As cabeças de onze cangaceiros que morreram na batalha da Grota de Angicos (SE), inclusive Lampião e Maria Bonita, estiveram expostas em várias cidades nordestinas. Primeiramente, foram levadas até Piranhas (AL); no local, dona Maria José de Souza Silva, na época com 11 anos, em meio a uma multidão, testemunhou o fato sombrio que repercutiu mundo afora
Piranhas (AL). "Nunca vi tanto policial na minha vida. Era volante aparecendo de tudo quanto é lado. Chegavam caminhões de todo canto cheios deles. Pensava que ia começar uma guerra. Era cabeça que não acabava mais". O depoimento é de dona Maria José de Souza Silva, 91. Em 1938, com apenas 11 anos, dona Mazé, como é carinhosamente chamada pelos moradores do Centro Histórico de Piranhas (AL), viu as cabeças dos onze cangaceiros que foram trucidados na chamada Batalha de Angicos (SE) sendo expostas na escadaria do Palácio Dom Pedro II, onde hoje funciona a Prefeitura da cidade alagoana.
"Os policiais desciam do caminhão carregando as cabeças. Antes de chegarem, a notícia de que vinham para Piranhas se espalhou rapidamente. Quase todo mundo saiu para o meio da rua. Era uma confusão muito grande. Todos queriam saber se era verdade ou não".
Como mora até hoje defronte ao Palácio, não foi difícil para dona Mazé à
época "escapulir" de casa para ver a cena bizarra que ganhou o mundo.
Como forma de "cantar vitória", a Polícia colocou, uma a uma, as onze
cabeças na escada.
Além de aniquilar parte do bando de Lampião, era preciso mostrar o feito à população para intimidar os demais cangaceiros e bandidos e deixar claro que o Estado, através das forças policiais, detinha o controle da segurança pública no interior nordestino onde, até então, o banditismo conseguia êxito
A escada encontra-se no mesmo local. Entretanto, antes de o prédio ser tombado, a escadaria original foi derrubada e outra edificada no mesmo local. A memória de dona Mazé já não é tão precisa para acontecimentos recentes. Todavia, quando ela foi nos mostrar o local e narrar os acontecimentos, emocionou os funcionários da Prefeitura, que se disseram surpresos com a descrição dela.
"Foi aqui mesmo. A cabeça do chefe (Lampião) ficou aqui, bem pertinho da de Maria Bonita. Fiquei assombrada, mas a curiosidade foi maior", diz dona Mazé. Segundo ela, por dias e meses não se falava em outro assunto na cidade. "Isso é coisa para a gente nunca esquecer. Mas foi assim que aconteceu".
As escadarias do Palácio Dom Pedro II, em Piranhas, foram o primeiro local a servir de exposição das cabeças decepadas em Angicos. Numa iniciativa sui generis, elas percorreram várias cidades nordestinas. Depois, permaneceram no Museu Antropológico Estácio de Lima, localizado no prédio do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, em Salvador, por mais de três décadas. Em 1969, após a promulgação de uma lei, foram entregues aos familiares e sepultadas.
Sem arrependimento
O pesquisador baiano João de Sousa Lima, natural de Paulo Afonso (BA), entrevistou o soldado Panta de Godoy, o homem que atingiu Maria Bonita pelas costas e depois cortou a sua cabeça. "O depoimento dele me foi concedido em 2001, em Canindé do São Francisco. Foi realmente muito contundente. Panta de Godoy, que já faleceu, me disse que, após balear Maria Bonita e a morte dos demais cangaceiros que se encontravam na Grota de Angicos, foi conferir a situação da mais famosa cangaceira do País. Contou que Maria Bonita ainda respirava. O sangue jorrava através da perfuração da bala. Mesmo diante do pedido para que poupasse a sua vida, puxou o facão e cortou a sua cabeça.
Ele justificou que estava numa brigada e que a atitude era plenamente normal".
Outro fato do conhecimento do escritor é em relação aos corpos dos cangaceiros mortos, já que somente as cabeças foram levadas no mesmo dia para Piranhas (AL). João entrevistou um conhecido coiteiro de Lampião que morava em Poço Redondo (SE), chamado Manuel Félix, que lhe contou ter retirado os corpos de Maria Bonita e Lampião e ter levado para o alto da gruta, onde os sepultou, perto de uma pedra. "É uma pena que tenha conseguido essa informação um pouco tarde. Quando entrevistei Manuel Félix, ele já estava bastante doente e debilitado, já não podia andar. Ainda pensei na perspectiva de alugar um jumento para subir até a gruta levando o Manuel. Mas a situação dele era realmente precária. Tanto é verdade que ele morreu pouco tempo depois. A entrevista aconteceu há 12 anos".
A exemplo de outros episódios relacionados ao cangaço, o destino dos corpos é uma incógnita. Como a Polícia chegou ao local em pequenas embarcações, não era possível carregar 11 mortos. Daí as cabeças terem sido arrancadas e os corpos deixados para trás. Uma versão é de que, como chovia na época, a água levou tudo morro abaixo para o Rio São Francisco. A outra, que teria sido confidenciada por um dos integrantes das volantes que se encontravam na Gruta de Angicos, chamado cabo Grilo, é que, quatro dias depois, um grupo da Polícia esteve na região recolhendo os restos mortais, entregues às autoridades, que deram um fim até hoje desconhecido.
Maria Bonita, a pioneira
A mulher que nasceu em Paulo Afonso (BA), em 1910, e era a segunda de uma numerosa família (de 11 irmãos), foi a primeira a entrar no cangaço, de onde não sairia com vida
Paulo Afonso (BA). Ao contrário de versão mais difundida, segundo a qual abandonou o marido para ser a primeira mulher a entrar no cangaço, ao lado de Lampião, Maria Gomes de Oliveira, a Maria Bonita, já estava separada quando decidiu mudar de vida. É o que conta o escritor João de Sousa Lima, sócio do Grupo de Estudos do Cangaço, e que entrevistou cerca de 500 personagens que participaram desse período da nossa história, no livro "A trajetória guerreira de Maria Bonita, a Rainha do Cangaço". Nele, o autor, que conversou com Zé de Nenem, ex-marido de Maria, garante que Lampião nunca a sequestrou.
"Zé de Neném me falou que estava separado de Maria há 15 dias e conheceu Lampião por meio de um tio chamado Odilon Café, que era coiteiro do cangaceiro e o levou para apresentá-lo ao pai de Maria Bonita, Zé de Felipe". Entre idas e vindas ela o acompanhou espontaneamente, com o aval da sua mãe, Maria Joaquina, que ficou impressionada com a riqueza de Lampião. Seu pai não colocou objeção, embora preferisse que ela reatasse o casamento. Logo depois, Maria recrutou sua prima Mariquinha, que se juntou com o cangaceiro Ângelo Roque da Costa". Apesar da sua importância e de aparecer em fotos de arma em punho, Maria Bonita e as outras mulheres nunca combateram.
"Dadá, companheira de Corisco, foi a única a pegar realmente em arma para lutar".
Sobrinho
Em Malhada da Caiçara, a 38km de Paulo Afonso, fica a casa onde nasceu Maria Bonita. O banco de madeira rústica é o mesmo no qual Lampião se sentou várias vezes. Para a manutenção do ambiente, denominado de Museu Casa de Maria Bonita, os herdeiros cobram R$ 5 por visitante. No entorno, residem os sobrinhos Diná, Abílio, Isaías, Maria Nilza e Nea. O sobrinho Isaías Gomes de Oliveira, 62, não viu a tia famosa, já que nasceu em 1956, 18 anos após a sua morte.
Porém, cresceu ouvindo as histórias dos seus pais e tios. "Minha tia era uma mulher muito determinada. O ex-marido, Zé de Neném, era um farrista. Ele foi para um forró e voltou na madrugada do outro dia. Minha tia encontrou um pente no bolso dele. A desavença foi por causa disso. O pente tinha o nome de outra mulher". Apesar de reconhecer que a opção pelo cangaço foi um erro, ressalta que a maneira como ela foi morta foi cruel. "Tiraram sua vida, mas não apagaram seu nome da história". A única filha de Maria Bonita e Lampião é Expedita Ferreira Nunes. Aos 85 anos, reside em Aracaju (SE) e foi criada por um casal de amigos.
Pescado em Diário do Nordeste
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