quinta-feira, 9 de maio de 2019

Jornal A Província (PE) – 23 de setembro de 1926

'Uma carta' de Lampião

Texto de Carlos Escobar transcrito por Antonio Corrêa Sobrinho



Compadre amigo. – Desde que nós teve junto, no Juazeiro, pra batizar o Toniquinho, não tive mais o prazê de me encontrar com o padrinho de minha cria. Mas um cabo da polícia de S. Paulo me informô que o compadre tá escrevendo pra um jorná muito brabo – U Cumbate, e me lembrei de lhe propô um negócio muito vantajoso para nós dois ambo. Vai esta carta por mão própria, e o compadre pode pôr as pontuação onde quisé e mascar os verbo como burro o emborná vazio.
Nós nasceu para andireitá o Brasil. Eu como rei e o compadre como Papa. Vamos fazê esta obra de caridade.

Nós tem de começar pela Constituição do Catete. Nós tem de muda o nome daquilo. Chamaremo a Constituisebo que vamos dá aos brasileiros; o primeiro dever do cidadão é trabaiá pra nós, ainda que tenha de tirá o pão da boca de seus fios. Só nós reconhece um dereito que é calá a boca, para não apanhã com canos de borracha, no corpo da guarda.

O equilíbrio financeiro nós faz mandando os cafezais de S. Paulo pro amazonas e os seringais do Norte para o Sul. O Instituto do Café ficará sendo o esqueleto do organismo político. Representará uma caveira de boi na roça de mio. Pra pagamento dos empréstimo, adotaremo a ideia de Lenine: fintá os credor.

Não há voto secreto. Voto aberto como no tempo em que (...) cantava nos costado do eleitor. A nossa Constituição ordena que se vote em quem nós mandá e que o deputado só fale o que nós quisé.
Não haverá lei de prensa. A única que nós admite é que os jornais tragam diariamente o retrato de Lampião. E si encherem as colunas com tesoura, pagarão dois cobres por linha, sob pena de força e depois prisão na sala comum, por toda a vida.

A única escola boa é não saber ler. Convidaremo o conde de Afonso Celso pra reorganizar a instrução pública. Não admitimos outra arte senão o tambor e a viola. O Menotti del Picchia será aclamado o primeiro poeta brasileiro, para escrever o poema de tia Rita, quando ela tinha dezoito anos e ponhava o lencinho vermeio no pescoço. O Carlito passava para a viola a “Bela Adormecida”.

A única religião que nós admite é a reza na capelinha do Senhor Bom Jesus do Arrocho, com foguetes, café e biscoito, caninha do Ó e bate-papo. Os padre pode ser nossos os governos. Consentiremos que andem de saia preta e recolham as esmolas das igrejas.

Nada de “cabeça seco”. Tenho raiva de soldado como de dor de dente. O nosso exército se comporá de jagunços. E pra homenagear em vida o padre Cícero, pregaremos o bicho num pedestal de cimento armado. Quando ele morrer passaremos lhe por cima uma camada de piche.

A fim de abaixar os fretes da Ingresa, restabeleceremos as tropas de burro na Estrada Vergueiro. E sobre os trios da Central, para se evitarem desastres, correrão carros de boi. A Light terá, como prêmio, os (...) do Ceará, para as suas represas. Suprimiremo os banco. Guarde cada um o seu dinheiro num lenço amarrado à barriga da perna.

Tal será a Constituisebo desta República, que se poderá chamar monarquia, à vontade dos contribuintes.

Aceita o negócio, compadre? Vai, para ajuda de custas, uma pele de onça.

Viva a República!
Viva a Constituição!
Viva nós!
Lampião.”


Eis a carta que recebemos do famigerado sertanejo. Ela promete, como todas as cartas de políticos na evidência. Tenham os brasileiros as esperanças de melhores dias. Lampião fala como o Messias dos estudantes do Rio Grande.

(Do Combate, S. Paulo, 7 de setembro)

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