segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Pedro Carolino de Sousa

De refém a sargento de volante

Por Luis Bento


O então distrito de Macapá, hoje Jati, por se localizar na região sul do cariri cearense, fronteira do Estado com o Pernambuco, sempre viveu conturbados dias de conflitos por cangaceiros que assolavam na região.


Jati - CE


No início do ano de 1938, aconteceu no sítio Oitis no então distrito Macapá, um episódio envolvendo Pedro Carolino e o cangaceiro Moreno. 


Pedro, ficou refém do grupo por determinadas horas, sobre ameaças de morte, enquanto seu cunhado Noia Gomes foi imbuído a uma missão, de ir ao distrito efetuar compras de alimentos e munição para o bando necessitado.

 

Pedro Carolino de Sousa

"Vivi momentos de angústia, todo instante era ameaçado de morte, caso meu cunhado falhasse as exigências do grupo,  por pouco não morri, acredito que agente só morre quando chega o dia".  Assim comentou Pedro Carolino ".

            

Dias após o acontecido, Pedro Carolino e seu cunhado Noia Gomes, procuraram o Quartel General da Cidade de Juazeiro do Norte e foram dar combate ao  grupo cangaceiro que atuava na região.

INACINHO

Morador do Rio, filho de cangaceiros do bando de Lampião lembra história marcante de reencontro com o pai e a mãe, em Minas

Inácio Carvalho Oliveira, hoje com 86 anos, passou mais de 40 dias no cangaço antes de ser deixado com um padre no interior de Pernambuco.

Por Elcio Braga — O Globo

PM reformado do Rio é o último nascido dentro do bando de Lampião

Apesar de ser apenas um bebê quando viveu no bando de Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião, o pernambucano Inácio Carvalho Oliveira, de 86 anos, carregou por grande parte da vida o peso de ser filho do cangaço. Para fugir de constrangimentos e das zombarias, deixou Tacaratu, pequena cidade no interior de Pernambuco, para viver no Rio de Janeiro, onde o passado entre os cangaceiros seria omitido. Curiosamente, aproveitou a oportunidade para se tornar um homem da lei. Fez carreira na Polícia Militar, onde foi reformado. Atualmente, entre todos que estiveram no bando de Lampião, apenas ele e a própria filha do rei do cangaço, Expedita Ferreira, de 92 anos, estão vivos.


Inácio é casado e mora com Maria Odete Moraes Carvalho, com quem teve um casal de filhos, em Vista Alegre, na Zona Norte do Rio. Lúcido e saudável, costuma passear pela cidade e manter uma rotina com boas caminhadas.


— Hoje, Inacinho e Expedita Ferreira, filha de Lampião e Maria Bonita, são as duas últimas pessoas que estiveram “dentro” do cangaço e com Lampião ainda em plena atividade, se assim podemos dizer. Embora Expedita tenha permanecido alguns dias com os pais, ela não nasceu no cangaço. Maria se ausentou para o parto. Ficou em um “coito” (esconderijo) até a criança nascer — explica Geraldo Antônio de Souza Júnior, pesquisador do cangaço e responsável pelo canal Cangaçologia, no YouTube.

Inácio Oliveira aos 67 anos, ao reencontrar os pais, Moreno e Durvinha, e os cinco irmãos em MinaS. Foto: Acervo pessoal


O último dos cangaceiros foi José Alves de Matos, o Vinte e Cinco, natural de Paripiranga (BA). Ele morreu aos 97 anos em 2014, em Maceió (AL). Lampião, Maria Bonita e mais nove integrantes do bando não resistiram ao ataque da volante (força de segurança) na Grota do Angico, em Sergipe, em 1938.

Lembranças turvas

O filho do cangaço não sabia quase nada sobre suas origens. Tudo o que conhecia até os 67 anos era que os pais, os cangaceiros Moreno e Durvinha, expoentes do bando de Lampião, o haviam deixado com o padre Frederico Araújo, pároco da pequena Tacaratu, no interior de Pernambuco. Uma carta acompanhava a criança: trazia o nome dos avós. Os pais alegaram que o bebê, ao chorar, vinha chamando a atenção das volantes que os perseguiam.


Inácio e a irmã Lili, que iniciou a busca pelo irmão, e a mãe, a cangaceira Durvinha, após o fim do segredo do passado no bando de Lampião.
Foto: Reprodução (Fernando Lemos)

Depois da morte de Lampião, os pais tiveram de abandonar o cangaço às pressas. A perseguição aos cangaceiros remanescentes era intensa. Na fuga, Moreno e Durvinha cruzaram a pé por 60 dias o interior do Nordeste até Minas Gerais, onde passaram a residir escondidos. Durvinha ainda levou uma picada de cobra no caminho e quase morreu.

Moreno, cujo nome verdadeiro era Antônio Ignácio da Silva, passou a se chamar José Antônio Souto, impossibilitando dessa forma ser descoberto pela Justiça e por antigos rivais. Durvalina adotou o nome de Jovina — conta Geraldo.


Durvinha, mãe de Inácio Oliveira, num filme de Benjamin Abrahão Calil Botto proibido no Estado Novo — Foto: Reprodução

Em 2005, aos 67 anos, Inácio estava sem esperanças de ter notícia dos pais. Mas a curiosidade da irmã mais velha Neli “Lili” Maria da Conceição daria fim ao segredo. Pressionada, Durvinha contou a ela que deixara um filho com um padre em Tacaratu antes de se mudar para Minas. O menino nascera debaixo de uma quixabeira, árvore espinhosa típica da caatinga, possivelmente em território alagoano (embora tenha sido registrado em Pernambuco). Neli ligou para a pequena cidade e deixou o contato para o suposto irmão retornar. Inácio, que morava no Rio, ligou de volta:

— “Como é o nome da sua mãe?” Neli respondeu: “Jovina Maria da Conceição”. Aquilo foi um balde de água gelada, porque eu sabia que o nome da minha mãe era Durvalina — relata Inácio, lembrando a frustração.

Lampião com uniforme do Batalhão Patriótico — 
Foto: Pedro Maia

Mesmo assim, o PM reformado resolveu esticar a conversa e pedir para falar com a tal Jovina. Ele se emociona ao recordar.

A senhora tinha um apelido? Era chamada de Durvinha? A senhora era do arrasta-pé? — perguntou Inácio, citando detalhes que só a mãe biológica poderia saber.

Como você sabe disso? — respondeu Durvinha, dando a entender que sabia do que se tratava.

— Puta que pariu! Achei minha mãe — concluiu Inácio, vibrando com a realização de um sonho que acalentou por toda a vida.

A ansiedade com a descoberta foi tão grande que Inácio viajou imediatamente do Rio para Belo Horizonte. Não queria perder tempo para encontrar a mãe, o pai e seus cinco irmãos que nem sequer sabiam da história do cangaço. Dois dias depois, ele chegou à casa da nova família, saudado com fogos e festa. Conforme combinado previamente, abraçou ao mesmo tempo o pai, a mãe e a irmã mais velha. Foi a melhor solução para o impasse: todos queriam abraçá-lo primeiro.

Inácio Carvalho Oliveira foi deixado mais de um mês após o nascimento para ser criado por um padre. Os pais cangaceiros tiveram de fugir — 
Foto: Reprodução (Fernando lemos)

Diante do passado

Só a partir daí Inácio saberia detalhes da vida dos pais no bando do rei do cangaço.


Meu pai foi chefe de grupo do bando. Era como um quartel. Tinha um comando geral que era do Lampião. E eles espalhavam a companhia para um lado e para o outro. Senão a polícia atacava e matava todo mundo — explica.


Moreno era reservado e pouco comentava sobre os tempos do cangaço.

Meu pai precisava confiar muito na pessoa para falar alguma coisa. Ele contava as bravuras. Um dia, ele me disse: “Meu filho, tenho certeza que matei 22 pessoas. Só que foram mais. Só não contabilizei porque tão fui lá conferir” — relata.

Durvinha se destacou no período do cangaço. Inicialmente, foi casada com Virgínio Fortunato da Silva Neto, o Moderno, morto em ação. Logo depois, ela se relacionou com outro integrante do bando, com o qual viveria o resto da vida. É ela que aparece num filme do caixeiro viajante sírio-libanês Benjamin Abrahão Calil Botto. Ela abre um sorriso e aponta a arma para a câmera. O filme que retrata em 14 minutos Lampião e seu bando no Sertão, entre 1935 e 1936, chegou a ser proibido na ditadura do Estado Novo. No entanto, os rolos empoeirados da película foram redescobertos em arquivo público em 1955.

Ao contrário dos pais biológicos, Inácio seguiu o caminho da lei; entrou para a Polícia Militar do Rio — 
Foto: Reprodução / Fernando Lemos


Visão tolerante

Apesar de ter conhecido a mãe com idade muito avançada, Inácio guarda boas recordações da curta relação em visitas regulares ao longo de três anos.

A minha mãe era uma doçura. Me colocava no colo e ficava fazendo carinho na minha cabeça — recorda o PM reformado. Me sinto feliz. Conheci meu pai, minha mãe. Foram casados de fato e de direito — conta ele, que se abatia ao ler a expressão “pai desconhecido” em sua certidão de nascimento.

O reencontro com o filho possibilitou que os ex-cangaceiros voltassem a ter contato com os parentes deixados para trás, com a fuga da polícia e posterior troca de identidade. Após quase 70 anos, a família toda voltou a se reunir no Nordeste. Durvinha morreu aos 92 anos em 2008, e o marido, aos 100, em 2010.

Apesar de ter ficado ao lado da lei por ser PM, Inácio tem hoje uma visão mais tolerante sobre o cangaço.

Depois de 67 anos após ser deixado com um padre, Inácio reencontra o pai, Moreno, chefe de grupo no bando de Lampião — Foto: Reprodução (Fernando Lemos)


Várias pessoas já me perguntaram como classifico o cangaço. Se falarem que os cangaceiros são ladrões, é verdade: roubavam. Eles matavam e furtavam, mas com uma diferença. Eles roubavam o cabrito, o boi e outros animais para se alimentar e não para comprar drogas. O furto deles era para dar a quem tinha menos. Se o fazendeiro tinha muitas posses e era ruim, ele pedia dinheiro para dar aos mais pobres. Meu pai e minha mãe diziam que Lampião não era ruim. Era mau só quando faziam algo contra ele — comenta Inácio.

Para o pesquisador Geraldo Júnior, Lampião é um mito que merece muitas reflexões sobre a História do Sertão. Mesmo 86 anos após sua morte, o rei do cangaço é motivo de debate acalorado entre admiradores e críticos.

Há os que definem os atos de Lampião como heroicos, possivelmente por desconhecer a sua verdadeira biografia, enquanto outros o enxergam apenas como um bandido frio, cruel e sanguinário. Herói ou bandido? Uma resposta que jamais será unânime, mas que continuará ecoando através do tempo e atraindo curiosos e estudiosos — opina.

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

O Reencontro

Ex-cangaceiros e ex-volante em 1968

Por Jaozin Jaaozinn

 
Registro fotográfico do reencontro do ex-volante Adriano Ferreira de Andrade (utilizando um casaco marrom, no canto inferior direito), com os ex-cangaceiros (da esquerda para a direita) Criança, Marinheiro e Zé Sereno, em um almoço promovido por Maria Cristina da Matta Machado e Humberto Mesquita, no ano de 1968, em São Paulo.



Para quem vê o registro destes homens "mansos", de fala tranquila e já na meia idade, nunca pensaria que, há 32 anos atrás, eram ferrenhos inimigos, equipando-se com bornais, cartucheiras, punhais, cantis, jabiraca e chapéu, e o velho companheiro fuzil. Era briga de gato e rato nos carrascais do agreste nordestino.


Adriano, natural da Bahia, entrou na força volante em 1936, por causa de uma pisa que recebeu do famoso chefe de sub-grupo, o terrível Zé Sereno, pertencente a família Engrácia. Naquele momento, dedicou sua carreira no combate contra os cangaceiros, principalmente ao bando de Sereno, e só parou a sua campanha quando o último dos últimos caiu baleado no chão, o Corisco, em maio de 1940. 

 

Adriano e Zé Sereno

O ex-policial estava presente na Grota do Angico, no dia 28 de julho, onde presenciou a morte do companheiro Adrião e dos 11 bandidos, na somatória do cachorro Guarany. Mesmo pela batalha ganha naquele momento, Adriano ficou frustrado por não ter conseguido aniquilar seu desafeto.
 

Agora nessa foto, encontram-se as duas feras – que por muito tempo trocaram tiros pelo sertão e dariam de tudo para uma maior aproximação, com o objetivo de matar seu inimigo – em pouquíssimos metros de distância, com um largo sorriso no rosto, além de apertos de mãos, relembrando aqueles episódios de sangue e pólvora.


𝐹𝑂𝑁𝑇𝐸𝑆: 𝑅𝑒𝑣𝑖𝑠𝑡𝑎 𝑅𝑒𝑎𝑙𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒/𝑅𝐽 - 1969; 𝐹𝑜𝑟𝑐̧𝑎𝑠 𝑉𝑜𝑙𝑎𝑛𝑡𝑒𝑠 𝑑𝑒 𝐴 𝑎 𝑍 - 𝐵𝑖𝑠𝑚𝑎𝑟𝑐𝑘 𝑀𝑎𝑟𝑡𝑖𝑛𝑠.

terça-feira, 30 de julho de 2024

Ruínas da Fazenda Capoeiras

Antiga morada do pai das cangaceiras Rosinha e Adelaide

Por Manoel Belarmino

Registro de 28 de julho de 2024

Nas margens do São Francisco, nas proximidades do Povoado Curralinho, em Poço Redondo (SE) está a Fazenda Capoeiras que, no tempo do cangaço, pertenceu ao pai das cangaceiras Adelaide e Rosinha.

    Rosinha

Lé Soares era filho de Maria da Invenção do Maranduba e casado com Pureza (dos Camburanga) de Curralinho. Duas filhas do vaqueiro Lé Soares foram para o Cangaço. Rosinha seguiu o cangaceiro "Mariano" e Adelaide acompanhou o cangaceiro "Criança".

Rosinha ficou viúva quando o seu companheiro Mariano foi morto em um combate com as volantes. Ela tentou deixar o subgrupo, mas foi morta pelos próprios cangaceiros nas Pias das Panelas, também em território de Poço Redondo. 

Adelaide morreu por complicações no parto, nas proximidades de Curituba.

Lé Soares, depois que as suas duas filhas entraram para o Cangaço deixou as suas terras da fazenda Sítio, no Maranduba, e mudou-se com esposa e filho(a)s para a sua fazenda Capoeiras.

Antes de morrer, Rosinha teria se demorado uns 15 dias com os seus pais nas Capoeiras.

sexta-feira, 19 de julho de 2024

"Ele estava em Angico"

Soldado Otávio Alves da Mota
 

Por Helton Araújo (Canal Cangaço Eterno)
 

Hoje falarei sobre mais um personagem que ficou  oculto em meio a história desse fenômeno social que até hoje mexe com nosso imaginário.
 

Otávio Alves da Mota, nasceu em Itabi-SE, no dia 14 de setembro de 1914 e antes de se aventurar na luta contra os cangaceiros era um simples lavrador, que vivia do suor de seu digno trabalho. Assim como outros tantos, as circunstâncias que os sertanejos da época eram submetidos o fez ter de escolher um lado na guerra entre cangaceiros e volantes.
 


Os motivos que levaram este homem a decidir encarar um desafio tão árduo não foram poucos. Lampião e seu bando atearam fogo no armazém da família da sua então noiva, além do mais, o bando de Mariano extorquiu o pai de Otávio, o mesmo foi molestado e humilhado pelo bando do feroz cangaceiro, além de seus familiares terem animais mortos pelo bando desse mesmo cangaceiro.
 

No ano de 1932, Otávio entrou para volante como soldado contratado, além de também ter trabalhado como rastejador. Atuou de início com o Cabo Nicolau (que seria assassinado anos depois), em seguida com o tenente Zé Rufino e por último com o tenente João Bezerra.
 


Em suas lutas e sofrimentos em perseguição aos cangaceiros, o destino cuidou de colocar em seu caminho um antigo desafeto, o afamado cangaceiro Mariano. Como bem sabemos na região do Cangaleixo em 10 de outubro de 1936, Mariano, Pai Velho e Pavão foram mortos e decapitados pela volante de Zé Rufino, onde em tal ocasião trabalhava o soldado Otávio.
 

Além desse fato, Otávio esteve presente nas mortes dos cangaceiros Serra Branca, Eleonara e Ameaço. Onde integrava a volante de João Bezerra, ele também aparece na foto das entregas dos cangaceiros, onde se fazem presentes junto com os volantes, Pancada, Maria Jovina, Cobra Verde, Vinte e Cinco, entre outros cangaceiros.
 


Já o ápice de sua luta contra o cangaceirismo, foi na famosa ação na grota do Angico em 28 de julho de 1938, onde foram mortos Lampião, Maria Bonita e mais 9 cangaceiros, sendo uma testemunha ocular de um dos fatos mais famosos da história do cangaço. Neste mesmo ano de 1938, o soldado Otávio encerrou suas atividades como volante.
 

Um fato curioso sobre o soldado Otávio é que ele era muito amigo de Antônio de Jacó, o "Mané Véio" e também de Pedro de Cândido, famoso coiteiro de Lampião.


Com o dinheiro que recebeu por seus atos naquele fatídico dia, rumou com sua esposa Eutália Gomes da Mota para o interior de São Paulo onde comprou uma chácara e passou a trabalhar com suínos. Depois disso se mudou para Xambrê no estado do Paraná, onde trabalhava como administrador de uma grande fazenda.
 

Já idoso e acometido por alguns problemas de saúde, um de seus filhos o levou para morar consigo na capital de São Paulo, onde o mesmo veio a falecer meses depois, aos 96 anos por falência múltipla de órgãos, no ano de 2010.
 

O soldado Otávio foi mais um entre tantos que viveu e presenciou as terríveis situações que o cangaço oferecia naquela época. Deixou boas informações para seus familiares, que em breve vos apresentarei em postagens e em uma  live com seu neto Osmar. 







 Agradeço pelas fotos e informações ao amigo Osmar Pedroso , neto do soldado Otávio Alves da Mota.

terça-feira, 2 de julho de 2024

Lampião em Sergipe

A proteção dos Britto´s

Transcrição de Jaozin Jaaozinn

Dos maiores protetores de Virgolino nas regiões de Sergipe, destacam-se duas famílias: Família Carvalho, de Eronides, e seu pai Antônio Caixeiro; e a Família Britto, de Francisco Porfírio e seus filhos.
 


Enquanto trabalhava como almocreve e com couro, Virgolino mantivera contato com a família Britto por muitos anos, cerca de doze ou mais; onde, não só conseguiu um bom dinheiro como também uma grande amizade e um grande futuro protetor das regiões de Sergipe e Alagoas.


Delphina de Lima Britto, Dona Fina, e Francisco Porfírio de Britto, o Chico Porfírio, eram os pais de Hercílio Britto e Antônio de Lima Britto, o Totoinho Britto, os seus principais coiteiros do cangaceiro Lampião. O clã era espalhado por toda a região de Sergipe e Alagoas, eram donos de inúmeras fazendas e terras, como, por exemplo, as fazendas Cuiabá, Canindé, Telha, Patos, Félix Deserto, Pedra D'água, Planta Milho, e tantas outras.
 

João Ferreira, quando se instalou em Propriá/SE, teve contato com Hercílio e sua família, ficando amigos por muito tempo. Em outubro de 1930, da passagem do bando para o estado de Sergipe, Lampião ficou hospedado na fazenda Jundiaí, de Hercílio Britto, onde, à noite, foi levado para a morada do seu irmão (de Lampião), conseguindo ainda assistir a passagem da tropa revolucionária de Juarez Távora, no momento sendo comandada pelo Tenente Juracy Magalhães.
 

Além da proteção garantida, O Cego recebia também armamentos e munições da família do Baixo São Francisco. Desde a prisão de Volta Seca e sua entrevista para os jornais que o jovem bandoleiro afirmava como sendo os Britto's principais fornecedores de armas para o bando; inclusive, entre esse ano, ocorreu uma varredura nas fazendas do Clã, conseguindo encontrar cerca de oito rifles e fartas caixas de munições.
 

Fato interessante de citar é de João Bezerra ser um "aparentado" dessa família. João acaba se casando com Crya Gomes de Britto, filha de Francisco Correa de Britto e de Emiliana Gomes de Britto, neta do Coronel Antônio Britto, o Antônio Menino (filho de Porfírio Romão de Britto Chaves) - Antônio Menino era irmão de Chico Porfírio -.
 

Crya nasceu no interior de Alagoas, no município de Piranhas, em 12 de março de 1915, e brincou entre a fazenda Gerimum e sua casa, juntamente com seus 14 irmãos. Casou-se com João em 1935, prometida por seu avô. Aos 21 anos de idade, incentivou as campanhas de seu marido contra os cangaceiros. Quando chegava seu esposo com sua volante, transformava a sua casa em uma improvisada enfermaria e hospedaria, ajudando quem quer que fosse.
 

Na morte de Virgolino, pelas forças volantes comandadas por Bezerra e demais, a fazenda Cuiabá, de Chico Porfírio, foi a principal que abriu as portas para os sub-grupos decidirem se continuariam ou iriam se entregar para as forças policiais. E, através desse contato do Tenente com os Britto, além também de Joca se safar da morte, o vaqueiro Domingos Ventura, da fazenda Patos, de Antônio Menino, acaba sendo cruelmente morto junto com seis membros de sua família, em uma falhada vingança do Diabo Loiro.
 

 

 

Nesse breve resumo, podemos ver as influências que essa família teve com o cangaço, principalmente com o reinado Lampiõnico, favorecendo ou desfavorecendo o afamado Capitão. 

Com as palavras de Archimedes: “pelos Britto ele sobreviveu, mas pelos Britto ele também morreu."
 

𝐹𝑂𝑁𝑇𝐸𝑆: 𝐿𝑎𝑚𝑝𝑖𝑎̃𝑜 𝑒 𝑜 𝐶𝑎𝑛𝑔𝑎𝑐̧𝑜 𝑛𝑎 𝐻𝑖𝑠𝑡𝑜𝑟𝑖𝑜𝑔𝑟𝑎𝑓𝑖𝑎 𝑑𝑒 𝑆𝑒𝑟𝑔𝑖𝑝𝑒 - 𝐴𝑟𝑐𝒉𝑖𝑚𝑒𝑑𝑒𝑠 𝑀𝑎𝑟𝑞𝑢𝑒𝑠; 𝐹𝑎𝑚𝑖𝑙𝑦𝑆𝑒𝑎𝑟𝑐𝒉

terça-feira, 21 de maio de 2024

José Kehrle

O padre alemão que fez história em Serra Talhada

 


O “Viagem ao Passado” resgata para os leitores um pouco da história Padre José Kehrle, um dos primeiros da família alemã a desembarcar no Brasil e a fincar raízes em Serra Talhada. O jovem padre chegou à cidade com 21 anos de idade e só foi em embora por perseguição política, as vésperas da decretação do Estado Novo, em 1936, aos 35 anos.

A foto em destaque foi doada à Paróquia de Nossa Senhora da Penha por uma de suas sobrinhas que reside em Serra Talhada, a Professora Emma Kehrle. Dona Emma que também doou um óculos de uso pessoal do padre, uma imagem do Menino Jesus que ficava em seu altar particular e uma lembrancinha do seu Jubileu de ordenação sacerdotal.

As relíquias foram conduzidas pelo jovem estudante de medicina, Matheus Magalhães, até o atual administrador da Paróquia. Ainda não se sabe onde as peças serão colocadas para serem expostas ao público. Vale registrar que o Padre José Kehrle foi o responsável pelo inicio das obras da atual Igreja Matriz da Penha.

A VIDA E A OBRA DE UM HISTÓRICO SACERDOTE

Os relatos abaixo resumem uma cronologia elaborada pelo próprio Pe. José Kehrle em carta datilografada para um sobrinho no ano de 1975. Nascido em 19 de maio de 1891, em Rheinstetten – Alemanha, o Padre José Kehrle chegou a cursar medicina na Universidade de Munique tendo desistido da carreira no último ano de faculdade para ingressar no seminário e tornar-se sacerdote.

Veio para o Brasil em 1909 e ordenou-se em 14 de março de 1914, em Olinda-PE tendo sido transferido no ano seguinte para Quixadá-CE onde chegou a ter contato com Pe. Cícero em Juazeiro. No ano seguinte, foi encarregado de assumir a secretaria do bispado de Floresta, onde ficou por quatro anos até, em 1919, se tornar o primeiro pároco de Rio Branco, atual Arcoverde. Nesta última cidade chegou a criar uma pequena banda e um “jornal falado”, com o intuído de gerar meios de distração para a população local.

Ainda em 1919 recebeu a ordem de retornar a Floresta junto a seu irmão, o também padre, Luiz Kehrle, onde foram incumbidos de construir uma nova catedral na cidade. Levantou-se uma discussão sobre o melhor local para erguer a construção e o padre José, por sugerir um plebiscito para a tomada da decisão, acabou sendo ameaçado pelo prefeito e seus jagunços tendo que se retirar da cidade no mesmo dia.

Nesta época, Pe. José Kehrle começou a sofrer diversas perseguições políticas tendo sido acusado de ser inimigo do Brasil (por ser Alemão) e de ser protetor de Lampião. Chegou inclusive a ser ameaçado de morte pelo chefe de polícia de Recife.

Em 1922 assume a paróquia de Nossa Senhora da Penha em Vila Bela (atual Serra Talhada) ficando também responsável pela paróquia de São José do Belmonte. Em Vila Bela deixou seu marco quando resolveu demolir a antiga igreja de duas torres (construção de traços muito rústicos e desarmoniosos para dar início à construção da atual Igreja matriz.

A construção seguiu até o ano de 1936 quando, por questões políticas, Pe. José foi transferido de volta ao secretariado da Diocese em Pesqueira. Na sede da diocese começou a presenciar diversas aparições de Nossa Senhora das Graças que lhe avisava de muitos fatos futuros de sua vida pessoal e sacerdotal (os relatos dessas aparições constam no livro: “Eu sou a Graça”, de Dom Rafael Maria Francisco da Silva).

Ainda em sua missão pelo Sertão pernambucano, o padre alemão passou pelas cidades de Venturosa, Afogados da Ingazeira, Brejo da Madre de Deus e Moxotó. Por fim, chegou em Buíque no ano de 1947, onde construiu sua casa e a Capela de Nossa Senhora das Graças, criou uma escola de educação agrícola e uma maternidade com recursos vindos da Alemanha, escreveu livros que foram censurados e atendia muitos pobres que vinham buscar remédios, esmolas e conforto espiritual.

José Kehrle faleceu em Buíque no ano de 1978, aos 87 anos. Sua grandiosa contribuição para a história do interior de Pernambuco ainda é pouco divulgada, mas seu pioneirismo e suas ideias inovadoras foram fundamentais para o crescimento e propagação da fé cristã pelo sertão do estado.

 

O Padre José Kehrle, o quarto da direita para esquerda, na farmácia do Dr. Lima Pachêco, na então cidade de Villa Bella, em agosto de 1928

 

O Padre José Kehrle, ao centro, na antiga Igreja de N. S. da Penha, construída em 1872 e demolida e 1925, o prédio ficava localizado no centro da Praça Sérgio Magalhães, no ponto onde atualmente fica o pé de catingueira metálico



 

Relíquias do Padre José Kehrle doadas pela sobrinha Emma Kehrle

Pescado em O Farol de notícias

 

Bônus: 

 

Imagem do Padre Kehrle e sua família, inédita na literatura


Em dois momentos com o célebre Frei Damião


 *Créditos das imagens Ana Ligia Lira

quarta-feira, 15 de maio de 2024

João Severo

O sapateiro de Lampião
 

Por Beto Rueda
 

Em meados de 1926, Lampião concebeu um plano para aniquilar o vilarejo de Nazaré, reduto dos seus inimigos. O plano consistia em isolá-lo do resto do mundo através da proibição da entrada ou saída de qualquer vivente, com o que acreditava levaria os moradores a total inanição, quando então daria o bote final.
 

João Severo, sapateiro conhecido, que fazia alpergatas para várias pessoas, inclusive ao chefe dos cangaceiros, foi acusado de levar e trazer mantimentos para a vila. Furioso, Lampião destacou Sabino para pegá-lo vivo ou morto.
 


 

Avisado com antecedência, João Severo mudou o seu itinerário, fracassando o célebre lugar tenente nas duas emboscadas que esse lhe preparou.
 

A partir de então, Sabino disse a Lampião que a maneira mais fácil de capturá-lo seria na festa de "renovação de santo, na casa de seu pai, na fazenda Cipó.
 

No dia da festa, João chegou a festa despreocupado e foi preso por dois cangaceiros que o levaram a Sabino e Antônio Ferreira. Era o seu fim.
 

Nesse momento, como por milagre, foi chegando o padre José Kherle (foto abaixo) que viera para rezar a renovação e intercedeu a favor do sapateiro, foi o que lhe salvou a vida.

 


O padre pediu pela presença de Lampião. Contrariado, Sabino mandou trancar o infeliz em um quarto, enquanto esperava a decisão final do chefe.
 

Sabino e Antônio Ferreira dançaram e beberam até o quebrar da barra. Lampião só chegou no clarear do dia.
 

Quando soube da prisão, Lampião mandou levar o sapateiro a sua presença e disse: "- Mas João, você como meu amigo, como pode ter me traído desse jeito?" 

Severo, sentindo o cheiro da morte ao seu redor, quase chorando, respondeu: "- Eu ando em Nazaré quase todo dia tratando dos meus negócios, compro uma solinha, os pregos e outras coisas para o meu serviço. Eu tenho família em Nazaré, não nego, como você também tem!
 

Satisfeito com a explicação do prisioneiro, Lampião ficou pensativo.
 

De repente, achegou-se Sabino de parabellum engatilhado, os olhos injetados de sangue, doido para matar. "- Como é compadre, vamos ou não vamos estourar os miolos desse infeliz?"
O rei do cangaço, sem nada responder, afastou Sabino para o lado e mandou que João Severo fosse embora em paz.
 

O sapateiro em felicidade comentou: "- Devo a minha vida em primeiro lugar ao padre José e em segundo a Lampião. Pelo gosto de Sabino, eu já era defunto a muito tempo.
Imagem: Foto de João Severo aos 93 anos, em 1995.
 

REFERÊNCIA:
LUCETTI, Hilário; DE LUCENA, Magérbio. Lampião e o estado maior do cangaço. Crato: Craturismo, 1995.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

De Pernambuco para o Rio de Janeiro

Depoimento do ex-volante Andrelino Marcolino Nogueira, para o jornal “Manchete/RJ” em 1981.

Andrelino Marcolino Nogueira, era pernambucano da região de Serra Talhada/PE, nasceu no dia 30 de setembro de 1909, sendo filho de Camilo Marcolino Nogueira e Possidônia Nogueira da Silva. Andrelino tinha nove irmãos. Ele e sua família tiveram contato com Virgulino e os demais Ferreiras.
 

Segundo o mesmo para o Jornal Manchete, disse que Lampião era almocreve e artesão no sertão do Pajeú. Em uma cajazeira que tinha na casa da irmã do volante, a Dona Águeda Possidônia Nogueira, o jovem Virgulino passava horas mexendo com os artigos de couro. Porém, a mesma mandou cortar a árvore por desgosto.
 

Era vizinho da casa de Manoel Pedro Lopes e Jacoza da Soledade (avós de Virgulino e pais do Sr. José Ferreira), e apenas o riacho São Domingos o separavam um pouquinho, entretanto, se criaram juntos.
Foi testemunha desde a juventude dos irmãos Ferreira até às desavenças que se iniciaram em meados dos anos de 1916. Cita que ainda lembra de Virgulino, Antônio e Livino quando eram trabalhadores, cuidando do gado e dos bodes da propriedade. Complementa também que foram almocreves, transportando mercadorias para as regiões de Arco-Verde, Garanhuns, Águas Belas, Triunfo, Piranhas, entre outros locais. Dá detalhes certeiros sobre a evasão dos Ferreiras e das mortes de seus pais.
 

Entrou na força volante entre os anos de 1931/1932, fugindo do seu pai (não se sabe por qual motivo). Relata que pagavam 95 mil réis por mês, utilizavam roupa cáqui ou mescla e a indumentária era extremamente semelhante com a dos cangaceiros. E por causa da estética ser muito parecida, além dos encontros de outras volantes onde, ocorriam um fogo amigo por se pensar em ser os bandoleiros, um comandante ordenou que as tropas utilizassem chapéu de massa fina.
 

Andrelino relata que andavam 45 volantes em um comando, em outro já eram 30, e quando se juntavam, chegavam à numeração de 100 militares, a cavalo, a pé, de todo jeito. E quando sabiam da notícia de cangaceiro na região, tomavam animais de quem tivesse para a melhor locomoção.
 

Atuou nas regiões da Bahia por oito meses, perambulando pelas regiões do Juazeiro, Bonfim, Barro Vermelho, Canudos, Raso da Catarina, Chorrochó e Uauá. Será que foi membro das forças de Odilon? Diz que, nas horas de se alimentarem, matavam a criação de gado também.


Possivelmente participou até o fim da campanha contra o cangaceirismo (ou até os anos de 1933/1934). Se casou com Maria Anália de Moura, com quem teve cerca de onze filhos. Não tenho as informações da data de falecimento de ambos, porém, viveram ainda nas regiões de Pernambuco.
 

Créditos:

Jaozin Jaaozinn "Cangaço Brasileiro" 

𝑭𝑶𝑵𝑻𝑬𝑺: 𝑱𝒐𝒓𝒏𝒂𝒍 𝑴𝒂𝒏𝒄𝒉𝒆𝒕𝒆/𝑹𝑱 - 1981; 𝑮𝒆𝒏𝒆𝒂𝒍𝒐𝒈𝒊𝒂 𝑷𝒆𝒓𝒏𝒂𝒎𝒃𝒖𝒄𝒂𝒏𝒂.







Foto inédita na literatura

 Sargento Deluz

Por Eduardo Marcelo Silva Rocha *

Tratar das Volantes sergipanas no combate ao cangaço não é tarefa das mais fáceis.

Os relatos sobre a profunda proteção que os cangaceiros tiveram em nosso Estado tendem a ser um óbice. Outro fator a favorecer o bandoleiro e seu grupo foram os movimentos iniciados com a Revolução de 30 que, exigindo concentração de esforços militares no início daquela década, momentaneamente diminuiu o foco de atenções ao banditismo nordestino.

O fato é que em nosso Estado a Força Pública não se furtou ao combate ao banditismo e empregou tanto seu efetivo ordinário, quanto gerenciou contratados da vida civil para tal mister.
 

Nesse contexto, podemos citar alguns comandantes de Volantes militares, como os Tenentes Stanley Fernandes da Silveira e Agnaldo Alves Celestino. Outros nomes poderiam ser citados, mas deixemos para uma ocasião futura, certamente mais oportuna do que essa.

Muitos encontros entre cangaceiros e volantes se deram em nossas terras, é verdade, mas nem sempre em tais ocorrências, as volantes eram comandadas/oriundas da nossa Polícia, uma vez que havia o acordo entre Estados e, por isso, volantes de outros estados atuavam em solo sergipano. É o caso do maior fogo ocorrido em nosso Estado, o da fazenda Maranduba, que era constituído por volantes baianas, pernambucanas…

Um dos grandes eventos registrados envolvendo a polícia sergipana foi a invasão à Canindé do São Francisco, cidade que sediava a Volante do Tenente José Vieira de Matos (oriundo do 28 BC) que seria auxiliada pelas volantes do Ten. Manoel Ramos (sergipana) e a do Sgt. Miranda (esta da Bahia). Sobre essa invasão, dois aspectos interessantes sobressaem aos interessados pelo estudo do tema.
 

Um trata-se da participação do Sarg. Deluz em uma das volantes que se encontravam na região quando deu-se a ação criminosa. Deluz, então Cabo de Esquadra sob o nº 174, integrava a força policial do Ten. Manoel Ramos.

Outro, os prejuízos infligidos ao destacamento, que perdeu peças diversas de fardamento – perneiras, sapatos, além de sabres modelo 1908, todas destruídas pelos cangaceiros que conseguiram atear fogo na sede policial.

Após a citada invasão, a volante do Ten. Manoel Ramos seria destituída e a do Ten. Matos seria reforçada, assim como a do Ten. Hermento Feitosa, futuro comandante da PMSE. Nessa ocasião, era que o então Cabo Deluz passaria a integrar a volante do Ten. Matos, antes de galgar postos mais altos em sua carreira e no vilarejo de Canindé.

Mas, debrucemo-nos mais acerca de tal figura.

Retrato Artístico do sargento Deluz (Fonte: Alcino A. Costa)

Amâncio Ferreira da Silva era, provavelmente, de um lugar chamado São Bento do Una em Pernambuco. Devido ao sobrenome e à origem, alguns já levantaram a possibilidade de Deluz ter algum tipo de parentesco com Virgulino Ferreira da Silva, pernambucano de Serra Talhada. Sendo que, até hoje não encontramos indícios que comprovem tal situação. Além disso, não existem registros sobre nenhum combate dele contra Lampião. Apesar do pai de Deluz, inclusive, chamar-se José Ferreira da Silva. Sigamos.

Fato é que nascido em 1904 provavelmente, ou 05, como dizem alguns, pouco se sabe de sua vida até o ano de 1931, quando efetivamente senta praça nas fileiras da Força Pública de Sergipe. É verdade que sua carreira na corporação é notável, uma vez que, como vimos, em um ano já era Cabo e logo seria Sargento.

No início dos anos 1940, Deluz já galgara mais uma promoção e, como Sargento, também era Delegado de Polícia em Canindé. Os relatos disponíveis dão conta de bastante truculência e arbitrariedade praticadas pela força volante de Canindé. De toda sorte, há quem diga ter sido Amâncio tão temido quanto Zé Baiano.
 

Do que se sabe, Deluz chegaria à patente de 2º Sargento, quando da sua morte em 1952. Sua exclusão das fileiras, da já então chamada Polícia Militar do Estado de Sergipe, dar-se-ia em 01 de Outubro 1952, por falecimento, conforme veremos mais adiante.

Do pouco que se sabe, Deluz seguiu sua carreira no sertão sergipano, na região do Município de Porto da Folha e nos vilarejos de Poço Redondo e Canindé. Poço Redondo, este, que ao ser emancipado selaria mortalmente o destino do ex-cangaceiro Zé de Julião, conhecido como Cajazeira, assunto para outro momento.



Captura do grupo de Pancada (Reprodução de Lampião entre a espada e a Lei - Sergio Augusto Souza Dantas)

Antes de prosseguirmos vamos contar a história sendo contada pela história – a história do cangaço em movimento.
 

Em fins da década passada, o Professor Robério Santos produziu um filme sobre o ex-cangaceiro Manoel Pereira de Azevedo, conhecido no cangaço como Jurity. Relatando a vida de Manoel, iniciando dos eventos fatídicos da grota do Angico, em 1938.
 

Sobre Manoel, o filme mostra que entregou-se após a morte de Lampião e redimido/anistiado, retomou sua vida na Bahia, tendo trabalhado como vigilante até que decidiu – ainda em início da década de 1940 – voltar ao sertão de Sergipe para reaver dinheiro e bens que deixara por lá, inclusive cobrar dívidas decorrentes da agiotagem que praticava com o saldo das participações em saques e extorsões do período de cangaço.

Fazemos outro parêntesis, observando as relações do cangaço com a agiotagem, que coincidentemente reservou à história contar duas mortes famosas no cangaço: Zé Baiano e Juriti. Mas, como dantes, isto é assunto para outro momento, fica pontuado. Além da relação bélica entre o próprio Lampião e um Coronel baiano famoso, de quem o cangaceiro cobrou dívidas queimando algumas fazendas.

Sargento Deluz

No filme, Manoel, então, volta aos rincões caatingueiros de Sergipe para acertar suas contas, para reaver seu dinheiro e outros prováveis bens que amealhara e deixara com amigos e/ou clientes. Por conta dessa viagem, Manoel/Juriti, teria a presença delatada à autoridade policial do arruado de Canindé do São Francisco, que vai encontrá-lo na fazenda de Rosalvo Marinho, onde se arranchara. Sem nenhuma condição de reação, até por já ser um homem livre, Manoel é capturado e conduzido à local ermo – chamado de “Roça da Velhinha”, amarrado em uma corda. Manoel teria sido jogado em uma espécie de coivara, onde morreria queimado.

O relato do filme, embora possa ser considerado ou não ficcional, baseou-se em obras de pesquisadores que debruçaram-se sobre o tema cangaço, em diversos momentos, inclusive ouvindo relatos de pessoas remanescentes que viram ou ouviram sobre o fatos.

Pois bem, apesar disto, o filme do professor Robério Santos foi objeto de processo judicial em nosso Estado (tombado sob o número 0044386-18.2018.8.25.0001), que, ao final, reconheceu o seu direito de exibição devido à sua natureza e relevância histórica.

Voltando a Amâncio e seu desfecho, Alcino Alves Costa, em sua obra, relata que este seria vítima de uma emboscada ocorrida, provavelmente, em 30/09/52 ou 01/10/52.

O fato é que pouco se sabe sobre a vida do militar. Na verdade, pouco sabemos sobre a vida de vários policiais volantes daquele tempo de combate ao banditismo. Nesse sentido, como curiosidade, nunca vi alguém observar que o Ten. José Lucena, que estava na ocorrência na qual foi morto o pai de Lampião, já como Capitão em 1924 serviu integrando as tropas federais legalistas aqui em Sergipe contra a insurreição do 13 de julho.

Seja qual for a verdade, fato é que a vida naqueles tempos era difícil para todos, sem exceção às forças volantes. A dureza da terra semiárida, a distância do litoral e da capital dificultava a vida e a sobrevivência de todos. Não haviam facilidades. Não podemos julgar ninguém que viveu naquele tempo com os olhos de hoje, isso é uma falha básica de avaliação que chamamos anacronismo. O máximo que podemos fazer, sem errar, é ajustar as condutas à Lei em vigor no período. Mais que isso tende a incorrer em achismo.

lista de oficiais da Polícia Militar de Alagoas empregados na força legalista no combate ao 13 de Julho em Sergipe

Por fim, sobre Deluz, não existia registro fotográfico incontroverso. Tínhamos uma foto pintura dele e uma fotografia de uma volante mista, na qual, desconsiderando uma marcação errada, supúnhamos ser ele.

Nessa última imagem, agora, temos Deluz em uma provável fotografia 3 x 4, com uniforme militar cáqui. Notemos que há uma real aparência entre os traços de Deluz com o militar da imagem anterior, destacada na fotografia da Volante completa, tirada logo após a captura do grupo do cangaceiro Pancada. Além disso, na terceira imagem, ostenta em seus braços divisas e, apesar de estar marcado com o número “XI” e na legenda constar número “IX”, nesta última há a seguinte identificação: “Sargento Diluz, comandante da volante sergipana”.

A grafia Diluz nos remete à questão dos efeitos da precariedade dos registros, uma vez que muita coisa sequer foi registrada ou se perdeu no meio do tempo até o hoje. Como não sabemos a origem do apelido Deluz, bem como não fazemos muita ideia do que seria o Brasil dos anos 30, questões de grafia não devem nos assustar, ao tempo em que pouco se podia verificar informações, estas que demoravam dias ou semanas para circular, pois muitas vezes andavam em lombos de animais ou nas pernas de mensageiros/transportadores.

Assim, já vimos registros dando conta do nome de ser Amâncio Ferreira da Luz. Uma possibilidade dessa grafia ser originada de um incauto, por não saber o nome completo ter, por convicção própria oralmente ou por escrito, informado o nome com a aquisição do “da Luz”, não por má intenção, mas por ser a referência que conhecera. Mas vamos em frente.

Deluz, com excelente relações de confiança com ao menos uma família importante da região – homem de confiança de um poderoso Coronel – somado à sua graduação militar, estava em confortável posição naqueles sertões do nosso Estado – ou mesmo de qualquer outro.

Sargento Deluz com a farda da Força Pública de Sergipe
Imagem inédita na literatura do tema.


Assim, não por acaso, casara-se com uma moça, filha de honrada e importante figura local, extremamente respeitada naquelas bandas de então Porto da Folha.

Mas o casamento não daria certo logo nos primeiros dias, uma vez que a esposa era dotada de forte personalidade, não tendo receio em demonstrar desagrados ao áspero marido. Segundo o escritor José Mendes Pereira, as brigas levaram Deluz à intimar formalmente um dos seus cunhados e até a sua sogra, algo rechaçado por sogro que teria ido ao destacamento policial pessoalmente com os filhos e entrado em luta corporal com o pernambucano. A relação familiar estaria, então destruída após esse episódio.

Nesse interregno, sobre Deluz se abate uma tragédia, a morte de sua genitora e um irmão. Por conta do fato, o 2º Sargento necessita viajar à Pernambuco, para ir atrás dos responsáveis pela morte dos seus entes queridos. É nesse momento em que se inicia o planejamento de sua morte. O que se sabe sobre este evento fatal é que ao sair em destino a Pernambuco – segundo Alcino Alves Costa – Deluz foi atocaiado e morto a tiros na ainda na estrada da sua Fazenda Araticum, sem possibilidade alguma de reação.

Terminava em 30 de setembro de 1952, a jornada do Sargento pernambucano no Estado de Sergipe, que marcou seu nome na região do então Município de Porto da Folha.

 NOTAS:

 – As informações constantes aqui, são oriundas basicamente das pesquisas de Alcino Alves Costa e José Mendes Pereira, disponíveis em fontes abertas como sites de internet e livros.

            – Créditos das imagens: 1 Alcino Alves da Costa; 2 Sérgio Dantas, 3 – Revista Noite Ilustrada de 08/11/38; 4 e 5 – acervo do autor;


É tenente coronel da PM/SE e membro da Academia Brasileira de Letras e Artes do cangaço. (eduardomarcelosilvarocha@yahoo.com.br)

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Ações na terra natal

Lampião ataca José de Esperidião na Varzinha
 
Por José João Souza
 
Em 25 de novembro de 1926, um dia antes da Batalha da Serra Grande, o bando de Lampião atacou José de Esperidião, residente na fazenda Varzinha, município de Serra Talhada - PE. 
 
Nessa ocasião, sua residência estava com alguns visitantes, os quais foram cumprimentar Rosa Cariri, esposa de José de Esperidião, por ter dado luz a uma criança, que estava com sete dias de nascido.
Rosa Cariri, ao avistar, de longe, alguns cangaceiros avisou ao marido, alertando-o para que se retirasse. José de Esperidião perguntou:
 
- Quantas pessoas você acha que vêm?
Ela respondeu:
- Uns vinte homens.
Ele disse:
- Não corro com medo de vinte homens.
José de Esperidião pegou seu rifle e dois bornais de balas e ficou entrincheirado no quarto.
Quando os cangaceiros chegaram deram boa tarde e perguntaram:
- José de Esperidião está?
Lá de dentro ele respondeu:
- Estou aqui.
Os cangaceiros disseram:
- Venha para fora, precisamos conversar.
José respondeu:
- Já estamos conversando, eu não vou sair e vocês também não vão entrar.
 
Quando as pessoas presentes notaram que estavam diante do bando de Lampião, começou a correria, o pavor foi tanto, que algumas mulheres pularam pelas janelas. Os cangaceiros perceberam que José de Esperidião não sairia e começou o tiroteio.
 
O recém-nascido, José Pereira Lima (Cazuza), filho da vítima, estava deitado em uma rede na sala e foi baleado nos dois pés (o mesmo estava com os pés cruzados). De toda ribeira ouviam-se os tiros e a maioria dos habitantes da localidade abandonaram suas casas e foram se refugiar na caatinga.
Lampião ficou sentado na calçada da casa de Agostinho Bezerra, próximo ao local. O ataque foi coordenado por Antônio Ferreira, motivado por uma vingança de um assassinato cometido por José de Esperidião na Serra Negra, no município de Floresta. Quando Lampião percebeu que o caso era demorado, foi aguardar o desfecho deitado em uma rede no alpendre da casa de Braz Estevão, um pouco mais distante do local do ataque. 
 
Segundo relatos do escritor João Gomes de Lira, os cangaceiros chegaram à casa de José de Esperidião por volta de uma hora da tarde. O tiroteio durou a tarde inteira. “Às seis horas da tarde, um cangaceiro foi até onde estava Lampião, para dizer que José de Esperidião era valente; uma fera, até parece que não morre. Assim, o que deviam fazer? Lampião respondeu e determinou que arrancassem as cercas do curral, apinhassem a madeira no pé da parede em volta da casa e tocasse fogo". 
 
O fogo destruiu toda madeira do telhado, ficou apenas as paredes em pé, no dia seguinte, uma mulher moradora da localidade, foi a primeira pessoa a entrar no recinto, pulando por cima de brasas e cinza, conseguiu chegar ao quarto da casa, onde tombou o corpo de José de Esperidião, com seu rifle na mão, bala na agulha e o dedo no gatilho. Quando a mulher pegou e puxou e rifle, o mesmo disparou. Em uma conversa informal do historiador Frederico Pernambucano de Mello, ele afirmou que, José de Esperidião era homem valente, mesmo depois de morto ainda conseguiu atirar.
 
Quando retiraram o corpo de José de Esperidião para fazer o sepultamento, não encontraram marcas de balas no corpo dele, portanto, chegou-se à conclusão de que a morte fora por asfixia provocada pela fumaça.
 
José Pereira Lima, filho da vítima, ficou com uma marca no pé pelo resto de sua vida. Geralmente, quando ia comprar sapatos, adquiria dois pares, um par 41 e outro par 42, pois um pé ficara menor.
 
Conforme consta no livro, "Memórias de um Soldado de Volante", de João Gomes de Lira, “Ao cair da tarde daquele dia, a Força que vinha distante, ouviu as últimas descargas do fogo dos bandidos contra José de Esperidião. Quando ali chegou, na manhã seguinte, só encontrou o tristíssimo quadro”.
 

 


A ferida que não cicatriza

Quando Elise Jasmin falou sobre a influência ainda exercida pelo cangaceiro na cultura brasileira

Por ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

 

O maior bandido da história brasileira chegou à Sorbonne e comparece agora nas livrarias da França em "Lampião - Vies et Morts d'un Bandit Brésilien" (Vidas e Mortes de um Bandido Brasileiro), escrito pela historiadora Élise Grunspan-Jasmin.


Originalmente uma tese de doutorado para a universidade francesa, o trabalho recebeu o prêmio de melhor pesquisa científica concedido pelo jornal "Le Monde" e pela PUF (Presses Universitaire Françaises), que está publicando a obra.


"Lampião" é ao mesmo tempo uma biografia do cangaceiro e um ensaio sobre o seu mito na cultura nordestina e brasileira. A história de Virgulino Ferreira da Silva, nascido em torno de 1897 e morto em 1938, é traçada pela historiadora por meio de variados registros: documentos, imagens, depoimentos, reportagens jornalísticas e versos de cordel.


As diferentes fontes narram as sucessivas "vidas" e "mortes" criadas para o bandido, em suas duas décadas de cangaço e depois. Em Lampião, a sociedade brasileira projetou múltiplos conteúdos simbólicos, que expressavam as suas contradições concretas a respeito da posse da terra, das diferenças raciais, da violência, do sertão e da unidade nacional. "A história de Lampião é um vai-e-vem contínuo entre imaginário e real", diz Grunspan-Jasmin, 34. Leia a seguir trechos da entrevista.

Folha - O que levou uma historiadora francesa a se interessar pela história de Lampião?
Élise Grunspan-Jasmin -
Primeiro, porque seu mito impregna até hoje a cultura do Nordeste, onde eu vivi durante um tempo, em Recife. Depois, porque a fotografia foi parte integrante desse mito. Eu trabalhava anteriormente sobre os traços históricos nas fotografias e fiquei impressionada com a profusão de imagens desse personagem, desde o início de sua trajetória até a sua morte. Creio que a primeira foto que vi de seu grupo de cangaceiros foi a das cabeças cortadas e exibidas publicamente pelas forças da ordem. A imagem me chocou muito, pelo cuidado extremo de encenação fotográfica e a dimensão simbólica que foi visada na cenografia dessa morte.

Folha - Por que a encenação da morte é importante no caso de Lampião?
Grunspan-Jasmin -
A encenação da morte, feita pelo poder público, ocorre tanto com Lampião quanto com Antonio Conselheiro. Esses personagens simbolizam o sertão como um espaço de barbárie, que não poderia ser penetrado pela dita civilização, e a impossibilidade para o Brasil de obter a sua unidade nacional. Assim, em ambos os casos, as práticas de poder visam à destruição do mito e a uma despossessão pós-morte. No caso de Conselheiro, as autoridades impuseram que seu cadáver fosse desenterrado e fotografado em seguida, para só depois ter direito à decapitação. Como ele havia se apropriado de uma terra, ele é tirado dela, não tem o direito de ficar ali. No caso de Lampião, é o ato de decapitação, de separar o corpo em dois, que é determinante. Como ele não tinha terra, mas dominava um território e carregava suas riquezas sobre o próprio corpo, então é sobre esse corpo que se deve agir. Efetivamente, sua cabeça é cortada e o resto do corpo é deixado sem sepultura.

Folha - Da parte de Lampião, não haveria também um desejo de encenação do cangaço?
Grunspan-Jasmin -
Claro. Esse é um dos aspectos geniais do personagem. Ele utilizava a mídia, a fotografia, tudo que diz respeito ao visual, como a vestimenta, para a construção de seu próprio mito e de sua própria imagem. Isso é uma das grandes particularidades e um dos traços modernos desse personagem.

Folha - Por que o sertão interessou pouco os historiadores, como a sra. afirma em seu livro?
Grunspan-Jasmin -
Isso está mudando progressivamente. O sertão simbolizou para o Brasil essa impossibilidade de encontrar uma forma de unidade nacional. Era uma espécie de encrave arcaico, uma região considerada fora do tempo e da história, que não poderia ser desenvolvida. Ainda hoje, é bastante estigmatizado. Trata-se de uma questão que permanece aberta, a saber: como um país se constrói a partir dessa cristalização de uma região que sofre, como uma ferida sempre aberta, e revela frequentemente a essa nação a sua incapacidade de representar um corpo sem sofrimento.



Folha - O Brasil que a sra. descreve é um país guerreiro e violento, muito diverso da imagem dominante de um povo pacífico e conciliador.
Grunspan-Jasmin -
No início, meu trabalho era sobre o cangaço e certos aspectos da cultura nordestina por meio da violência. Para mim, que não conhecia direito o país, essa violência se amplificava nas imagens que via. O que me interessou em Lampião e em todas as projeções que fizeram dele é que se trata de um certo momento da história do país em que se vê uma violência exacerbada, seja dos cangaceiros, seja das forças da ordem. Ao mesmo tempo, vê-se uma força de vida, uma potência do imaginário e da criatividade muito grande. É uma ambivalência que faz a história desse período ser muito interessante.