terça-feira, 12 de julho de 2011

Jornal da Pampulha, Belo Horizonte, MG. Edição de 9 de Julho, 2011.

Refúgio para o cangaço
Ex-integrantes do bando de Lampião, Durvinha e Moreno viveram em BH.

Por Débora Fantini


Foto: Leonardo Lara

Ex-integrantes do bando de Lampião, Durvinha e Moreno encontraram em Belo Horizonte um refúgio, onde viveram a partir da década de 1970, mais especificamente em bairros na região Norte. Os ex-cangaceiros guardaram o passado em segredo por mais de meio século.

Pouco antes de morrer, porém, deixaram suas histórias registradas em depoimentos que conduzem o recém-lançado "Os Últimos Cangaceiros", primeiro documentário em longa-metragem a focar o fenômeno social e cultural do cangaço. Enquanto o filme percorre o circuito de festivais, sem data de exibição agendada em BH, o Pampulha apresenta esses dois personagens que protagonizaram atos de banditismo e heroísmo pelo sertão nordestino.


 Matéria de capa visse?

A entrada dos dois no cangaço foi como reza a lenda. Numa jogada irônica do destino, o pernambucano Antônio Inácio da Silva, vulgo Moreno, passaria de candidato a policial recusado a cangaceiro convidado por Lampião. "Ele perambulou sertão adentro procurando emprego, queria ser policial, mas não o admitiram por ter baixa estatura e físico aparentemente frágil. Acabou convidado para ser cangaceiro e aceitou, tornando-se um dos maiores matadores de policiais do cangaço", relata o historiador baiano João de Sousa Lima, autor do livro "Moreno e Durvinha: Sangue, Amor e Fuga no Cangaço".

A baiana Durvalina Gomes de Sá, após sofrer maus-tratos da família na infância, foi para o cangaço aos 15 anos, apaixonada por Virgínio, vulgo Moderno, e após a morte deste, passou a viver com Moreno. É ela a mulher sorridente que avança para a câmera de revólver em punho no filme de Benjamin Abrahão, responsável pelo registro iconográfico do cangaço. "Fiquei encantado ao descobrir que Durvinha era a mulher que aparecia no filme do Benjamin atirando em frente à câmera", revela o cineasta Wolney Oliveira, que incluiu no documentário algumas cenas feitas pelo fotógrafo sírio-libanês.

Braço direito de Lampião, Moreno era exímio atirador. Admitiu ter cometido 21 assassinatos - e nunca sofreu um tiro. "Sabia que Moreno era homem de confiança, mas não que ele tinha matado tanta gente. Para relatar esses crimes para a equipe, foi necessário um processo demorado até conseguirmos convencê-lo", diz o cineasta.

Fuga

Durvinha e Moreno sobreviveram à emboscada que matou Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, na gruta de Angicos, Sergipe, em 1938. Após o episódio que marcou o declínio do cangaço, o casal ainda perambulou por dois anos entre Alagoas e Pernambuco até decidir fugir do Nordeste, deixando um filho aos cuidados de um padre na cidade natal de Moreno, Tacaratu (PE).

"Os dois empreenderam uma verdadeira odisseia. Fugiram com roupas comuns, de sertanejos retirantes, ajudados pelo cônego Frederico Araujo. Margearam o rio São Francisco durante três meses, até chegarem a Minas. Para aqueles que encontravam pelo caminho, apresentavam-se como romeiros retornando de Juazeiro do Norte", resume Sousa Lima.

Em Minas Gerais, instalaram-se primeiro em Augusto de Lima (a 249 quilômetros de BH) e assumiram novas identidades: Jovina Maria da Conceição Souto e José Antônio Souto. Tiraram o sustento da fabricação e venda de farinha - paralelamente, Moreno também foi proprietário de bordel - e tiveram quatro filhos, dos quais esconderam o passado cangaceiro.

O segredo de Moreno e Durvinha só foi revelado em 2005, por uma das filhas do casal, a funcionária pública Neli Maria da Conceição, hoje com 60 anos. A pista foi uma foto do primogênito - Inacinho - que ela encontrou em uma das mudanças da família. "Minha mãe falava que teve de deixar o filho no Nordeste por causa da seca, então, ficava imaginando que meu irmão estava passando dificuldade", afirma.

Durante anos, Neli endereçou cartas a programas de televisão na esperança de encontrar o paradeiro do irmão. "Minha mãe dizia que nunca iriam descobrir quem era Jovina da Conceição e José Antônio Souto, mas eu sequer desconfiava que fossem nomes falsos", lembra a funcionária pública.


 Neli guarda um memorial da história dos pais.  
Foto Daniel Iglesias

Tendo os primeiros nomes do irmão e do padre como únicas pistas, Neli pôs-se a telefonar para as casas paroquiais de cidades pernambucanas. Em Tacaratu, descobriu que o irmão Inácio Carvalho Oliveira, hoje com 68 anos, estava vivo, morando no Rio de Janeiro. Logo a família se reuniria pela primeira vez. "Meu pai começou o relato dizendo: sabe aquela cicatriz que tua mãe tem na coxa? Aquilo foi bala de um ‘macaco’ (termo pelo qual os cangaceiros referiam-se aos policiais). Sem saber que os crimes tinham prescrito, ele pediu segredo", lembra Neli que, contrariando Moreno, levou os fatos a público e ajudou a escrever mais um capítulo da história do Brasil.


Jazigo com status de monumento

Antônio Inácio da Silva, o Moreno, e Durvalina Gomes de Sá, a Durvinha, enterraram o passado no cangaço ao fugir para Minas Gerais e trocarem de identidade, mas viveram assombrados pelo medo da degola. Num destino oposto, os restos mortais dos ex-cangaceiros repousarão em um jazigo com status de monumento.

Há dois meses, a Prefeitura de Belo Horizonte doou um túmulo no Cemitério da Saudade para Durvinha, a pedido de Neli da Conceição, filha do casal. Esse tipo de cessão é feita apenas em casos especiais, como a relevância histórica dos ex-cangaceiros. A família não precisará gastar com a aquisição do jazigo nem com a sua manutenção.

Ser enterrado em túmulo era considerado “uma bênção” para Moreno. “Meu pai nos contava que decapitavam os cangaceiros, mostravam a cabeça para o público, mandavam analisá-las em laboratório e deixavam os corpos perdidos. Por isso, fizemos como ele pediu, soltamos foguetes durante o sepultamento”, conta Neli.

(Clique Aqui e reveja a matéria do blog sobre o responsável por esta homenagem)

No último dia 30 de junho, o falecimento de Durvinha, que morreu aos 93, completou três anos, prazo mínimo para a transferência dos restos mortais, que começa a ser preparada pela família. Posteriormente, os restos de Moreno, que morreu em setembro do ano passado, aos 100 anos, deverão se juntar ao da companheira. “Construiremos um mausoléu imponente. O objetivo não é estimular a violência, mas relembrar uma passagem relevante da história do país”, planeja. (DF)

Informado, "Intimado" e apaixonado pela comadre Neli pesquei em: O Tempo

Um comentário:

Anônimo disse...

A memória de Moreno e Durvinha e a família merecem meu respeito e admiração. Os ex-cangaceiros, por reconhecerem os erros do passado e terem adotado uma vida digna e terem passado valores corretos para seus descendentes, facilmente reconhecidos no pouco convívio que pude ter com essas pessoas.Os filhos por respeitarem os pais apesar de saberem do passado comprometedor e terem coragem e sinceridade de expor a verdade.
Porém, como cidadão não posso estar de acordo com o gasto de dinheiro público nesta homenagem.
Este ato de consideração deveria ser prestado pela comunidade dos pesquisadores e interessados na história do cangaço.


C Eduardo.