sábado, 21 de janeiro de 2012

"A Tarde” 16 de maio de 1931

Horácio de Mattos... A morte...

Transcrito em graphia de época por Rubens Antonio

Numa explosão de odio, um guarda civil mata tiros o cel. Horacio de Mattos, tradicional chefe sertanejo
Declarações attribuidas ao criminoso que não se arrepende do que fez

No Largo 2 de Julho fora um homem assassinado! E correu gente para o local. Phisionomias assustadas indagavam o nome da victima.

A reportagem policial d’A TARDE movimentou-se chegando ao local do crime minutos após. O facto se dera precisamente ás 7 horas e 30 minutos da noite. Uma onda enorme de curiosos fechava em circulo o cadaver do coronel Horacio de Mattos, tradicional chefe politico sertanejo. estava deitado de bruços sobre o leito da linha de bondes, que vae da rua Democrata, antiga do Hospicio, no local entre o Armazem Novo elegante e a rua do Areial de Baixo, tinha o pescoço retorcido, vendo-se com segurança um filete de sangue que escorria de sua bocca semi-aberta, onde brilhava uma fila de dentes de ouro.

Caído ao lado estava o seu chapéo de feltro, preto. A fio comprido, junto a sua mão direita, encontrava-se a sua inseparavel bengala de castão de ouro. Vestia um terno preto, tendo preso entre os botões do collete o seu relogio que marcava 7 hjoras e 40 minutos. Desfigurado embora, na crispação da morte, reconhecemos a figura do cel. Horacio de Mattos.

 Cadáver do coronel Horácio de Mattos

- E o criminoso?
Era a pergunta que faziam todos os presentes. As hypotheses formuladas sobre a figura do autor da morte eram as mais desconcertadas. De arma em punho, conseguira evadir-se ladeira do Areial a baixo, perseguido pelo clamor publico.

CHEGAM OS LEGISTAS

Com a chegada dos legistas Arthur Ramos, que se encontrava de plantão, e Estácio de Lima, aquelle perito de lapis e papel em punho procurou fazer ali mesmo um schema do local do crime e outros apontamentos para a descripção da perinecroscopia.

A camisa de listra do cel. Horacio de Mattos estava manchada de sangue no lado esquerdo, na altura do peito. Aberta a mesma constataram se dois ferimentos por bala um na ponta do mamillo, com a sua destruição e outra a 5 ou 10 centimetros mais a cima.

Neste momento, o delegado Tancredo Teixeira, que não se fizera esperar tomava todas as providencias necessarias, não só para a identificação do criminoso, como tambem a sua captura.
Varias pessoas apontavam como testemunhas do facto os emprgados do armazem Novo Elegante.
Um rapazinho de nome Gonçalo Braga levado á presença da autoridade, explicou
- Vi o assassino.
Era um homem alto , cheio de corpo, todo de escuro e chapéo de palha. Atirou contra o cel. Horacio de Mattos, de frente, fugindo em seguida, ladeira abaixo, de arma em punho. Como esta declaração do rapazinho, mil conjecturas foram feitas pelos presentes.

O prof. Estacio de Lima, neste momento, providenciava a remoção do corpo para o Instituto Nina Rodrigues.

Do cadaver fora tirado um revolver “schimidt” com 6 balas intactas e a importancia total de 5:020$200.

COMO SE DEU O CRIME

A reportagem de A TARDE” avida por colher notas para o noticiario de hoje, interrogava os presentes.
Ninguem sabia ao certo como se dera o crime, mas affirmavam que o criminoso atirara de frente, com segurança, quando o cel. Horacio de Mattos passava em frente ao Areial de Baixo.
Ao longe, ficaram vendo-o tres moças e uma menor.

As moças eram as suas cunhadas Amerina, Ayda e Maria e, a menor, a sua filha Horacina. Ao verem os disparos, aquellas moças entraram com a menor, apenas indo até junto ao corpo a de nome Amerina, a quem o guarda civil ali presente pediu que se retirasse.

O cel. Horacio de Mattos morava actualmente com a sua familia na residencia do seu compadre e amigo o ex-deputado dr. Arlindo Senna, á rua Accioly, 17. Depois de ter jantado saíra para ver a sua cunhada de nome Arlinda que se encontrava doente. Mal sabia que ali perto, na esquina da rua do Areial, a morte o esperava traiçoeiramente.

A PRISÃO DO ASSASSINO
- Foi preso o assassino! O assassino entregou-se á prisão!
Foram estas as primeiras palavras que se ouviu, quando o corpo do cel. Horacio era posto no caixão.
O delegado Tancredo Teixeira juntamente com algumas testemunhas do facto, dirigiu-se para a Secretaria de Policia.

O criminoso ia ser identificado. Quem seria? Porque matara? era inimigo da sua victima ou agira sob alguma influencia extranha? Pairavam duvidas. Emquanto isto o legista Arthur Ramos, de vela em punho, examinava o local do crime, procurando as capsulas das balas.

Chegada a caravana na Secreataria de Policia e conhecido o autor do crime, foi geral a estupefação. Era elle o guarda civil 97, Vicente Dias dos Santos, que servira ha dias na Delegacia da 2ª Circumscripção. Era tratavel com todos e tinha com comportamento.


 Vicente Dias dos Santos 
O assassino
.
como explicar o caso? Elle, entretanto, mostrava-se de uma calma apparente. De quanto em quando esboçando um leve sorriso, sorriso amarello, dizia: - Foi um bandido que desappareceu...

O delegado Tancredo Teixeira a esta sua primeira phrase, deitou-o incommunicavel. - Era preciso - disse a autoridade - ia ouvil-o sob sigillo.

A CAUSA DO CRIME

Aquella determinação do delegado Tacredo Teixeira foi o bastante para aumentar a curiosidade de todos.
- Porque teria o guarda morto o cel. Horacio de Mattos?
No entanto, a reportagem da A TARDE assim que teve conhecimento do nome do accusado, desvendou todo o mysterio. O guarda civil 97, pelo que parecia tinha um odio de morte do cel Horacio. A ninguem elle negava a sua magua.

Conta o criminoso que a sua familia, que era de Morro do Chapéo, de onde é filho, foi bastante perseguida pelo cel. Horacio. Que o que elle fizera fora apenas “tirar uma fera do sertão”.
O cel Horacio de Mattos, proseguiu, de uma feita mandara espancar o seu irmão de nome Pedro Dias dos Santos, garimpeiro do cel. Aurelio Goudim. Que o povo de Horacio depredou fazendas do seu pae, denominadas “Alagoinhas” e “Duas Barras”, que fica no Morro do Chapeu. Que elle proprio fôra jurado pela gente da sua victima, não podendo ir áquelle municipio.

O crime não premeditara. Encontrava-se no local, accidentalmente, quando viu o seu inimigo passar.
Teve logo uma repulsa medonha, comettendo o crime e fugindo, indo esbarrar numa casa á rua da Gameleira, onde se entregou a Cicero Mullulo e o seu collega de n.27. A sua arma comprara por 40$ em mão d eum soldado revolucionario.

QUERIA GARANTIAS DE VIDA

É do conhecido publico o modo porque foi preso o accusado. O sr. Olival Salles Pontes, empregado do Archivo criminal, conta que ao ver passar o acusado deu o alarma com um apito.
elle, porem, não se intimidou, e apezar de grande numero de pessoas que corriam ao seu encontro foi esbarrar na casa 17, á Gamelleira casa do sr. Eusebio dos Santos, onde procurou occultar-se.

Foi ali - disse a testemunha Cicero Mullulo que fui buscalo-o. Elle entregou-se a mim e ao guarda 27 sem a menor relutancia. Queria apenas que garantissemos a sua vida. Chamado um auto de praça foi elle transportado para a Secretaria de Policia. Alem do revolver, Vicente estava armado com um punhal que foi tambem entregue ao delegado Tancredo Teixeira.

A NECROSCOPIA

Pela manhã de hoje, foi procedido o exame de necroscopia pelos legistas Egas Muniz e Arthur Ramos.
Notaram logo elles tres orificios de entrada e dois de saída.
O primeiro orificio de entrada no 7° espaço intercostal esquerdo, a 4 centimetros á esquerda da columna dorsal; trajecto: transfixiando a massa pulmonar esquerda, lesando ligeiramente o ventriculo esquerdo, saindo ao nivel da região precordial (4° espaço intercostal esquerdo).

Segundo orificio de entrada na região axillar direita, atravessando o pulmão direito, lesando a aorta ascendente, e saindo na 3ª costella, fracturando-a ao nivel da articulação chondro-esternal, á esquerda. Hemorrhagia fulminante, 3 litros de sangue liquido e coagulos na cavidade pleural.
3° orificio de entrada ao nivel do acromio esquerdo, encontrando-se um projectio de chumbo (de revolver) encravado no omoplata esquerdo.

Em suma: foram 3 disparos de traz para diante e da esquerda para a direita. Morte por hemorrhagia fulminante, por lesão larga da aorta ascendente

QUEM ERA O MORTO

O cel Horacio de Queiroz Mattos era de côr branca, casado com d. Augusta Medrado de Mattos, negociante fazendeiro, era residente em Lençóes e encontrava-se nesta cidade preso sob palavra. Deixou cinco filhinhos menores Horacina, Tacio, Judith, Horacio e Ruth. O seu corpo, ás 12 horas d ehoje, foi removido para a residencia do sr. Arlindo senna, á rua do Accioly de onde sairá o enterro para o cemiterio do Campo Santo.

Féretro de Horácio de Mattos
“A Tarde” de 18 de maio de 1931...


Saída do féretro do coronel Horácio de Mattos, da residência onde se deu o velório.
No instante representado na fotografia, à saída do local, Horacina de Mattos, filha do coronel Horacio de Mattos, presta homenagem diante do seu caixão. Aos seis anos de idade, andava de mãos dadas com o pai, quando este foi assassinado.
Após breves palavras, em honra do pai, depositou sobre seu esquife a flor que tinha em mãos.

Horacina de Mattos

2 comentários:

Sidney Leal disse...

- Excelente trabalho de pesquisa, texto fantasticamente rico em detalhes. Parabéns a toda a equipe!!

Kiko Monteiro disse...

Obrigado pela visita e atenção Sidney

O mérito desta pesquisa é de cumpadi Rubens Antônio do Blog Cangaço na Bahia.