quarta-feira, 27 de julho de 2011

A Violência do Cangaço de Jesuíno Brilhante (1871-79) e a Violência do Século XXI.

Por: Epitácio de Andrade Filho.
                                    
“O único animal que ataca seus pares de forma premeditada é o homem, e por isso, carregamos o ‘título’ de o mais violento do reino animal”.

Foto: Julio Schiara
A violência humana é um fenômeno caracterizado pela manifestação do comportamento agressivo, que está relecionado à persistência de impulsos psicológicos primitivos, voltados para os mecanismos mentais destinados à preservação da espécie humana.
                            
Anthony Asblaster, em verbete no “Dicionário do Pensamento Social do Século XX”, reporta-se ao dilema conceitual acerca da violência, afirmando que não há conclusões absolutas, nem incontroversas sobre o tema.  Segundo o Dicionário de Antônio Houaiss, violência é a “ação ou efeito de violentar, de empregar força física (contra alguém ou algo) ou intimidação moral contra (alguém); ato violento, crueldade, força”. No aspecto jurídico, o mesmo dicionário define o termo como o “constrangimento físico ou moral exercido sobre alguém, para obrigá-lo a submeter-se à vontade de outrem; coação”.
                            
Por outro lado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência como “a imposição de um grau significativo de dor e sofrimento evitáveis”. Porém, alguns cientistas sociais afirmam que o conceito é muito mais amplo e ambíguo do que essa mera constatação de que a violência é a imposição de dor, a agressão cometida por uma pessoa contra outra; mesmo porque a dor é um conceito muito difícil de ser definido.
                            
No cenário da literatura internacional, do final do século XIX para início do século XX, é o escritor russo Fiodor Dostoievsky, em “Crime e Castigo” e o austro-húngaro Franz Kafka, em “O Processo”, quem ficcionam a temática da violência; o neurologista Sigmund Freud começa a desvendar alguns segredos da mente humana com a formulação das teses sobre o inconsciente, consolidadas num campo teórico-conceitual, chamado Psicanálise, que suplantará as teses eugênicas de Cesare Lombroso, constituídas na sua antropologia criminal, no tocante às explicações sobre a agressividade humana.

Dostoiévski

Kafka
Freud

No Brasil, neste mesmo período, estabeleceu-se uma importante polêmica de correntes de pensamento, envolvendo os chamados “alienistas”, precursores da psiquiatria moderna, quando de um lado estava Raimundo Nina Rodrigues, defensor de teses racistas, que afirmavam a inferioridade das raças não-brancas, baseando-se no pensamento lombrosiano; e do outro lado, estava Juliano Moreira, o primeiro psiquiatra negro do Brasil, que defendia a humanização dos tratamentos aos doentes mentais, com base nas primeiras formulações sobre a determinação social do processo saúde-doença mental e nas teses psicanalíticas, chegando a acolher no Hospital Nacional de Alienados do Rio de Janeiro, o líder negro da Revolta da Chibata João Cândido Felisberto, em 1910, e depois resgatou para seu acervo museológico o crânio do cangaceiro Jesuíno Brilhante, morto numa emboscada fatal comandada pelo arquiinimigo Preto Limão, em dezembro de 1879.  
Nina Rodrigues

Juliano Moreira

A guerra, a fome, a tortura, os assassinatos e o preconceito são algumas das variadas manifestações da violência humana. Na comunidade internacional de direitos humanos, a violência é compreendida como todas as violações dos direitos à cidadania (vida, propriedade, liberdade de ir e vir, de consciência e de culto); aos direitos políticos (direito a votar e a ser votado, ter participação política); aos direitos sociais (habitação, saúde, educação, segurança); aos direitos econômicos (emprego e salário) e culturais (direito de manter e manifestar sua própria cultura). As formas de violência, tipificadas como violação da lei penal, como assassinato, seqüestros, roubos e outros tipos de crime contra a pessoa ou contra o patrimônio, formam um conjunto que se convencionou chamar de violência urbana, porque se manifesta principalmente no espaço das grandes cidades. Não é possível deixar de lado, no entanto, as diferentes formas de violência existentes no campo.
                   
O fenômeno do cangaço é uma das principais expressões históricas da violência rural. Este fenômeno social é conceituado pela Professora Lúcia Souza, mestre em Geografia pela Universidade Federal da Paraíba, onde desenvolveu a dissertação intitulada “Lugares de Memória: Jesuíno Brilhante e os Testemunhos do Cangaço nos Sertões do Oeste do Rio Grande do Norte e Fronteira Paraibana”, como sendo um fenômeno geohistórico que aconteceu na área delimitada pelo semi-árido nordestino, a partir de meados do segundo império, com o conflito dos Brilhantes com os Limões, passando pela sanha de Antônio Silvino e Lampião, dentre outros chefes cangaceiros, até a morte de Corisco em 1940, cuja violência dos homicídios e pilhagens praticadas pelos seus bandos de guerreiros nômades da caatinga ocorria em paralelo ao Estado imperial, e depois republicano.


Estado -paralelo de Jesuíno Brilhante
                             
Na fundamentação teórica de Antônio Gramsci, onde se discorre a relação do Estado com a Sociedade, encontram-se elementos conceituais acerca do chamado “Estado-paralelo”, onde o fenômeno do cangaço pode ser teoricamente, inserido. A ausência do Estado foi, portanto, determinante para que a violência do cangaço de Jesuíno Brilhante, relacionada com os conflitos familiares do Sertão Nordestino, mas precisamente, com o segmento étnico representado pela Família Limão, tivesse se estabelecido por quase uma década, dando-se conformação histórica a um verdadeiro “Estado-paralelo”, que foi classificado como “Cangaço por vingança, por justiça”.
                                                      

Antonio Gramsci

No episódio do “Saque a Cadeia de Pombal” (1874), a mais segura do Sertão, onde Jesuíno Brilhante resgatou seu irmão Lucas, preso após ser surrado em Conceição da Miséria, na zona rural do município paraibano do Catolé do Rocha, a ação do cangaceiro ocorreu no sentido de reparar a situação de injustiça promovida pelos dominantes do poder político do estado imperial.
                                
Por outro lado, os seus principais algozes, “os Limões”, estabeleciam alianças estratégicas com estes setores dominantes, após terem se libertado do maior flagelo da humanidade, a escravidão. Com a condição de ex-escravos, o clã dos Limões foi chamado de “negros” para ser mantido numa condição de inferioridade social.
                                 

Já no episódio que ficou conhecido como “O Fogo de Imperatriz” (1876), a ação cangaceira do bando de Jesuíno Brilhante tinha a intenção de resgatar uma moça depositada na casa de um próspero senhor da cidade de Imperatriz, hoje Martins. Era comum, na época, a inicial sexual dos filhos de fazendeiros se dar pela sevicia das filhas dos moradores. Jesuíno, determinando o casamento da moça seviciada com o filho do patrão agressor, inseria outra família na divisão da terra.
                                 
 Patriarca do clã dos Limões   
Reprodução: Emanoel Amaral

O saque aos comboios da seca de 1877 marca a principal estratégia de marketing do cangaço de Jesuíno Brilhante. Distribuindo os gêneros aos flagelados, até mesmo pelo fato de não ter onde armazená-los, espalha sua fama de justiceiro, ao mesmo tempo em que combate os Limões, que controlavam o comércio incipiente da região. O marketing do cangaço de Jesuíno difere, totalmente, de Lampião, que era espalhar o terror. Na época do cangaço ainda não existia os programas dos meios de comunicação que espetacularizam a violência.
                                  
O resgate histórico destas modalidades da violência do cangaço de Jesuíno Brilhante se faz necessário para a compreensão dos determinantes do fenômeno, que se apresenta no século XXI com outras facetas, mas gerando o mesmo sofrimento na população. A epidemia de violência que ora é vivenciada, só será possível ser superada, com educação, saúde, cultura... Do contrário, a humanidade seguirá o caminho inverso do processo civilizatório: o regresso à barbárie.   
                          
 
*Conferência elaborada para apresentação na abertura do evento: ‘’Cangaço e Negritude’’, realizado em Currais Novos/RN, no dia 08 de julho de 2011.

**Médico Psiquiatra e Pesquisador Social.


Um comentário:

Anônimo disse...

quero desde-ja agradecer ao pesquisador dr epitacio pelo exelente livro que o mesmo lançou no exento em currais novos-RN e dizer que o exento foi muito maravilhoso

assina CAPITÃO VANDERLI