a cada resposta dada e a cada interrupção na longa conversa. "Infelizmente aconteceu isso contra minha vontade. Não fui porque quis ir."

Era filha de trabalhadores de uma fazenda de algodão em Porto da Folha, Sergipe. Tinha quatro anos quando um besouro mordeu a mãe, Maria, que não resistiu. O pai, Mané João, dizem, morreu de saudade seis anos depois. A menina foi morar com a irmã Mocinha, em Piranhas, Alagoas, depois na fazenda de outra irmã, Julia, e do marido dela, João Felix.

O lugar servia de rancho de cangaceiros que adentravam o sertão. Ela estranhou os homens de roupas de tecido grosso, cor de folha seca, cintos pregados de moedas, chapéus de couro de aba para trás e com estrelas bordadas e bornais floridos. E bem armados. Um dos que frequentavam a fazenda era o cangaceiro João Alves da Silva, o Criança. Ao ver aquela menina num canto, acabrunhada, negociou a compra dela com João Felix por um bornal de joias.

Aos 96 anos, Dulce conta agressões que sofreu no tempo do cangaço

Criança avisou a João Felix que levaria Dulce numa festa que seria organizada pelo amigo cangaceiro Zé Sereno, numa fazenda vizinha. João Felix levou a mulher, Julia, e a cunhada. Criança não esperou para se aproximar da menina, que estava na casa da fazenda. Dulce já se assustou quando o cangaceiro entrou. "Tu vai ali comigo, Dulce."

Ele a puxou pelo braço, arrastando para fora. "Cala a boca, se não te sangro agorinha mesmo." Do lado de fora, a jogou no chão. Entre pedregulhos e espinhos, Dulce foi violentada e os convidados assistiram em silêncio. O cangaceiro passou a noite vigiando a "mercadoria". A música continuava e o som da sanfona e do triângulo sufocava os soluços de Dulce. Arrependido, João Felix temia que Criança, ao fim da festa, levasse Dulce embora. "Num vou desperdiçar bala em tu não, homem", disse o cangaceiro, com desprezo, segundo Dulce. "Esse cara me carregou."

Beira do rio

Naquele tempo, Dulce flertava com Pedro Vaqueiro, garoto de Piranhas. Eles brincavam na beira do São Francisco. "Eu era novinha, de 13 para 14 anos, uma criança", lembra. A violência vai e volta no relato de Dulce. "Fui a pulso, arrastada, se não morria. O apelido dele era Criança (o nome do agressor sai mais forte na voz dela). Deus queria que eu estivesse aqui agora, conversando com vocês", conta. "Com parabellum (pistola) na mão. E com medo de morrer, acompanhei."

A notícia do rapto chegou a Piranhas. Pedro Vaqueiro se desesperou. Dizem que ficou desnorteado, sem rumo. Saiu de casa, desapareceu, relata Martha. A história daqueles dias está num livro escrito pelo professor baiano Sebastião Pereira Ruas, que foi casado com Martha. Dulce, a boneca cangaceira de Deus foi escrito na forma de novela típica dos velhos contadores. O texto simples traz luz ao debate sobre a violência contra a mulher no cangaço. A venda é para ajudar Dulce.
Massacre

Em 27 de julho de 1938, Dulce estava num acampamento na Grota do Angico, Sergipe. Ali, Lampião reuniu diversos subgrupos que agiam sob seu controle na caatinga, em roubos, saques, achaques e agiotagens. Foi quando Dulce, adolescente, esteve mais perto de Maria Gomes de Oliveira, de 27 anos, a mulher de Lampião, que ficou conhecida por Maria Bonita. "Era boa pessoa a Maria. Ficamos poucos dias juntas. Lampião tinha uma turma, Criança tinha outra, Balão tinha outra. Se vivesse tudo junto, a polícia descobria pelo rastro. Agora, nesse dia estava todo mundo junto. Tinha de acontecer, graças a Deus."

À noite, Maria chamou Sila e Dulce para conversar. Na conversa, elas viram, na caatinga escura, uma luzinha amarela, que piscava longe. Chegaram a pensar que era vaga-lume. Foram dormir sem falar para os homens sobre a luminosidade.

Pela manhã, Dulce levantou com os gritos de Criança. Uma volante - grupos de policiais formados para combater cangaceiros - tinha cercado o grupo. Em meio a tiros, ela ouviu a voz de Maria Bonita, baleada, diante do corpo de Lampião. Dulce, Sila e Enedina correram. Um tiro de fuzil acertou a cabeça de Enedina, miolos respingaram em Dulce, que conseguiu escapar juntamente com Criança e outros 21 cangaceiros.

"No combate em que mataram Lampião e Maria Bonita, eu estava. Nenhuma bala pegou em mim. Morreu um bocado. Já esqueci quantos morreram", conta - 11 cangaceiros e um soldado morreram. "Era tiro demais. Gente caindo, entrando pelas pernas, passando em cima de cabeças. Escapou quem tinha de escapar, porque nunca vi tanto tiro na vida, meu filho." A notícia da emboscada chegou rápido a Piranhas. Parentes de Dulce foram ver se a cabeça da menina estava em exposição na escadaria da prefeitura.

O historiador João de Sousa Lima, de Paulo Afonso, na Bahia, desenvolve um trabalho para localizar sobreviventes do cangaço, em especial mulheres. Os relatos delas mostram que a história de crueldade do bando de Lampião ou das volantes encobriu a da violência contra mulheres do grupo. Uma semana antes do massacre de Angicos, Cristina foi assassinada por querer trocar de companheiro. Também foram mortas de forma trágica pelo próprio grupo Lídia, Lili e Rosinha.
Mulher de prefeito

Embrenhado na caatinga, o grupo sobrevivente de Angicos decidiu se entregar à polícia. "Aí acabou", diz Dulce. O ditador Getúlio Vargas concedeu anistia aos cangaceiros. Criança e Dulce, nesse tempo, tiveram dois filhos. Foram trabalhar na fazenda de João Anastácio Filho, o Jacó, na região de Jordânia, Vale do Jequitinhonha, em Minas.

O livro destaca que Jacó era influente. Casado, decidiu se aproximar de Dulce. Pôs Criança para atuar como tropeiro e, assim, começou a afastá-lo da fazenda. Depois de uma longa viagem, Criança foi alertado por companheiros que era melhor ir embora. Ele levou os dois filhos. Do casamento com Jacó, Dulce teve outros 18 filhos. Anos depois, ele foi eleito prefeito de Jordânia, hoje com 10 mil habitantes. "Foi o tempo que fui feliz Por enquanto estou aqui, até a hora que Deus me levar. Graças a Deus nunca maltratei ninguém", diz. "Agora essa turma do Lampião, meu Deus do céu, quando queria pegar mulher, se não fosse, eles matavam."

Com a morte de Jacó, Dulce foi morar com a filha Martha em Campinas. A cidade grande também seria de privações. Viu filho e netos serem assassinados. Ela volta a falar do sertão e do cangaço. "Acabou. O Norte está sossegado, não está?"


Serviço:

DULCE, A BONECA CANGACEIRA DE DEUS

Autor: Sebastião Pereira Ruas

Editora: Lexia, 227 páginas

Preço: R$ 45

O livro é vendido por Professor Pereira entre em contato pelo email franpelima@bol.com.br ou WhatsApp (83) 99911-8286.



Pesquei no Correio RAC

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Eu era doido pra saber: Por onde andava Billy Jaynes Chandler...

Honório de Medeiros localizou o homi

Em uma quinta-feira do mês de setembro de 2015, publiquei um artigo em meu blog, cujo título é o seguinte: "WHERE IS BILLY JAYNES CHANDLER?"clique aqui para ler.

Nele, eu e minha filha, Bárbara de Medeiros, contávamos o resultado de uma procura intensa por notícias acerca do grande escritor americano que viveu no Brasil e nele escreveu alguns dos clássicos da literatura sertaneja nordestina.



Billy Jaynes Chandler é um dos mais importantes escritores acerca do cangaço e coronelismo, fenômenos ligados entre si e característicos de uma certa época da história recente do Brasil. Suas obras Lampião, o Rei dos Cangaceiros, e Os Feitosas e o Sertão dos Inhamuns, são canônicas, seminais, inigualáveis. Recentemente meu filho, que mora no Canadá, por lá adquiriu o Lampião traduzido para o inglês.

Passaram-se os anos, e nada. Nenhuma notícia...

No início deste agosto, quase três anos depois, mais precisamente dia 8, postaram o seguinte texto no espaço reservado aos comentários ao blog (as traduções a seguir são de Bárbara de Medeiros):

 “Ginny disse...
I was googling my uncle and found this blog from back in 2015. I am Billy Jaynes Chandler's niece”.
 “Estava pesquisando o meu tio no Google e encontrei esse blog de 2015. Eu sou a sobrinha de Billy Jaynes Chandler”.

Eu não li essa postagem. Ocupado com outros interesses, havia deixado o blog um pouco de lado.

Por sorte nossa, Ginny também escrevera para meu email:

“I read uncle bill your blog, translated in English, and it put a smile on his face. He is now 87 and has lost his Portuguese language and has some memory issues. He told me it was ok to reach out to you.
Ginny Petersen”.

“Eu li o seu blog para o tio Bill, traduzido para o inglês, e isso colocou um sorriso em sua face. Ele tem agora 87 anos e perdeu seu conhecimento da língua portuguesa e tem alguns problemas de memória. Ele me disse que era ok eu entrar em contato com você.”

Eu e Bárbara não conseguíamos acreditar. Ficamos muito felizes. Bárbara ficara contagiada com minha admiração por Chandler. No domingo, dia 11, mesmo mês, tratamos de responder:

“I am very happy to know that he’s alive! I hope he is well, despite the memory problems. He is a true icon for us Brazilians, who study cangaço and the local culture. Do you know if he has written anything else? I’m sending you a picture of myself with my copy of his book, now a rarety over here. If possible (and I completely understand if any of you don’t feel comfortable) could you send me a picture of him? My daughter helped me a lot in my researches and would love to see it. Thank you for reaching out!”

“Eu estou muito feliz em saber que ele está vivo! Eu espero que ele esteja bem, apesar dos problemas de memória. Ele é um verdadeiro ícone para nós brasileiros que estudamos cangaço e a cultura local. Você sabe se ele escreveu mais alguma coisa? Estou enviando uma foto minha com a minha cópia de um de seus livros, que se tornou uma raridade por aqui. Se possível (e eu entendo completamente se vocês não se sentirem confortáveis) você poderia enviar uma foto dele? Minha filha me ajudou muito nas pesquisas e adoraria vê-lo. Obrigada por nos contactar!”

Ginny voltou a fazer contato:

“He did not write any more books, 4 books altogether. I recall while I was growing up, his visits to Brazil. Here is a picture of him last year just after his 86 birthday”.
“Ele não escreveu mais livros, foram quatro ao todo. Eu lembro quando estava crescendo, das suas visitas ao Brasil. Aqui está uma foto dele do ano passado, logo após seu 86º aniversário.”

Nós: “Thank you so much! He looks great! Do you think I could write a follow-up to my article, now that you have given me the great news that he’s alive? I’d simply mention you have reached out! Maybe I could use the picture? Only if you allow me, of course. Once again, thank you so much for this exchange of messages, you have no idea how much it meant to me and my daughter”.

“Muito obrigada! Ele parece ótimo! Você acha que eu poderia escrever uma continuação do meu artigo, agora que você me deu a ótima notícia que ele está vivo? Apenas se você me permitir, claro. Mais uma vez, muito obrigada por essas mensagens, você não tem ideia do quanto significa para mim e para minha filha!”

Ginny:“You are more than welcome to do a follow-up. Your question to “where is Billy Jaynes Chandler” has been answered. He lives in Miami, Florida with his sister. :) I wish you could talk with him, he just doesn’t remember much, but has strong memories, although unclear, of his time in Brazil.
Take care to you and your daughter”.
“Sinta-se à vontade para fazer uma continuação! Sua pergunta ‘Onde está Billy Jaynes Chandler’ foi respondida. Ele mora em Miami, Flórida, com sua irmã. :) Eu gostaria que você pudesse falar com ele, ele apenas não se lembra de muita coisa, mas tem fortes memórias, apesar de incertas, do seu tempo no Brasil. Lembranças a você e sua filha!”.

Olha o homi ai!
 
 Chandler. Hoje, com mais de 86 anos. 
Imagem gentilmente cedida por Ginny Petersen, sobrinha sua.

Muito obrigada Ginny. Estamos enviando esse artigo para você e fazendo a postagem no blog, para que quem puder tenha conhecimento dessa notícia.

Ficamos maravilhados em saber que Chandler está vivo. Torcemos por ele, desejamos que fique muito bem, e lhe enviamos um grande abraço aqui do Nordeste do Brasil, do Sertão que ele conheceu.

Uma pescaria muito feliz no Blog do confrade Honório

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Mentor de Lampião

Quem foi Sebastião Pereira e Silva

Nesta edição, o Nossa Folha prossegue com a série de reportagens sobre a vida de líderes de movimentos culturais, sociais e políticos. Última biografia sobre líderes de movimentos culturais, sociais e políticos do Brasil publicada pelo jornal Nossa Folha foi a de Manoel Antônio dos Santos Dias.

Nesta edição, é a vez de Sebastião Pereira e Silva "Sinhô Pereira", nascido em 20 de janeiro de 1896, em Vila Bela, atual Serra Talhada, em Pernambuco, em meio a uma áspera guerra entre as famílias Pereira (a sua) e Carvalho.

 Sinhô e o irmão Luís Padre

Ocupou posição de destaque na grande saga do cangaço nordestino, tendo sido um dos comandantes. Era neto de Andrelino Pereira, o Barão do Pajeú. Em suas andanças pelo sertão, na vida bandoleira, Sinhô Pereira se comportou como homem honesto e nobre, tendo como meta a vingança de dois parentes, vítimas da violenta luta entre as famílias Pereira e Carvalho, que encharcou de sangue e ódio o vale do Pajeú, desde o ano de 1848.

Era alfabetizado e trabalhava no campo, o que o diferia culturalmente dos outros bandoleiros. Ocorre que motivos familiares levaram-no a ingressar no cangaço, tendo recebido a insígnia de comandante de tropa. Segundo ele, a impunidade em Vila Bela teve seu auge em sua juventude, como no assassinato do seu irmão Né Pereira (Né Dadu), que nem inquérito policial houve.


 Né Dadu
(Acervo Lampião Aceso)


Pressionado politicamente e perseguido por forças policiais, viajou para Goiás e Minas Gerais, onde obteve o título de cidadão mineiro. Foi o único comandante de Virgulino Ferreira da Silva (Lampião) e recebeu dos populares o apelido de Demônio do Sertão, por ser rei nas estratégias de guerrilhas pela caatinga. Por várias vezes, foi cercado pela polícia e conseguiu escapar. Segundo históricos, era homem do bem, embora justiceiro popular.

Abandonou o cangaço por duas vezes. A primeira, em 1918, quando Lampião ainda não integrava seu bando. Sinhô Pereira não se sentia à vontade sendo fora da lei, como acontecia com muitos cangaceiros. Ele contava que tinha nascido para ser cidadão, casar e constituir família.

Em 1918, Sinhô Pereira e seu inseparável primo Luís Pereira da Silva Jacobina (Luis Padre) resolveram recomeçar a vida e deixaram o cangaço. Alguns historiadores afirmam que eles haviam atendido a um pedido do padre Cícero Romão Batista que, por meio de carta, pediu que os primos deixassem a região do Pajeú, que vivia em clima de guerra e medo. Ao receber a resposta favorável, o sacerdote cearense enviou outra carta para padre Castro, no município de Pedro II, no Estado do Piauí, pedindo ao vigário que recebesse os dois jovens e encaminhasse-os para o Maranhão, mas os primos escolheram o Estado de Goiás.

A primeira retirada de Sinhô Pereira para o Estado de Goiás ocorreu em dezembro de 1918. De José do Belmonte, em Pernambuco, foram em direção ao Estado do Piauí. Em Simões, já distante do Pajeú, decidiram se separar para despistar possíveis perseguidores, marcando reencontro no Sul do Piauí, em Correntes, próximo à fronteira com Goiás. Dali, seguiriam até a São José do Duro, corruptela de São José d’Ouro, em Goiás, hoje Estado de Tocantins.

Luiz Padre rumou a Uruçuí, no Piauí. Já Sinhô Pereira seguiu para Corrente, também no Piauí, passando por São Raimundo Nonato e Caracol. Próximo destino seria Parnaguá, mas Sinhô Pereira foi surpreendido pela força policial comandada pelo tenente Zeca Rubens e um contingente de 20 soldados em Caracol.

Na ocasião, a casa em que Sinhô Pereira e seus homens dormiam foi cercada pela força policial. As carabinas de Sinhô Pereira estavam desmontadas, mas depois de um tiroteio, o cangaceiro e seu pessoal fugiram carregando Cacheado, gravemente ferido.

Tido por alguns como “arquiduque do sertão” e, por outros, o rei das guerrilhas na caatinga, mesmo com um grupo de cinco pessoas, conseguiu escapar, pois suas táticas de guerrilha funcionavam.

Ao atingir Nova Lapa, município piauiense de Gilbués, Luiz Padre soube que Sinhô Pereira fora cercado pela polícia do Piauí nas proximidades de Caracol. O primo de Sinhô Pereira resolveu prosseguir a viagem pelo cerrado piauiense, rumo ao Estado de Goiás, passando pela cidade piauiense de Santa Filomena, e perdeu o contato com Sinhô Pereira – que ficou por quatro dias na Fazenda Mulungu, com Cacheado muito ferido, até que o tenente Zeca Rubens mandou-lhe dizer que não o perseguiria enquanto ele tivesse tratando do cabra ferido.

Não resistindo aos ferimentos, o cangaceiro Cacheado morreu nos braços de Sinhô Pereira, que reiniciou a viagem, mas em Jurema, em Piauí, encontrou João de Bola, o cabra que feriu Cacheado, morto em combate por um dos seus homens. A partir deste episódio, a perseguição policial recrudesceu com o tenente Zeca Rubens e seus 40 soldados seguiram as pegadas de Sinhô Pereira que, ao longo das fazendas percorridas, ia trocando de animais.

Novamente cercado pela força policial, quando dormia, 40 léguas para além de Caracol, Sinhô Pereira e seus homens conseguiram furar o cerco policial mais uma vez. Em Tocoatiara Paulista, Sinhô Pereira e seu bando perderam os animais e, em Sete Lagoas, tomaram outros novos, que novamente precisaram ser trocados em Barra de São Pedro.

Nessa ocasião, Sinhô Pereira decidiu voltar ao Pajeú e lutar com seus inimigos, já que não o deixaram buscar a paz e o esquecimento em terras distantes, como era seu desejo. Desanimado, retornou a Pernambuco e desistiu da viagem ao Estado de Goiás. Ali, reassumiu o comando junto dos seus cangaceiros. Assim, em oito dias, estava novamente nas barrancas do Pajeú.

Até que, em 1922, Sinhô Pereira conseguiu deixar o Nordeste no seu segundo e definitivo abandono da vida do cangaço. Desta vez, saiu da Fazenda Preá, propriedade do coronel Napoleão Franco da Cruz Neves, casado com Ana Pereira Neves, sua prima e de Luiz Padre. Foi, então, que Sinhô Pereira entregou o comando do bando para Lampião e resolveu ir aonde estava seu primo, Luiz Padre. Para isso, passou a ter o nome de Chico Maranhão. Assim, Sinhô Pereira e seu primo Luiz Padre nunca foram presos.

 O velho cangaceiro no final da jornada.

O justiceiro popular só voltou a beber das águas límpidas do Pajeú em 1971, quando foi visitar a família em Serra Talhada, em Pernambuco.

Sinhô Pereira faleceu aos 83 anos, na manhã de 21 de agosto de 1979, na cidade de Lagoa Grande, no Estado de Minas Gerais, onde residia naquela época.


 Túmulo de Sinhô Pereira
Foto Ferreira Anjos para o Acervo Cangaçologia de Geraldo Jr.

Pescado no Jornal Nossa Folha

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Diário de Pernambuco de 22 de abril de 1937

A cabeça do cangaceiro no jornal

por Paulo Goethe

A violência praticada nos tempos de banditismo deu um novo sentido ao manejo das armas brancas para os criadores de galinhas, porcos, bodes e bois no Sertão. Ao invés de bicho, gente. A bibliografia do cangaço está cheia de relatos de pessoas – moradoras do Nordeste mais profundo – que foram marcadas a ferro quente, tiveram olhos, línguas, orelhas e pedaços de pele arrancados a canivete, chicoteadas até o desfalecimento ou cruelmente castradas. Em caso de sentença de morte, a vítima era “sangrada”.

A guerra declarada descambou para as cabeças cortadas, troféus macabros das volantes que acabariam nas páginas dos jornais. Uma destas cabeças, a do cangaceiro Santa Cruz, figurou no Diário de Pernambuco de 22 de abril de 1937.





Em uma primeira página onde a manchete destacava as comemorações aos precursores da independência do Brasil (os inconfidentes mineiros), com direito à programação dos teatros recifenses e ao avanço da ciência – conferência mundial de rádio e a chegada do navio hidrográfico Jaceguay – Santa Cruz encarava o leitor com seus olhos abertos à custa de palitos. Sua cabeça sobre seus apetrechos lembrava que para além do litoral a realidade era outra.

O fim de Santa Cruz havia ocorrido no dia 14 de abril, no lugar de nome Araras, em Sergipe, à margem do Rio São Francisco, quando o grupo que integrava, liderado pelo cangaceiro José Moreno e formado por quatro homens e uma mulher, foi emboscado pela volante de 15 homens comandada pelo tenente José Rufino, cujo nome de batismo era José Osório de Farias, que antes de pegar em armas era um simples sanfoneiro das bandas do Pajeú pernambucano.

Santa Cruz teria sido abatido por um tiro de fuzil disparado pelo próprio José Rufino, que dizia na época já ter matado mais de dez cangaceiros. O corpo de Santa Cruz foi deixado no lugar e a cabeça levada para a cidade alagoana de Piranhas, onde teria sido fotografada.

De acordo com o texto na capa do Diario, o representante do jornal na cidade conseguiu a imagem que foi entregue na redação, no Recife, por um comerciante que estava de passagem em Piranhas, uma das muitas testemunhas do troféu macabro apresentado pela força policial em praça pública.

O Diario teceu elogios à coragem de José Rufino, “um homem que infunde respeito e medo aos asseclas de Lampião e ao próprio bandido, que o respeita e o teme”.


 Zé Rufino

Em 25 de maio de 1940, ele foi o responsável pela morte de Corisco, na Bahia. Era o fim oficial do cangaço. Com mais de 20 mortes no currículo, José Rufino tornou-se coronel da Polícia Militar baiana e virou fazendeiro em Jeremoabo (BA).




Pesquei no Diário de Pernambuco

Adendo: A foto da cabeça em questão está identificada por escrito na mesma como sendo do cabra Zepelim.



Todavia ambas as identificações (Jornal e foto) estão equivocadas. Em matéria anterior nós trouxemos a verdadeira identidade do cangaceiro sem corpo. Seria "Pavão".

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Livros

O dia em que Graciliano Ramos entrevistou Lampião

"Cangaços" traz textos do escritor sobre o banditismo que aterrorizou o Nordeste no início do século passado e inclui uma conversa imaginária com Virgulino Ferreira, editada pela primeira vez em livro



"Aqui no sertão, quando um camarada tem raiva de outro, toca fogo nele. É a justiça mais usada e não falha. Temos também a dos autos, demorada, mas que não é má, porque os promotores se enrascam sempre e os jurados são bons rapazes.” Essa declaração poderia ter sido dita hoje, quando a justiça com as próprias mãos é praticada como decorrência de uma percepção errada das leis e da ação do Estado. Mas veio à luz há 83 anos, numa entrevista imaginária entre o escritor Graciliano Ramos e o cangaceiro Lampião, publicada no dia 16 de maio de 1931. Uma conversa fictícia? Exatamente – e aí está toda a diferença. Além de iluminar o processo criativo do autor de “Vidas Secas” e “São Bernardo”, o curioso texto encomendado pela revista alagoana “Novidade” surpreende pelo artifício utilizado. Entrevistas forjadas são muito comuns atualmente, mas na juventude de Graciliano eram uma ousadia. O bate-papo é um dos escritos inéditos do livro “Cangaços” (Record), que reúne ensaios e crônicas veiculados na imprensa, nos quais o escritor tratou do banditismo sertanejo.
 

 CRONISTA
Graciliano escreveu artigos para jornais e revistas de
Maceió e do Rio de Janeiro entre 1931 e 1941.

Haviam causado furor as duas “entrevistas reais”, concedidas por Lampião ao jornalista Otacílio Macedo, em março de 1926. Ao imaginar um diálogo por telepatia, Graciliano ataca a imprensa sensacionalista e, com ironia e tom jocoso, questiona o salteador sobre temas gerais. “Quais são as suas ideias a respeito da propriedade?”, pergunta. E o cabra macho: “Isso por aqui é nosso: gado, cachaça, mulher, tudo. É de quem passar a mão, entende?”. Sobre a família: “Pra dizer a verdade, nunca pensei nisso. E o senhor é danado de fuxiqueiro. Quanto à mulher, hoje a gente pega uma, larga amanhã, arranja outra, casa aqui, descasa acolá, e assim vamos indo.” Segundo o professor de editoração da Universidade de São Paulo (USP), Thiago Mio Salla, que organizou o livro ao lado da doutora em literatura brasileira Ieda Lebensztayn, mais que o estilo é a atualidade que surpreende nos 14 textos (foram acrescentados ainda dois capítulos de “Vidas Secas”, que ajudam a dar corpo ao conjunto de escritos reunidos pela primeira vez nessa perspectiva). “Mudam-se os atores, mas a violência é a mesma, estruturante”, diz Salla, acenando para os linchamentos, execuções e desmandos policiais recentes como exemplo de persistência de uma situação que parece estar no DNA nacional.

Ieda chama a atenção para o fato de essa produção, que durou uma década a partir de 1931, só agora ter sido classificada segundo a cronologia, o que possibilita saber o que veio à luz antes e depois da prisão do autor, em 1936, acusado de comunista. “Antonio Silvino”, por exemplo, é de 1938.
 


 NA MIRA
Lampião e seu irmão Antonio, [em Juazeiro do Norte]: morte prevista
pelo escritor seis meses antes de ser eliminado.

Se não falou realmente com Lampião, a conversa que teve com esse cangaceiro, cujo nome de batismo era Manoel Batista de Moraes, aconteceu de verdade. Silvino entrara para o crime aos 21 anos, após o assassinato do pai, e até os 37 realizou saques e matou muitos. Graciliano encontra-o na cadeia no primeiro ano de sua pena de duas décadas – vai ao presídio junto com José Lins do Rego, que o retrata em cinco livros. É descrito como “um desses pobres-diabos que morrem no eito e não fazem grande falta, aguentam facão de soldado nas feiras das vilas e não se queixam”. Aceitar a opressão sem reclame está, segundo o autor, na origem do conformismo que só precisa de uma coronhada no pé para explodir em revolta cega. Sentimento recorrente, expresso na frase “apanhar do governo não é desfeita”, dita por Fabiano, o retirante preso injustamente em “Vidas Secas”. Na crônica citada acima, o escritor mostra-se aberto à complexidade do que chama de “lampionismo”, já definido em texto anterior como o molde de onde saem sucedâneos em coragem e desventura: “o que transformou Lampião em besta-fera foi a necessidade de viver”, afirma. Como ressalva, registre-se que o autor mais uma vez incorre no preconceito racial ao apresentar Silvino como homem branco não “representante das raças inferiores”.


Publicado originalmente em Revista Istoé

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Sila falava sobre...

Os Vagalumes de Maria Bonita

 Raul Meneleu

Na história do Cangaço precisamos ter cuidados em fazermos afirmativas, pois as contradições que muitas vezes, senão em maioria, nunca foram propositais.


 Sila de Zé Sereno sentada na mesma pedra da véspera de 28 de julho.

Destaco o depoimento da cangaceira Sila, quando, contando que na noite anterior do fatídico dia da morte de Lampião e Maria Bonita, junto com mais nove cangaceiros, estava sentada em uma pedra, conversando com Maria e que viu lampejos que ela achava que poderiam ser fachos de lanternas, mas que fora dissuadida por Maria Bonita, que lhe dissera que eram apenas luzes dos vagalumes.

Ela então talvez convencida naquela ocasião, que realmente eram lâmpadas de vagalumes, não ficou preocupada e nem disse isso ao seu companheiro Zé Sereno quando chegou em sua barraca. No depoimento ela diz que após o acontecido,  lembrando dessa conversa, esta lhe marcou a mente, que eram soldados fazendo o cerco ao Angico. Mas pergunto: que hora era  aquela da conversa, se o ataque se deu cedinho pela manhã e temos testemunhos de soldados, que disseram que às 3 horas da manhã, não tinham ainda atravessado o Rio São Francisco?


Avance para '5:03min do vídeo de Aderbal Nogueira, com trechos da entrevista do sargento Antonio Vieira que esteve no massacre de Angico, onde ele afirma o horário que estariam rumando para o cerco na grota.




A mente humana pode ser convencida por algum fato lembrado, mas que necessariamente tal fato não se deu. Boa parte das lembranças do ser humano é falsa. Jamais aconteceu. Não passa de mentiras inventadas pelo cérebro, dizem os psicólogos.

Parte das lembranças é pura imaginação. Isso porque a memória não é um registro da realidade – é uma interpretação construída pela mente. O nosso cérebro inventa o mundo, das cores que a gente vê às experiências que a gente vive. E edita essas informações antes de gravá-las.

Boa parte das lembranças é falsa. Jamais aconteceu. Não passa de mentiras inventadas pelo cérebro. Lembrar é imaginar, e imaginar é distorcer.

Em uma reportagem de Gisela Blanco e Bruno Garattoni publicado na revista Super Interessante de julho de 2018, reportando sobre isso, mostra que essas lembranças sempre afloravam no consultório de algum psicólogo, depois de sessões de terapia com técnicas de hipnose e regressão e se descobriu muitos casos de falsas memórias, que haviam sido acidentalmente induzidas por psicólogos durante sessões de hipnose. É aquela história que de tanto se falar se acredita.

"É uma interpretação construída pela mente. O nosso cérebro inventa o mundo, das cores que a gente vê às experiências que a gente vive. E edita essas informações antes de gravá-las, explica o psicólogo cognitivo Martin Conway, da Universidade de Leeds. Cientistas da Universidade Harvard pediram a voluntários que se lembrassem de uma festa em que tinham estado. Em seguida, eles deviam imaginar uma festa que ainda não havia acontecido. Os pesquisadores monitoraram as cobaias durante todo o experimento e descobriram que, nos dois exercícios, sua atividade cerebral foi praticamente a mesma. Ou seja: os mecanismos que usamos para acessar nossas memórias são os mesmos que usamos para imaginar as coisas. Uma pessoa pode ter lembranças erradas ao ler o que está gravado corretamente na sua memória,

Vocês podem até se lembrar do principal, mas todo o resto será distorcido – com direito a várias informações criadas pelo cérebro. Já que a memória e a imaginação usam os mesmos mecanismos, a mente não vê problema em dar uma inventadinha para completar as lacunas.

Essa tendência é tão forte que a Justiça possui artifícios para se defender disso, e ver se os relatos de testemunhas estão contaminados pela imaginação. Além de propor situações que não aconteceram (como no caso do americano Paul Ingram), os interrogadores evitam perguntas indutivas (“ele estava usando um boné, certo?”) ou que envolvam raciocínio negativo (“isso não está certo, né?”), pois elas acabam levando o cérebro a distorcer as memórias. Mas não há uma maneira de determinar, cientificamente, se uma lembrança é real. Nem mesmo o detector de mentiras consegue desmascarar falsas memórias, e por um motivo simples. Sabe aquela máxima que diz: uma coisa não é mentira quando você acredita nela? Pois é.

Apesar de tudo isso, é difícil imaginar uma sociedade que não acreditasse na memória das pessoas. Não existiria verdade nem realidade coletiva, pois cada indivíduo viveria isolado em seu próprio mundo de lembranças. “A crença na memória é fundamental para várias instituições da sociedade, como a Justiça e as escolas”, afirma Schacter. Ainda bem. Pois, no futuro, nossas memórias serão totalmente diferentes."

Então amigos, não era porque Sila estava mentido. Ela e Maria Bonita realmente conversaram naquela pedra e a lembrança que Sila teve quando algum tempo depois, alguns dias depois ou talvez meses, quando ela lembrou ficou gravado em sua mente que aquelas luzes de lanternas eram dos Soldados. Mas não poderia ser pois, a que horas elas estavam conversando em cima daquelas pedras? Era 3 horas da manhã? Eu duvido que isso se deu nessas horas entre 3 e 4 da manhã! Provavelmente deveria ser, essa conversa, antes de 22h.

Mas aí já entra da minha parte essa interrogação. Mas sinceramente acho muito difícil que essa conversa tenha se dado as 3 horas ou 4 horas da manhã pois os soldados ainda estavam atravessando o rio.


Documentário: Aderbal Nogueira

terça-feira, 13 de agosto de 2019

O Globo, 27 de dezembro de 1932

Evangelho do bacamarte

Transcrito por Raul Meneleu

O jornal o Globo em matéria de 27 de dezembro de 1932 (fac-símile acima) faz uma crítica mais que justa, apenas usando um pouco de sarcasmo, indica que a maioria dos casos em que envolviam cangaceiros, se dava por falta de justiça e isso envolvia uma melhor condição de vida para a massa populacional daquela época. E critica: "Nem com bizantinices de condenações lavradas a distância. O combate armado correrá paralelamente à obra humana do saneamento - ou será ineficaz, como tem sido até agora!"





EDUCAÇÃO, SAÚDE, SEGURANÇA, EMPREGO, MORADIA, INFRAESTRUTURA são as ações saneadoras que o jornal falava lá em 1932. Precisamos como nunca, que os governos possam direcionar suas administrações para isso. Quanto à Segurança, preparar melhor os oficiais e policiais para que possam cumprir seus deveres com respeito e integridade como orienta a lei.

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Lampião mata Joventino

Crime traçado nas terras de Água Branca

Por João de Sousa Lima

Água Branca em Alagoas foi uma das cidades que sofreu a fúria do cangaço. em 1922 Lampião realizou o famoso saque a Baronesa de Água Branca, a senhora Joana Vieira. Os povoados Tingui e Alto dos Coelhos era reduto de cangaceiros e viu também as ações violentas do cangaço, onde várias pessoas foram mortas.
   
Um dos capítulos de morte nessas terras aconteceu na Fazenda Riacho Seco, de propriedade de Abel Torres, filho da Baronesa de Água Branca.

O crime aconteceu por consequência de uma fofoca. Um rapaz chegou em Água Branca procurando emprego como vaqueiro e falaram que pra trabalhar como vaqueiro estava difícil pois os cangaceiros estavam espalhados por toda região.

O rapaz respondeu que para Lampião tinha era um "Parabellum" pra atirar nele. falou isso em um movimentado dia de feira, onde coiteiros andavam vasculhando informações. No mesmo dia Lampião ficou sabendo da afronta do jovem Joventino.

Joventino conseguiu trabalho nas terras de Abel Torres e foi morar na fazenda Riacho Seco, próximo a divisa de Água Branca com Olho D´água do Casado. Nessa fazenda tinha duas casas, residindo em uma delas o senhor Antônio Zezé e em outra morava Joaquim Gomes.

O autor defronte a antiga casa de Antonio de Zezé.

Joventino ficou na casa que morava Joaquim Gomes. Lampião ficou sabendo do paradeiro de Joventino e foi com "Pitombeira" (Zacarias Bode), Luiz Pedro e mais dois companheiros. Os cinco cangaceiros se aproximaram da casa onde estava Joventino.

Lampião já no terreiro gritou:

- Joventino cadê o Parabellum que você tem pra atirar neu?

Joventino saiu da casa e quando chegou no alpendre os cangaceiros o pegaram e o rapaz negou o recado desaforado que tinha mandado pra Lampião.

- Isso é mentira!!!!
   
Lampião sem contar conversa atirou no rapaz que já caiu morto. Com o corpo do rapaz ensanguentado no chão os cangaceiros entraram na casa, o cangaceiro Pitombeira encontrou o senhor Antônio Laurentino (Lorentino). Este era vaqueiro que tinha os pés aleijados. Pitombeira tinha uma antiga rixa com Antônio Lorentino e viu nesse momento a oportunidade de se vingar.

A intriga entre os dois começou por causa de uma cerca que Pitombeira estava fazendo e invadindo um pedaço do terreno do patrão de Lorentino, na fazenda do Talhado. O proprietário Abel Torres empatou de Pitombeira fazer a cerca e ai criou-se uma intriga entre o futuro cangaceiro e o vaqueiro.
Pitombeira e outros cangaceiros seguraram Antônio  Lorentino para matar e nesse momento outro vaqueiro, chamado Mané Egídio atravessou na frente de Pitombeira e falou:

- Esse daqui você não mata não!!!

Lampião olhando a cena, sentenciou:

- Aqui não se mata ninguém, esse daqui fica pra ir a visar ao patrão pra ele vir enterrar o defunto!

Esse valente vaqueiro Mané Egídio que livrou o amigo da morte certa, mais tarde tornou-se o famoso cangaceiro "Barra Nova", um dos bravos homens do grupo de Lampião.

Em abril de 2019, eu, Aldiro Gomes, Thomaz Deyvid e Raul Sandes, estivemos nessa fazenda e nas duas casas conhecendo esses dois monumentos que viveram a história do cangaço. Uma saga vivida entre a razão e a violência onde homens pagavam com as vidas por uma simples palavra empenhada, muitas vezes simples palavras jogadas ao vento, sem intenção de se transformar em verdade. tempos difíceis e conturbados. Hoje escombros cobrem os sangues do passado e marcam os fatos vivenciados nessas terras.....

Escombros da casa onde Lampião matou o jovem vaqueiro

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Os TIROS que mataram Lampião

Palestra de Ivanildo Silveira durante o Cariri Cangaço 10 Anos

Aderbal Nogueira registrou um dos melhores momentos do Cariri Cangaço 10 anos realizado no último dia 26 de Julho em Juazeiro do Norte,CE.

Dá o play e tire suas conclusões


Impressões que construiram a história

A resistência física dos homens do Cangaço                      

Artigo de Luiz Luna, publicado no Diário de Notícias (RJ) em 09/07/1961




O que impressiona nesses homens (tanto soldados como cangaceiros) é a extraordinária resistência física. Levando vida de nômade, vencendo quilômetros e quilômetros na caatinga adusta, subindo e descendo serras e tabuleiros, enfrentando e dominando a hostilidade violenta dos carrascais agressivos, resistiam a tudo. Não consta (procuramos, inclusive, investigar o caso, através de depoimentos de participantes e contemporâneos) que um só cangaceiro ou soldado das “volantes” houvesse morrido de outra enfermidade, a não ser em consequência de bala.

Muitos, porém, entre eles o próprio Lampião, diversas vezes alvejado, sobreviveram aos ferimentos, alguns graves, sem contudo receberem assistência médica adequada.



Os meios de tratamento e as condições de higiene eram, como se pode imaginar, os mais precários e rudimentares. Na época, desconhecia-se o poder das sulfas e dos antibióticos e os cangaceiros, por sua vez, não se davam ao luxo de procurar médicos ou mesmo farmacêuticos para curar as suas feridas. O tratamento fazia-se entre eles, com o conhecimento que tinham de medicina caseira e outros que as necessidades ensinavam. Para estancar o sangue, usavam pó de café, mofo e até excrementos de gado empregavam para fazer sarar os ferimentos. Ervas ditas medicinais, que brotam espontaneamente nos baixios e vazantes, eram largamente usadas.

Havia também as rezas, invocadas profusamente para curar todos os males do corpo e da alma. Os curandeiros proliferavam por toda a zona sertaneja, como de resto acontecia em todo o Nordeste, sempre desprovido de assistência médica. Curiosos, dotados de extraordinário dom de improvisação e imitação do homem nordestino, encontram-se com facilidade em todos os recantos da região. Lampião mesmo era um deles. Servia de parteiro às mulheres do bando, como já assinalamos neste trabalho, e também encanava braços e pernas, fazia pequena cirurgia e tratava dos ferimentos dele e dos companheiros.



Eram, pois, fisicamente fortes os homens envolvidos nas lutas do cangaço e isso está comprovado pela resistência orgânica que demonstraram em tantos anos de campanha cruenta. Tanto os cangaceiros como os soldados das “volantes” eram, em geral, tipos longilíneos, magros, mas de compleição atlética. Os tipos brevilíneos do litoral e da zona da mata, quando alistados na Polícia Militar, nunca eram destacados para as forças “volantes”, integradas de preferência por homens da área sertaneja, mesmo porque muitos deles se tornavam soldados com o fim deliberado de perseguir cangaceiros, por motivos de vingança, decorrentes, da maioria das vezes, de brigas entre famílias. Muitos desses soldados, homens bravos e decididos, atingiram o oficialato, como é o caso do coronel Manuel Neto, major Manuel Flor, capitão Guedes e tantos outros, cujas promoções se deram sempre por atos de bravura.

Naturalmente que a alimentação sóbria e mais sadia do que a dos nordestinos das demais zonas, influiu de modo considerável na resistência orgânica do homem do sertão. Talvez repouse nisso o segredo da resistência física do cangaceiro e do soldado das “volantes” ao enfrentarem condições tão adversas em suas constantes lutas e andanças.



Não nos consta que houvesse um cangaceiro ou um soldado (pelo menos nunca os vimos nem os soubemos assim) que apresentasse o tipo adiposo que geralmente encontramos na área do açúcar ou que apresentasse, como é comum na faixa verde dos canaviais, sintomas de certas doenças, que costumam deixar as marcas da sua destruição nas pernas inchadas, no ventre empanzinado (a chamada “barriga” d’água) ou nas feridas, como “boba” e “boqueira”, enfermidades facilmente encontradas na população do Nordeste açucareiro. No sertão, não se vê o tradicional homem pequeno e amarelo do litoral e da zona da mata, de pernas bambas e barriga grande, que o folclore glosou na faixa rural do município de Goiana, em Pernambuco:

“Amarelo de Goiana
Come sapo com banana.”



O sertanejo é um tipo delgado e enxuto e assim foram os homens que se envolveram nas campanhas do cangaço.

Soldados e cangaceiros comiam a mesma comida do sertão, na base do milho e da carne, do leite e da rapadura. Fruta quase não entra na dieta dos sertanejos e muito menos verdura, que ele mesmos costumam dizer que “homem não é coelho para comer folhas”. Os cangaceiros, mais do que os soldados, em vista da ilegalidade da vida que levavam, lutavam com maior dificuldade no setor da alimentação. Como verdadeiros nômades, hoje aqui, amanhã acolá, carregavam o alforje de alimentos, juntamente com o rifle e o bornal de balas. No alforje, levavam carne de sol, geralmente de bode, carne de charque, farinha de mandioca e rapadura; café, bolachas, milho pilado e requeijão, que comiam cru ou assado. Associando o milho ao leite, faziam o cuscuz e o angu e, ao fruto do umbuzeiro, a “umbuzada”, alimento muito apreciado no sertão  nordestino.




Nos armazéns e nas feiras, das vilas por onde passavam, nas casas-grandes das fazendas e nos “coitos”, que os acolhiam, faziam a provisão para a boca e para o rifle. Nos bons “coitos”, regalavam-se.

 Parte da histórica milícia Nazarena: Gervásio de Souza Ferraz, Raul Ferraz, Manoel Concordio, Manoel Ferraz, Antonio de Belo, Olegario Pereira na Fazenda Curral Novo, Floresta-PE.


Comiam carne fresca de boi, de cabrito ou de carneiro e secavam ao sol o restante para o sustento nas caminhadas incertas. Das vísceras do cabrito ou do carneiro, preparavam as deliciosas “buchadas”, que comiam acompanhadas de alguns tragos de aguardente, vinho e cerveja quando encontravam. Mas, com moderação, pois cangaceiro não podia se exceder em bebidas, diante dos perigos a que estavam expostos e que exigiam de sua parte toda atenção e precaução. Lampião, que era infenso ao álcool, mantinha os cangaceiros no regime de pouca bebida e punia severamente os que se excediam.
Com carne e leite frescos, queijo e coalhada, comidos nas fazendas amigas, durante os dias de descanso, os cangaceiros restauravam as energias para novas caminhadas e novos combates. Curioso é que muitos preferiam o leite de cabra ao de vaca e alguns até o de ovelha, que diziam “dar mais sustança e disposição ao corpo”.


 Acontece que com uma alimentação, aparentemente sem substância, cangaceiros e soldados das “volantes” conseguiram sobreviver às enfermidades que a carência alimentar provoca. Nas fases de maior perseguição, quando não conseguiam se locomover com a relativa facilidade rotineira completavam a dieta com raízes e frutos silvestres, especialmente o piqui e o umbu, sendo que a raiz do umbuzeiro ainda lhes mitigava a sede, dada a grande porcentagem de água, que contém. Não comiam tanto açúcar nem se empanturravam de gordura como os homens do Nordeste açucareiro. Com alimentação enxuta, pobre dos molhos que dão sabor especial à cozinha das casas-grandes dos engenhos, mas capaz de equilibrar, relativamente, o metabolismo basal, o cangaceiro, como acontece com todos os sertanejos, conservava o organismo em condições de resistir às constantes perdas de energias, que as suas ingentes atividades provocavam.


 Ao pressentirem a época das grandes estiagens, procuravam locais mais favorecidos, principalmente na região sanfranciscana de Sergipe, onde a seca custa a chegar e, assim, nos “coitos”, que consideravam seguros, aguardavam melhores dias para novas investidas no coração sertanejo. Foi depois de um descanso desses, que Lampião e seus cabras entraram em Queimadas, no sertão da Bahia.

Transcrito por Antonio Correia Sobrinho