Por Rostand Medeiros
No Rio Grande do Norte, quando o assunto é cangaço, a primeira noção que a maioria das pessoas possuem remete ao ataque de Lampião a Mossoró, a resistência do povo mossoroense ao 13 de junho de 1927, o assassinato de Jararaca e a sua metamorfose em santo popular. Na sequência, de forma esporádica, alguns recordam as andanças de Antônio Silvino no inicio do século XX, a ideia que este cangaceiro era um homem de honra e a famosa história que o mesmo mandou um dos seus “cabras” comer um litro de sal, após este ter reclamado da comida que uma mulher preparou para o grupo e esqueceu de pôr este condimento.
Por fim vem à figura do único grande chefe de um bando de cangaceiros potiguar, Jesuíno Brilhante, homem injustiçado em meio a dilacerantes lutas políticas, enviesadas de épicas lutas com acentuados e tradicionais códigos de honra. ( 1 )
De forma geral, os pesquisadores do tema no Rio Grande do Norte produziram bons trabalhos, que muito ajudaram a esclarecer os aspectos que envolvem os mistérios deste gênero de banditismo social. Contudo a história é mais ampla, diversificada e pautada de fatos desconhecidos.
As testemunhas destes episódios a muito descansam no solo sertanejo, restando a tradicional tarefa de buscar a história em carcomidas e amareladas páginas de antigos jornais, em documentos oficiais esquecidos em bolorentos e desaparelhados arquivos e na tradição contada de pai para filhos nos alpendres das antigas fazendas do sertão. A busca é difícil, mas a colheita é normalmente compensadora.
Debruçado sobre a coleção do jornal republicano “O Povo”, editado, encontramos uma série de reportagens que apontam a existência do desconhecido cangaceiro Antônio Braz e do seu diminuto bando, que além de uma extrema valentia, é apontado como sanguinário, arrogante e desaforado com as autoridades.
As notícias sobre a atuação de Antônio Braz estão contidas em várias edições deste jornal, entre os dias 23 de novembro de 1889 a 11 de agosto de 1891. ( 2 )
Tudo indica que Antonio Braz era da Paraíba, onde lhe eram creditados oito mortes em sua vida de tropelias, tendo sido condenado a uma pena de 48 anos de detenção, que cumpria na cadeia pública de Pombal. Entre os anos de 1894 e 1895, este cangaceiro fugiu desta detenção, estando há quase cinco anos vagando pelos sertões da região fronteiriça da Paraíba e Rio Grande do Norte, mais precisamente na área ao longo da bacia do Rio Piranhas. ( 3 )
Amedrontava os fazendeiros de Pombal, Catolé do Rocha e Brejo do Cruz, na Paraíba e no Rio Grande do Norte, Serra Negra do Norte e Caicó, mais especificamente a então vila de Jardim de Piranhas, eram seus pontos de atuação. Antônio Braz era um cangaceiro que as informações da época o classificam como “temível”, pois seu bando fora protagonista de inúmeros assassinatos, roubos, espancamentos e estupros. Andava este bando sempre com um pequeno número de membros, com no máximo quatro a cinco integrantes, entre eles o seu irmão Francisco.
Catolé do Rocha, em foto do escritor Mário de Andrade, em janeiro de 1929
Fonte Rostand Medeiros Tok de História
Não há maiores detalhes sobre este tiroteio, mas por este período, os aparatos policiais da Paraíba e do Rio Grande do Norte eram formados por pequenos contingentes de homens mal armados, violentos, corruptos e extremamente despreparados, que pouco diferiam dos cangaceiros e bandidos que deviam perseguir. (4)
Tudo indica que Braz encontrou na pessoa do coronel Florêncio da Fonseca Cavalcante, chefe da vila de Jardim de Piranhas, o apoio e proteção que necessitava para suas ações na região. O coronel Florêncio exercia nesta época o cargo de primeiro suplente de juiz municipal de Caicó. Esta ligação entre homens de poder e cangaceiros sempre resultava em sangue e em jardim de Piranhas não foi diferente. Ainda no ano de 1889, Antônio Braz matou na comunidade de Timbaubinha, três quilômetros ao norte da vila, o agricultor Manoel de Souza Franco, que mantinha com o coronel Florêncio, uma questão de posse de terras.
O caso se deu da seguinte forma; o pai de Manoel, Roberto Franco, morrera em 1878 e deixara como herança um pequeno sítio na Timbaubinha. Haviam dívidas contraídas pelo falecido, que foram cobradas pelos credores, entre estes estava o coronel Florêncio, que mesmo sendo suplente de juiz, recorreu a “força d’armas”, utilizando Antônio Braz e seu grupo para resolver a questão.
Pouco tempo depois do tiroteio com a polícia da Paraíba, Braz tentou aniquilar Manoel cercando sua casa e ateando fogo à mesma. Houve reação do agricultor que, ajudado por outros parentes, afugentou os cangaceiros. Como Manuel morava em sua propriedade cercado de familiares, sentia certa segurança, mesmo assim passou a ter muito cuidado em suas saídas. Já Braz e seu grupo, sempre espreitavam perto da propriedade, buscando uma ocasião para desfechar a ação fatal.
No dia 13 de novembro, quando Manoel Franco voltava do roçado, em pleno meio-dia, entrando pela parte traseira da sua casa, foi alvejado com dois tiros e morreu sem reagir. Não satisfeito Braz ainda lhe fez quatro perfurações de punhal. Aparentemente o cangaceiro aproveitou um momento de descuido do agricultor e de sua família para fazer o “serviço”. Após matar Manoel, o assassino ordenou a todos que o corpo deveria ficar estendido no pátio defronte a casa, sem ser enterrado, para “dar o exemplo”.
Os jornais comentavam que a questão entre o coronel e Manoel Franco chegara ao fim e que agora “ninguém se oporá mais ao coronel”, apontando como o mentor do crime. Diante da repercussão do caso, Antônio Braz e seu grupo seguiram para a região de Catolé do Rocha, onde de passagem pelo lugar “Barra”, deram uma formidável surra em uma mulher.
Passou a existir na região um clima de medo muito forte, onde o jornal denunciava a inércia das autoridades, com uma forte critica para o número pequeno de policiais na região. A repercussão do assassinato de Manoel Franco e o medo do povo, fizeram com que as autoridades intensificassem as buscas ao bando. O então comandante da polícia, o capitão Olegário Gonçalves de Medeiros Valle, ordena mais empenho dos seus comandados.
Não demorou muito e os policiais tiveram um encontro com o cangaceiro; ao passarem próximos de uma casa as margens do Rio Piranhas, tiveram a surpresa de estar diante de Antônio Braz. Este se encontrava equipado com suas armas, já montado em seu cavalo, não se intimidou com a tropa e fez fogo contra o grupo, recebendo uma chuva de balas em resposta. O cangaceiro fez o segundo disparo e fugiu a galope.
Na fuga, Braz encontrou um homem na estrada e lhe ordenou que fosse com o cavalo para Jardim de Piranhas, então o cangaceiro desapareceu na caatinga. Sem maiores opções e temendo o pior, este homem fez o que fora ordenado, nisto a força policial seguia no encalço do bandido, quando viram o homem montado em um cavalo idêntico ao de Braz e fizeram fogo. Para a sorte deste cavaleiro, os policiais atiravam muito mal.
Sentindo o cerco apertar, Antônio Braz e seu grupo buscam abandonar a área do Rio Piranhas, sendo noticiada uma incursão a Paraíba, na região de Piancó, onde se informa, sem maiores detalhes, ter o bando assassinado um homem. O grupo será visto novamente no Rio Grande do Norte, em 11 de fevereiro de 1890, no lugar “Riacho Fundo”, onde uma tropa policial se depara com o coito do grupo no meio da mata. Ocorre rápida escaramuça, sem vitimas, tendo o bando fugido do local nos seus cavalos sem as selas, roupas e outros utensílios. A polícia persegue os bandidos por quase seis léguas, o que seria uma média de trinta quilômetros, abandonando a perseguição por ter chegado à noite.
O bando passa a agir principalmente na Paraíba, mas a ação policial neste estado se torna mais forte. Em junho de 1890, Braz e seus homens travam um forte tiroteio contra uma patrulha da polícia paraibana, da cidade de Pombal, tendo o grupo perdido alguns animais de montaria.
Rumam então para a fronteira do Rio grande do Norte, na região da cidade de Serra Negra do Norte. Esta cidade potiguar possuía na época um diminuto destacamento de três praças e estes não proporcionariam alguma resistência ao grupo. Na fazenda Jerusalém, do coronel Antônio Pereira Monteiro, tomaram através de ameaças os cavalos deste proprietário, tendo a malta de celerados seguido novamente em direção a Paraíba. A fazenda Jerusalém está atualmente localizada no município de São João do Sabugi.
Mas as tropelias de Antonio Braz e seu bando não param, em 4 de agosto de 1890, na então vila paraibana de Paulista, pertencente a Pombal, este cangaceiro cria uma situação de escárnio para as autoridades, que chega a ser inusitada. Neste dia, neste lugarejo onde habitavam umas 50 almas, Braz conduz preso o bandido que respondia pela estranha alcunha de “Francisco Veado”. Na vila ele obriga dois paisanos a levarem o prisioneiro para o delegado de Pombal, com uma carta para a autoridade, onde dizia que “não estava disposta a deixar livres tantos cangaceiros, que por ora remetia aquele, e que mais tarde... ele próprio iria”. (5)
Parece uma tanto fantasiosa esta última afirmação do jornal, mas a partir desta data, cessam toda e qualquer nota sobre o cangaceiro Antônio Braz e suas atividades.
Esta última notícia data de agosto de 1890, coincidindo com o retorno de chuvas depois de um período de fortes secas entre os anos de 1888 e 1889. É fácil supor que devido ao risco e periculosidades inerentes a atividade de cangaceiro, esta já não fosse tão interessante e a terra molhada vai dispersando o grupo em busca de outras formas de sobrevivência (6).
Infelizmente, não sei como terminou este episódio, ou mesmo a vida de peripécias deste inusitado cangaceiro e seu bando. Não consegui mais nenhuma informação nos jornais da época e nos arquivos existentes em Natal e Caicó.
Sobre o aspecto de atuação territorial, o cangaço de Antônio Braz ocorreu praticamente na mesma área que notabilizou o único potiguar que chefiou um bando de cangaceiros, Jesuíno Brilhante. Já em relação à sua prática como cangaceiro, Antônio Braz era tido como “terrível”, já Jesuíno, segundo os relatos históricos de Henrique Castriciano e Câmara Cascudo (7), era o “gentil homem”, um “homem de valores”, que estava na vida do cangaço pelas injustiças do seu tempo.
Notas
(1) Os livros que melhor tratam sobre o ataque de Lampião a Mossoró são “Lampião em Mossoró”, de Raimundo Nonato, “A Marcha de Lampião”, de Raul Fernandes, “Lampião no RN-A história da grande jornada”, de Sergio Augusto de Souza Dantas. Sobre Antônio Silvino no Rio Grande do Norte, temos “Antônio Silvino no RN” de Raul Fernandes, “Antônio Silvino-O homem, o mito e o cangaceiro”, de Sergio Augusto de Souza Dantas. Já Jesuíno Brilhante serviu de tema para o livro “Jesuíno Brilhante-o cangaceiro romântico”, de Raimundo Nonato. Já Câmara Cascudo, em seu livro “Flor de romances trágicos”, aponta vários aspectos das atuações dos cangaceiros Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino, Lampião, Jararaca e outros.
(2) Existe uma coleção microfilmada deste jornal no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro.
(3) Esta não seria a primeira notícia sobre fuga de presos da Cadeia Pública de Pombal. Em 18 de fevereiro de 1874, 25 anos antes da fuga de Antônio Braz, Jesuíno Brilhante e seu bando atacaram a guarnição desta cadeia, libertando quarenta e três detidos, entre eles membros do seu bando.
(4) Para se ter uma ideia da situação numérica do efetivo policial, no jornal “A Republica” de 9 de janeiro de 1890, era publicada a “Ordem do dia nº 6”, emitida em 4 de janeiro do mesmo ano, onde o então governador do Rio Grande do Norte, Adolfo Afonso da Silva Gordo, organizava o Corpo de Polícia com 1 capitão comandante, 2 tenentes, 4 alferes, 2 primeiros sargentos, 4 segundo sargentos, 1 sargento ajudante, 2 furriéis, 10 cabos, 120 soldados e 4 corneteiros. Eram apenas 150 policiais para todo o estado.
(5) A adoção grifada da palavra “cangaceiro”, pela edição deste jornal, chama a atenção, pois neste período os jornais normalmente utilizavam termos como “banditismo”, para designar a ação, “celerados” e “salteadores” para definir os protagonistas, dificilmente nesta época encontramos nos textos jornalísticos, o termo que designariam estes bandidos e assim seriam mitificados. Entretanto, vale ressaltar que o jornal “O Povo” era editado em uma cidade sertaneja, onde os bandidos errantes que carregava suas armas e utensílios, preferencialmente nos ombros, a partir da metade do século XIX, passam ser conhecidos como “aqueles que estão debaixo da canga” “aqueles que estão no cangaço” e daí a “cangaceiro”, não sendo difícil de supor que, por este jornal está inserido no sertão, esta tenha sido a primeira vez na imprensa potiguar que o termo “cangaceiro” tenha sido utilizado.
(6) Sobre a seca de 1888 e 1889 e outros assuntos a respeito deste fenômeno climatério, ver o pronunciamento do então Senador pelo Rio Grande do Norte, Eloy de Souza, intitulado “Um problema nacional (Projecto e justificação)”, pronunciada na seção de 30 de agosto de 1911 e editado em formato de brochura pela Tipografia do Jornal do Comercio, em 1911. Sobre a teoria do crescimento das ações de grupos cangaceiros nos períodos de estiagem, ver “Guerreiros do sol”, de Frederico Pernambucano de Mello.
(7) Com relação aos escritos de Henrique Castriciano sobre Jesuíno Brilhante, temos no jornal "A Republica", edição de 25 de julho de 1908, uma interessante crônica deste poeta potiguar sobre este cangaceiro.
*Rostand Medeiros é Pesquisador de Natal, RN
Um comentário:
Parabéns ao escritor Rostand Medeiros pelo seu maravilhoso artigo.
Sobre o sal que Antonio Silvino obrigou ao seu comandado comer, por ter reclamado a sua falta na comida, existem informações em alguns sites que isso aconteceu com o cangaceiro Lampião.
Mas eu acredito que são informações que não têm credibilidade. Estou mais para acreditar nas suas palavras, por ser um pesquisador que vai atrás dos fatos, e não aqueles que ficam com as informações do (DISSE ME DISSE). Ver-se que a polícia, na época era mais agressiva do que mesmo os próprios cangaceiros, quando as autoridades torturavam, estupravam..., quando a obrigação dela era proteger o sertanejo.
José Mendes Pereira – Mossoró-RN.
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