quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

“Os Quintos dos Infernos”

E a História do Combate entre o Cangaceiro Moita Braba e o alferes Cascudo

Rostand Medeiros
Pesquisador




Em 1889, após a proclamação do regime republicano, o Rio Grande do Norte teve aclamado como seu primeiro governador o médico e jornalista Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, onde o mesmo passou apenas 19 dias à frente desta função. Este foi surpreendido com a nomeação do bacharel Adolfo Afonso da Silva Gordo para chefe do executivo potiguar e teve de deixar o governo.

Seguiu-se um período de instabilidade política, muito prejudicial ao desenvolvimento do estado. Sucederam a Pedro Velho oito governadores e uma junta governativa durante dois anos e três meses, até que este retorna ao poder, eleito pelo Congresso do Estado em 22 de fevereiro de 1892.
Este novo governo representou o fim da instabilidade política, consolidando o regime republicano no Rio Grande do Norte e criando as bases para Pedro Velho dar iniciar a atuação da oligarquia Albuquerque Maranhão.

Em meio a toda esta efervescência, com esta alternância de lideranças no executivo estadual, alguns setores políticos do Rio Grande do Norte, buscando ampliar, ou ocupar espaços nas cidades do interior, passaram a agir de forma agressiva contra seus adversários na luta pelo poder, chegando a casos de práticas de violências contra seus opositores, a terem sob suas ordens grupos de cangaceiros.
Um destes locais foi à cidade de São Miguel.

A conflituosa cidade na serra

A região onde se localiza a cidade potiguar de São Miguel, antigamente conhecida como vila de São Miguel de Pau dos Ferros, está fincada no alto da serra do mesmo nome. A evolução política tem início em junho de 1859, quando a cidade passa a ter um Distrito de Paz, e chega a município com a Lei estadual n° 776, de 11 de dezembro de 1876, desmembrando-se de Pau dos Ferros.

A cidade e a região sempre foram marcadas por inúmeros casos que estiveram envoltos em violência e sangue. Na história do lugar não faltaram exemplos de assassinatos por questões políticas, lutas pela posse de terras, uso de pistoleiros abatendo inimigos em tocaias e ataques de cangaceiros.
Várias são as razões para explicar a ocorrência de conflitos no alto da serra. Entre estes podemos citar a luta pela posse das terras férteis, que umedecidas pela altitude elevada, facilita o desenvolvimento de uma produção agrícola em épocas de seca e consequentemente a ganância dos latifundiários. (1)

Outro ponto a ser levado em consideração está associado à localização geográfica de São Miguel. Estando posicionada entre três estados, esta cidade sempre foi um local de passagem de forasteiros, de boa ou má índole. Para aqueles que tinham contas com a justiça, à região possuía inúmeros locais de difícil acessibilidade, proporcionando a existência de diversos esconderijos naturais. Um outro facilitador para ocorrência destes casos está relacionado à distância de quinhentos e trinta e quatro quilômetros que separam esta cidade da capital do estado, Natal, e das autoridades constituídas.

Quem mais se beneficiou com esta situação foram os coronéis locais, que sem maiores esforços, conseguiam contratar farta “mão de obra especializada” composta de homens violentos, que “há muito estavam debaixo do cangaço”. Formando verdadeiras milícias, fortemente armadas, mostrando aos inimigos a força de determinada facção e deixando a população em permanente clima de terror.

Várias fontes oficiais teceram comentários sobre os problemas ligados à violência na região. Em 1853, o então Presidente da Província do Rio Grande do Norte, Antônio Francisco Pereira de Carvalho, comenta que “Esta província, confinando com a do Ceará e Paraíba, em longa extensão e lugares, por onde se desfilam algumas serras, é o valhacouto de quantos malfeitores há no seu limite, principalmente as de Luis Gomes e São Miguel” (2).

Já outro antigo dirigente potiguar, Olynto José Meira, na sua Mensagem de 1863, ao justificar a designação de um delegado para impor a ordem na região, declarou que “a comarca de Pau dos Ferros, limítrofe com as províncias da Paraíba e do Ceará, um dos menos ordeiros, ou talvez o mais turbulento de toda província, aonde desde longa data sei que os furtos de cavalos, as ofensas físicas e os assassinatos tem sido praticados quase em larga escala” (3).
1 - O ponto culminante do Rio Grande do Norte, a Serra de São José, com 831 metros de altitude está localizada entre os atuais municípios de Luiz Gomes, São Miguel e Venha Ver. Segundo o Anuário Estatístico do Rio Grande do Norte, edição 2004 e publicado pelo IDEMA - Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte.
2 - Ver a Mensagem do Presidente da Província do Rio Grande do Norte, Antônio Francisco Pereira de Carvalho, 1853, pág. 04.
3 - Ver a Mensagem do Presidente da Província do Rio Grande do Norte, Olynto José Meira, 1863, págs 58 e 59. Por esta época, o então município de São Miguel tinha a sua comarca baseada no vizinho município de Pau dos Ferros.
Valentia

 

A situação em São Miguel e região eram tão peculiares que em algumas ocasiões, os fortes do lugar se sentiam tão poderosos no alto da serra, que chegavam a criar tremendos embaraços para as autoridades constituídas.

Como exemplo temos a controversa figura de Francisco Moreira de Carvalho, comandante do Partido Conservador em São Miguel. Notícias dão conta que desde 1868, Carvalho havia praticado, ou influenciado os seus correligionários a agir de forma arbitrária e violenta contra os integrantes do Partido Liberal na região. Ele foi julgado e condenado por homicídio, mas devido a sua posição e ligações políticas, estava livre e protegido pelos outros poderosos locais.

Em 1874, o então presidente da província, João Capistrano Bandeira de Mello Filho, conhecido como “Doutor Bandeirinha”, ordenou um basta à situação e mandou prender o alferes. Em sua “Fala” a Assembléia Legislativa, o presidente teceu fartos elogios ao 2º sargento José Paz da Silva Banda, pela detenção do alferes (4).

Mas se Carvalho realmente foi preso, passou pouco tempo, pois durante a grande o período da chamada “seca de 77” (entre os anos de 1876 e 1879), mais precisamente em 27 de janeiro de 1879, vamos encontrá-lo à frente de um grupo de moradores de São Miguel, na cidade de Areia Branca, para reivindicar a entrega de gêneros alimentícios aos flagelados da sua região.

Ao chegar à cidade salineira, o líder dos flagelados busca as autoridades, mas os gêneros alimentícios não são entregues. Entretanto ele toma conhecimento que em um depósito de mercadorias do governo havia alimentos em abundância e que certas pessoas estavam desviando o que lhe fora prometido. Liderando um grupo de retirantes, Carvalho incita uma revolta, sendo necessário à vinda de uma força policial com quarenta militares de Mossoró e dezenas de civis fortemente armados.

Houve enfrentamento e derramamento de sangue, deixando um saldo de vinte mortos e inúmeros feridos. Entre as vítimas estava o delegado de Mossoró, Manuel Rodrigues Pessoa, além de alguns soldados e o maior número de vítimas foi registrado no lado dos mais necessitados. O então presidente da Província do Rio Grande do Norte, Eliseu de Souza Martins, enviou para Areia Branca o Chefe de Polícia, Joaquim Tavares da Costa Miranda, com uma tropa formada por cem policiais e assim foi possível controlar a situação.

Se para alguns a figura de Francisco Moreira de Carvalho é de um déspota, autoritário, um marginal que zombava das autoridades com a sua impunidade, para muitos outros ele era tido como um herói. O escritor Raimundo Nonato, sem citar fontes, informa que antes do episódio sangrento em Areia Branca, ainda durante o período da Guerra do Paraguai, Carvalho arregimentou sessenta filhos da serra de São Miguel para combaterem o ditador Solano Lopez. Ele mesmo teria se oferecido para lutar em terras paraguaias e por esta razão recebeu do império o título de “alferes”. Ainda segundo Raimundo Nonato, outra boa ação do alferes Carvalho foi ele ter sido um entusiasta abolicionista na região, apoiando os surtos libertários ocorridos no Ceará e Rio Grande do Norte em 1883 (5).

O alto da serra sempre se caracterizou por produzir valentes, que em situações extremas realizaram ações que marcaram época e chegaram até nossos dias, não como relatos de frios assassinatos, mas quase como lembranças de antigas gestas medievais.
É Câmara Cascudo quem comenta, sem especificar a data, nem a razão, que um certo pistoleiro de nome José Brasil, matou e esquartejou em vários pedaços José Francisco de Carvalho, o rico proprietário do sítio “Potó” e depois fugiu.

O filho do falecido, Antonio Monteiro de Carvalho, sem coragem para perseguir o assassino, utilizou um artifício verdadeiramente interessante para “lavar a honra”. Ele procurou Manoel Joaquim de Amorim para resolver a situação. Amorim, um dos valentes de São Miguel, era apaixonado pela filha do falecido fazendeiro, mas aparentemente não tinha muitas esperanças de seus desejos de união com a jovem serem realizados. Monteiro de Carvalho sabendo desta situação, propôs ao esperançoso Amorim que se este prendesse a João Brasil, teria a honra de desposar sua irmã.

Segundo Cascudo, Amorim saiu então “pelo oco do mundo”, “com uma determinação que impulsiona os apaixonados”. Acabou por prender o assassino, segundo uma versão em Pedras de Fogo, na Paraíba e segundo outra, na cidade pernambucana de Goiana. O certo é que Amorim, coberto com a glória dos valentes, trouxe o matador a São Miguel.

Houve festas e danças pela captura do sicário, que assistia a tudo amarrado em um tronco. Com o dia amanhecendo levaram José Brasil para uma pedra chata, perto da capela do padroeiro São Miguel. O assassino então pede um padre para se confessar, mas rispidamente Antonio Carvalho nega, alegando a Brasil que ele “não deu confessor a meu pai!”, e fuzila sumariamente o matador diante de numerosa plateia.
A promessa a Amorim é cumprida e este se casa com Anna Fausta de Carvalho (6).
4 - Ver a Mensagem do Presidente da Província do Rio Grande do Norte, João Capistrano Bandeira de Mello Filho, 1874, pág. 12. Sobre a passagem do “Doutor Bandeirinha” como chefe do executivo potiguar, ver Cascudo, Luis da Câmara. “História do Rio Grande do Norte”, MEC, 1955, pág.182.
5 - Sobre o conflito em Areia Branca ler a Mensagem do Presidente da Província do Rio Grande do Norte, Rodrigo Lobato Marcondes Machado, 1879, pág. 4. Outra fonte é a Dissertação de Mestrado em Meio Ambiente, apresentada pelo Bacharel em História, Francisco José Pereira da Silva, da UERN - Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Sobre a participação de Francisco Moreira de Carvalho na Guerra do Paraguai e no apoio a luta abolicionista na região, ver Nonato, Raimundo. “Os revoltosos em São Miguel (1926)”. Rio de Janeiro, Ed. Pongetti, 1966, págs. 19 e 22.
6 - Ver o jornal “A Republica”, edição de 31 de agosto de 1934, pág. 01. Câmara Cascudo visitou São Miguel no mesmo ano da publicação desta reportagem, quando percorreu várias cidades do interior potiguar, como participante da comitiva do Interventor Mario Câmara, que realizava esta viagem com o intuito de inaugurar obras realizadas em sua gestão. Como resultado desta viagem, Cascudo escreveu o livro “Viajando o Sertão”, mas não comenta nada sobre sua visita a São Miguel. Esta interessante reportagem aponta outras valiosas informações sobre esta cidade serrana.
As lutas políticas em São Miguel e o cangaceiro Moita Braba

Alguns anos depois da união com a família Carvalho, Manoel Joaquim de Amorim alcança o poder de uma das facções políticas da cidade serrana, o que significava criar ou entrar em confusões, e decide montar uma espécie de guarda para sua proteção. Entre os membros do seu séquito de segurança está um cangaceiro que todos chamam de Moita Braba (7).

Para Luis da Câmara Cascudo ele se chamava Antônio Moita Braba, já Raimundo Nonato informa que ele seria Manuel Joaquim Moita Braba. Mas os dois escritores potiguares concordam que este cangaceiro era perigoso, violento, astuto e valente. Teria nascido na Paraíba, mais precisamente na cidade de Sousa, era mameluco, tinha em torno de trinta anos e desde os dezesseis já era um “homem de armas”, tendo praticado em torno de quinze mortes. Desde o início da década de 1880 circulava entre Sousa, Uiraúna, e as vilas da região do Rio do Peixe, na Paraíba, passando por Luis Gomes, Pau dos Ferros e São Miguel, no Rio Grande do Norte, até o Pereiro e Icó, no Ceará.

Sua área de atuação sempre foi pequena, bem como o número de membros do seu bando. Quando uma região estava fervilhando de soldados a sua procura, passava a fronteira e buscava esconderijo em outra região.

Era sempre protegido pelos poderosos do lugar, trabalhando para quem melhor lhe pagasse, sendo útil para impor a lei dos mais fortes nas épocas eleitorais e assegurando o poder aos seus chefes, entre eles Manoel Joaquim de Amorim. Contudo, nunca foi um vassalo que se prendia exclusivamente a quem lhe pagava, era fiel até o momento em que ele achava que valia a pena ser fiel. (8).

Apesar da sua “extensa ficha” já ser certamente conhecida das autoridades, somente em 1892 Moita Braba passa a chamar a atenção dos mandatários do governo em Natal. Eram dez da manhã de uma segunda-feira, dia 14 de novembro, quando o rico fazendeiro José Bezerra de Medeiros, conhecido como “Bezerra matuto”, acompanhado de dois advogados e alguns seguranças, chegavam à sede da intendência da vila de São Miguel para participar de uma audiência. Antes de entrar no local estas pessoas são atacados por um grupo de dez homens, mas apenas o fazendeiro é sumariamente alvejado e morto. Os matadores seguiam ordens de Amorim em pessoa, tendo Moita Braba como o segundo em comando (9).

As razões da morte de “Bezerra matuto” são as de sempre; terras, lutas pelo poder local, demonstrações de força, etc.

O mandante Amorim é pronunciado em março de 1893, mas em flagrante ato de desrespeito a justiça, continua a viver tranquilamente na sua fazenda Quintos, localizada a dezessete quilômetros de São Miguel. Amorim gozava da proteção de políticos do lugar, além de contar com a falta de empenho das autoridades judiciárias de Pau dos Ferros em cumprir com suas obrigações, no caso o juiz Paulino de Araújo Guedes e o delegado de São Miguel e grande “defensor da legalidade”, o controverso alferes Francisco Moreira de Carvalho (10).
7 - Sei que no livro “Flor de Romances Trágicos”, de Luís da Câmara Cascudo, no capítulo onde ele comenta sobre a morte deste cangaceiro, ele nomeia este celerado como “Moita Brava”. Entretanto, em janeiro de 2007, quando estive na região buscando garimpar alguma informação sobre estes episódios, mesmo depois de 113 anos, só escutei os moradores locais nomeando-o “Moita Braba” e assim preferi mantê-lo. Ainda durante as pesquisas na região, pude perceber que poucas pessoas conhecem sobre os episódios ocorridos na Fazenda Quintos e sobre a morte de Moita Braba. As informações que consegui, através do relato de poucas pessoas idosas, muito pouco, ou quase nada acrescentaram ao que as antigas fontes escritas me proporcionaram.
8 - As informações mais detalhadas sobre este cangaceiro se encontram nos livros de Nonato, Raimundo. “Os revoltosos em São Miguel (1926)”. Rio de Janeiro, Ed. Pongetti, 1966, págs. 19 e 22 e Cascudo, Luis da Câmara. “Flor de romances trágicos”. Natal, EDURF, 1999, págs. 85 a 90.
9 - Na Mensagem do Presidente da Província do Rio Grande do Norte, Pedro Velho de Albuquerque Maranhão apresenta em 1893, na sua página 4, informa que o tiroteio ocorreu no dia 10 de novembro, uma quinta-feira. Contudo o relatório do então Chefe de Polícia Interino, Olympio Manoel dos Santos Vital, apresentado praticamente um ano depois, na primeira página da edição de “A Republica”, de 10 de novembro de 1894, comenta que a data do incidente foi o dia 14. Em minha opinião sigo o relatório do Chefe de Polícia, pois o mesmo esteve apurando os fatos na região dos conflitos. Já os protetores de “Bezerra matuto”, segundo Nonato, R. Op. Cit., pág 20, eram cangaceiros cearenses do grupo do chefe “Peixoto”.
10 - Nonato, R. Op. Cit., pág 20, informa que Manoel Joaquim de Amorim chegou a ir a julgamento, que o mesmo não resultou em nada. Entretanto, o então Chefe de Polícia Interino, Olympio Manoel dos Santos Vital, em seu relatório ao governador Pedro Velho e apresentado em “A Republica”, de 10 de novembro de 1894, nada comenta sobre este possível julgamento. Igualmente as edições dos jornais editados em Natal na época, tampouco fazem alusão a este fato. Já a pífia atuação das autoridades judiciárias no caso Amorim é igualmente comentada e fortemente criticada no mesmo relatório de Olympio Vital. Na Mensagem que Pedro Velho apresenta em 1893, na relação dos delegados de polícia designados pelo governador Pedro Velho, consta o nome do alferes Carvalho como titular na cidade de São Miguel.
“Os Quinto dos infernos”


Entretanto o crime é a gota d’água para o governador potiguar Pedro Velho. Este passa a exigir mais empenho das autoridades para dar um basta à situação de desordem e intranquilidade na região (11).
Somente no fim da tarde de 31 de julho de 1894, oito meses após a morte de “Matuto bezerra”, o alferes Carvalho parte de São Miguel para a fazenda Quintos. Junto à “autoridade” seguem Firmino José Bezerra de Medeiros, conhecido como “Néo Bezerra” e filho de “Bezerra matuto”, além de outros nove homens que “vão cumprir a lei”.

Estas pessoas possuíam um histórico um tanto estranho para a função, entre eles Joaquim Avelino, pronunciado por crime de defloramento, outros tidos como desordeiros e o próprio Moita Braba. Seja por alguma desavença com seu agora “ex-patrão” Amorim, por esperteza, ou outra razão, o certo é que este cangaceiro fez parte do grupo que sitiou a fazenda Quintos e tentou prender seu proprietário. O mais estranho é que o cerco da fazenda Quintos põem lado a lado o filho do assassinado “Bezerra matuto” e alguns membros do mesmo grupo que perpetraram o assassinato do seu pai.

Já é noite quando “os homens da lei” cercam a propriedade e intimam o velho Amorim a se entregar. Mesmo cercado ele não se intimida, manda chumbo como resposta a ordem de prisão e o tiroteio estoura, seguindo por toda à noite. Pela manhã outras dezessete pessoas se juntam ao grupo do alferes Carvalho, cresce então o conflito e o cerco à propriedade ganha força. Lá dentro Amorim busca proteger uma filha, uma neta, dois netos, um genro e um empregado. Os homens válidos fazem fogo através das “torneiras” existentes nas paredes (12).

O pipocar das armas ecoa pelas serras, a população da região fica irrequieta para saber o que está acontecendo, é o assunto em voga. Dentro da casa os defensores fazem fogo ao menor sinal do surgimento de algum atacante na sua alça de mira. Amorim possui estoque de munição e mantimentos para lhe assegurar alguns dias de resistência, um túnel oferece acesso à água de um açude próximo. Já os atacantes têm todo tempo do mundo. Atiram em toda casa, nas grossas janelas e portas de madeira. Buscam alvejar algum defensor que se mostre de alguma forma e a troca de ofensas e impropérios é constante.
Literalmente a fazenda Quintos se transforma nos “Quintos dos Infernos”.

Acredita-se que Amorim contava com a possibilidade de algum aliado atacar o pessoal do alferes Carvalho pela retaguarda, mas o próprio fato do seu ex-segurança Moita Braba está ao lado dos atacantes, aponta como provavelmente o valente Amorim já não possui o mesmo poder de outrora.
O certo é que depois de cinco longos dias após o início do cerco, com a munição escasseando e a tensão no limite, Amorim e outros companheiros fogem pelo dito túnel, alcançando um local onde aparentemente existia um engenho de rapadura e de lá, encobertos pela vegetação, conseguem fugir.

Os que permaneceram na casa gritam solicitando garantia de vida ao alferes Carvalho. Este concede o salvo conduto, mas como se acompanhava de homens motivados tanto pela vingança, quanto pelo desejo da rapinagem, a sede da fazenda Quintos é invadida. Objetos são então roubados, baús são arrombados, móveis quebrados e outras coisas destruídas. Até as alimárias existentes na propriedade são utilizadas para o transporte dos produtos do saque e finalmente o grupo de atacantes incendeiam a sede da propriedade. Entre os prisioneiros de destaque estão Ismael José de Carvalho e Olympio Cesário de Moura, respectivamente genro e neto do proprietário dos Quintos.

Amorim busca abrigo em uma fazenda nas imediações do município potiguar de Luís Gomes, provavelmente sob a proteção de algum poderoso do lugar. A população desta cidade limítrofe com a Paraíba fica assustada com a sua presença, este então segue para o estado vizinho e as autoridades desconhecem o seu paradeiro.
Firmino Bezerra, um irmão e outros que participaram do cerco, talvez até acompanhado de Moita Braba, partem armados para várias localidades da região com um recado bem claro; aqueles que fornecerem abrigo ao assassino do seu pai e seus asseclas, vão ter que enfrentar a fúria de suas armas.
A região está vivendo um clima de terror. Vários buscam armas para a defesa de suas propriedades, já outros que vivem mais isolados buscam juntar-se a parentes em sítios mais povoados ou nas pequenas vilas e cidades (13).
11 - Quase dois meses depois da morte de Moita Braba, quando os ânimos na região estavam mais tranqüilos, os jornais publicam uma nota emitida pelo governador Pedro Velho, informando que desde setembro de 1894, a população da região solicitava um maior empenho por parte do governo para pôr fim ao clima de medo que imperava na vila de São Miguel. A população estava particularmente apreensiva com a “presença de cangaceiros, circulando livremente pelas ruas, em grupos e fortemente armados”. Ver o jornal “A Republica”, edição de 16 de fevereiro de 1895, p. 01.
12 - Na época do tiroteio Amorim já contava com 73 anos. As chamadas “torneiras” eram aberturas feitas, ou “broqueadas” como se dizia, nas paredes das antigas propriedades dos coronéis do sertão, onde se destinava a se obter um campo de visão para parte externa, visando realizar disparos contra os adversários com uma arma de fogo.
13 - Sobre o cerco, a conseqüente depredação da fazenda Quintos e a fuga de Amorim, ver principalmente Nonato, R. Op. Cit., págs. 20 a 23 e o relatório de Olympio Vital publicado em “A Republica” em 10 de novembro de 1894.
A ação de Pedro Velho e o fogo contra Moita Braba

Ao receber as notícias da região, Pedro Velho toma uma decisão drástica, decide mandar para a região o próprio Chefe de Polícia Interino, o desembargador Olympio Manoel dos Santos Vital. Este vai acompanhado de uma força policial com 30 homens, sob o comandado do capitão Joaquim Lustosa de Vasconcelos, tendo como subcomandante o alferes Francisco Justino de Oliveira Cascudo.

Esta força partiu da capital em meados de setembro, todos comissionados, equipados e sabiam que não havia prazo determinado para retornarem. Isto tudo em uma época na qual a forma mais rápida de transporte para São Miguel era embarcar em um navio a vapor até Areia Branca e o resto do percurso feito através de toscas estradas de barro, em cima de um cavalo (14).

O desembargador Olympio Vital era um calejado conhecedor das práticas jurídicas e administrativas, com uma extensa e respeitável folha de serviços prestados ao país. Tinha então 55 anos, era baiano, natural de Feira de Santana. Formado pela Faculdade de Direito de Recife desde 1860, exerceu diversos cargos de respeitabilidade no período monárquico, tais como Promotor Público em Salvador, Chefe de Polícia no Ceará e por cinco meses foi Presidente da Província de Sergipe. Com a proclamação do regime republicano foi nomeado desembargador do recém criado Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, tendo sido designado presidente interino desta instituição (15).

Olympio Vital chega na região em 2 de outubro de 1894 e o seu relatório mostra as enérgicas ações impetradas por ele. Foi aberto um inquérito sobre o caso da fazenda “Quintos”, o alferes Carvalho foi sumariamente destituído do cargo de delegado de polícia de São Miguel, tendo sido nomeado como seu substituto o alferes Cascudo. Já em Pau dos Ferros e Luís Gomes, respectivamente são designados como delegado o capitão Joaquim Lustosa e o cidadão Joaquim Moreira da Silveira.

O teor do relatório é duro, onde Olympio aponta a nefasta ação do alferes Carvalho, a proteção que os políticos ofereceram a Amorim e a ineficiência das autoridades judiciárias. Além da preocupação que havia na região por Amorim estar solto, ameaçando várias pessoas. O Chefe de Polícia aponta que se perdeu uma ótima oportunidade de prendê-lo. Olympio solicita então o apoio das polícias da Paraíba, Pernambuco, Ceará e Piauí para a prisão do fazendeiro.

Moita Braba e seu grupo é outra preocupação de Olympio. Este continuava circulando pelas fronteiras estaduais e pelas serras, extorquindo mantimentos dos fazendeiros em troca de tranqüilidade. Impetuoso e valente, o cangaceiro e seu diminuto bando afrontam de forma clara as autoridades estaduais na noite de 14 de outubro, quando é relatado a Olympio que o grupo havia chegado armado em uma casa próxima de São Miguel e até mesmo circulado tranqüilamente pelas ruas do lugar. A polícia é mandada em seu encalço, mas Moita Braba e seus homens já haviam saído da pequena urbe (16).

Após o retorno de Olympio Vital a Natal, o alferes Cascudo continuava mantendo suas funções junto com a sua força policial (17). Seu braço direito era o veterano policial, cabo Sebastião Gomes Cajueiro (18). Apesar da presença da polícia, o clima era tenso e apontava para outro conflito.
Na noite de 22 de dezembro Moita Braba, acompanhado dos cangaceiros José Rufino e Joaquim Avelino, chegam primeiramente a casa de Felisberto de Paula Monte, um pouco afastada do centro de São Miguel. Mesmo sabendo da presença da coluna policial, o destemido cangaceiro comenta para as pessoas do lugar, com muita fanfarronice, que estava ali para “dar uma surra de peia no oficial”.

Depois o grupo segue para a residência de um vizinho de Felisberto, Remígio Moreira de Carvalho, que buscou demover o cangaceiro desta idéia e fazê-lo ir embora com seus homens. A casa de Felisberto ficava próxima ao chamado “cemitério novo” e possuía muitas janelas.

Sabendo da “visita” de Moita Braba a São Miguel, o alferes Cascudo ordena ao seu grupo de policiais se aprontarem e seguir para o combate. O oficial, junto com o cabo Cajueiro e mais oito soldados cercam a casa e intimam o cangaceiro e seus companheiros a se renderem. A resposta foi um tiro certeiro e mortal no peito do soldado Teodósio Francisco do Nascimento. O tiroteio começa, em meio a bravatas, palavrões, cantigas e ameaças, os dois lados trocam chumbo. O grupo de Moita Braba ofereceu tenaz resistência e acordam toda a serra com os disparos.

Segundo Câmara Cascudo, vinte minutos após o início do combate, Moita Braba pede ao Alferes que deixasse sair da casa as mulheres da família de Felisberto. Este atende prontamente e o grupo deixa a morada. No meio destes, vestido com roupas femininas e carregando uma criança, segue Joaquim Avelino. O irônico é que este mesmo cangaceiro, anteriormente pronunciado por crime de defloramento, fugia utilizando as roupas e as mulheres da casa como escudo. Consta que o mesmo saiu para buscar ajuda e realizar um ataque pela retaguarda da polícia. Se assim foi, ele mesmo não cumpriu a sua parte e desapareceu.
Como os tiros que saiam de dentro da casa cada vez mais se espaçavam, a polícia invade o local. Dentro encontram José Rufino morto, já Moita Braba estava coberto de sangue, com três ferimentos, a arma destruída por um balaço, agonizando e vomitando sangue. Câmara Cascudo, através do relato do seu pai, comenta que o cangaceiro ostentava no peito ensangüentado uma imagem de ouro com a esfinge de São Francisco e ainda teve forças para ameaçar: - “Num entre qui morre....” (19).
14 - Sobre o teor da nota do governador Pedro Velho, sobre o envio do Chefe de Polícia e da tropa de apoio para a região, ver o jornal “A Republica”, edição de 26 de janeiro de 1896, p. 01.
15 - Ver Gosson, Eduardo Antonio, “Sociedade e Justiça – História do poder judiciário no Rio Grande do Norte”, DEI- Departamento Estadual de Imprensa, Natal, 1998. Págs. 67 a 74.
16 - Relatório de Olympio Vital publicado em “A Republica” em 10 de novembro de 1894. Pág. 01. Interessante notar que logo na publicação deste relatório, na sua parte final, o desembargador Olympio informa publicamente que a longa viagem havia debilitado a sua saúde e solicitava a sua saída do cargo de Chefe de Polícia Interino. Ele é então substituído pelo também desembargador Francisco Salles de Meira e Sá.
17 - O então alferes Francisco Justino de Oliveira Cascudo é atualmente mais conhecido como “coronel Cascudo”, sendo lembrado basicamente como pai do folclorista Luís da Câmara Cascudo, que muito enalteceu a sua figura. Mas ele fez uma interessante carreira na Polícia Militar do Rio Grande do Norte. Nascido no município potiguar de Campo Grande, no dia 26 de novembro de 1863, foi mascate na região de Mossoró. Em julho de 1892, com o apoio do líder político de Campo Grande, Luís Pereira Tito Jácome, foi designado alferes do então Batalhão de Segurança, sendo logo designado para missões no interior. Algum tempo depois do combate em São Miguel, em 1899, o alferes Cascudo participa da ação que desmobiliza o movimento messiânico que tem início na Serra do João do Vale. Deixa a polícia em 1900, torna-se comerciante em Natal, depois deputado estadual, proprietário de jornal na cidade e de outros negócios. Foi o primeiro a abrir um comércio exclusivamente destinado a venda de automóveis na cidade (marca Ford) e participou de vários movimentos comerciais, políticos e sociais de Natal. Falece em 1935. Ver “400 nomes de Natal”, coordenação de Rejane Cardoso, edição da Prefeitura Municipal de Natal, 2000. Págs. 157 e 158.
18 - Um ano depois do tiroteio com o bando de Moita Braba, o valente cabo Cajueiro participa de mais um combate contra um pretenso bando de cangaceiros errantes. Em 24 de dezembro de 1895, as nove da noite, em meio às comemorações pelo nascimento de Jesus Cristo, na pequena vila de Triunfo, atual município de Campo Grande, um grupo de quinze indivíduos invade o local. Eles são comandados por Izidoro, “celebre criminoso”, como afirmam os documentos da época, de Brejo da Cruz, Paraíba. Estes atacam o pequeno destacamento de quatro militares que realizava uma patrulha pelas ruas do lugar. Os militares não se intimidam e o grupo é rechaçado. Como resultado o chefe Izidoro é morto, cinco outros membros do bando são feridos e presos. Já entre os policiais ficam feridos o soldado Manoel Izidoro de Nascimento e o cabo Cajueiro, que não resiste e morre no dia 9 de janeiro de 1896. Ver a Mensagem do Presidente da Província do Rio Grande do Norte, Joaquim Ferreira Chaves Filho, 1896, pág. 05 e o jornal “A Republica”, edição de 15 de janeiro de 1896, p. 02.
19 - Sobre o combate e a morte de Moita Braba ver Cascudo, Luis da Câmara. “Flor de romances trágicos”. Natal, EDURF, 1999, págs. 85 a 90. O jornal “A Republica”, edição de 31 de agosto de 1934, pág. 01. Mensagem do Presidente da Província do Rio Grande do Norte, Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, 1893, págs. 3 e 4.
Novos arranjos, velhos problemas
  
 

Com a morte de Moita Braba, a entrada do novo ano de 1895 encontra a região em uma situação mais calma.
As autoridades em Natal decidem fazer mudanças na região, colocam o juiz de Pau dos Ferros, Paulino de Araújo Guedes em disponibilidade e iniciam o processo de escolha do novo juiz para a comarca a qual São Miguel pertencia. Para o seu lugar, em seção ocorrida em 13 de março de 1895, sob a presidência do desembargador Jeronymo Câmara, decide pela escolha do então promotor de Canguaretama, João Dionísio Filgueira (20).

Chama a atenção à escolha de um juiz com apenas 25 anos, diplomado pela Faculdade de Direito do Recife há apenas um ano, que então exercia suas funções de promotor em uma cidade localizada a pouco menos de cem quilômetros da capital e é transferido para exercer esta nova atividade em uma cidade situada a mais de quatrocentos. Entretanto Dionísio era natural de Pau dos Ferros e de família influente. Era filho de Dr. Manoel Hemetério Raposo de Melo e de Dona Umbelina Fernandes de Melo, proeminentes membros da sociedade local, conhecia a região, as pessoas, e contava com o apoio do governador Pedro Velho.

Para quem pesquisa nas páginas dos antigos jornais potiguares do período, observa que a nomeação e transferência de juizes e promotores eram notícias que não chamavam a atenção e poucas eram vistas nas primeiras páginas dos periódicos. Entretanto a nomeação e transferência de Filgueira ocasionaram várias notas nas primeiras páginas de “A Republica”, onde o teor das mesmas são basicamente fartos elogios à figura do novo magistrado e externando os parabéns pela sua nomeação. Ele tinha sessenta dias para assumir o seu cargo, a partir da data da publicação de sua nomeação pelo governador Pedro Velho, dia 14 de março de 1895 (21).

Vale ressaltar que naquela época, o jornal “A Republica” era o periódico do governo, onde este servia tanto para a edição de noticias do dia a dia, bem como realizava as funções de publicações de atos governamentais, tal como hoje é feito pelo “Diário Oficial”.

Mesmo com toda carência em relação à questão de transportes, além da urgência que o caso exigia, quarenta e três dias após sua nomeação, os jornais informam que o juiz Filgueira chegava a Pau dos Ferros e novamente ele foi notícia nos jornais da capital. Um correspondente local informava que “no sábado, 27 de abril, chegou a esta vila o novo juiz de direito”, que o mesmo havia sido recebido “com entusiásticas manifestações de festas e regojizo”. Tecia fartos elogios e informava que já no dia 1 de maio de 1895, que na época ainda não era feriado nacional dedicado ao dia do trabalhador, o juiz estaria em São Miguel para visitar o lugar. Percebesse através do teor da nota, como a elite política de Pau dos Ferros desejava uma solução para os conflitos na serra de São Miguel.

Aparentemente o governador Pedro Velho buscava através do principal jornal que circulava no estado, mostrar a importância que a nomeação do juiz Filgueira tinha para o governo, fortalecendo a posição do magistrado junto aos políticos da conturbada comarca, imprimindo uma nova ordem na condução da política na região, buscando acomodar as forças políticas locais e debelar o medo que existia (22).

Durante algum tempo a região de São Miguel some das páginas dos periódicos e dos documentos oficiais, mas muitas feridas continuam abertas e no futuro outros conflitos vão existir.
Em 16 de agosto de 1899, o filho de “Bezerra matuto”, Firmino José Bezerra de Medeiros, consegue pessoalmente matar com dois tiros Manoel Joaquim de Amorim, o assassino do seu pai e proprietário da fazenda Quintos. A honra de sua família foi “lavada com sangue”. Coincidentemente os futuros proprietários da fazenda Quintos morreram todos de forma violenta, efetuadas ou por disparos de arma de fogo, ou a ponta de faca. Em 24 de maio de 1928 é assassinado o líder político João Pessoa de Albuquerque e em 23 de junho de 1934, o novo proprietário Manoel Ferreira de Carvalho é igualmente morto em luta. (23)
Estas velhas lutas marcaram a serra de São Miguel, tanto que até hoje, o povo da região denomina a antiga propriedade Quintos como “Quintos dos Infernos” e quando alguém está nervoso ou irritado, eles logo comentam; “tá igual ao Moita Braba”.
20 - A forma de escolha deu-se através dos votos dos desembargadores, onde em uma lista tríplice constava, além do nome do promotor Dionísio Filgueira, os então promotores de Macau e da própria Pau dos Ferros, respectivamente Manoel Xavier da Cunha Montenegro e Caetano Guimarães de Sá Pereira. Ver “A Republica”, edição de 31 de março de 1895, p. 02.
21 - Sobre a nomeação do juiz Filgueira em “A Republica”, na parte de “Actos Offciaes”, e notícias de sua transferência nas edições dos dias 16 e 23 de março de 1895.
22 - Ver edição de 31 de maio de 1894, de “A Republica”, pág. 01.
23 - Ver O jornal “A Republica”, edição de 31 de agosto de 1934, pág. 01.
Conclusão

Lendo os jornais da época, bem como os relatórios oficiais, percebe-se que a enérgica ação por parte do governador Pedro Velho no problema político de São Miguel, alterou os métodos de ação política da elite local na região. Mesmo sem maiores detalhes, as antigas fontes de pesquisa deixam claro que os coronéis buscaram se resguardar diante das autoridades, desfazendo os bandos de capangas e cangaceiros que gravitavam ao sabor dos cobres dos fazendeiros.

O caso de São Miguel é interessante de analisar, pois mostra que o principal governador potiguar do início do período republicano, aparentemente não aceitava tão facilmente à utilização de violências, armas e capangas, por parte dos coronéis em suas demonstrações de poder e proteção. Neste caso em particular, como se observa pelo tom das notas existentes nas mensagens governamentais e nos jornais, nitidamente havia o repúdio quando estes poderosos do sertão utilizavam, como “mão de obra especializada”, o serviço de cangaceiros oriundos de outros estados.

Estes fatos ocorridos em São Miguel, de certa forma ajudam a explicar a razão do porque o fenômeno do cangaceirismo não proliferou tão fortemente no Rio Grande do Norte como em outros estados.

rostandmedeiros@gmail.com


Legendas:
1 O que restou da casa grande da Fazenda Quintos. 
2 Junto ao alferes Francisco Justino de Oliveira Cascudo e sua esposa, D. Anna Maria da Câmara Cascudo, vemos seu filho, o jovem Luís da Câmara Cascudo
 3 As histórias sobre o cangaço que povoaram o universo do pesquisador e folclorista Câmara Cascudo, lhe foram transmitidas pelo seu pai e lhe ajudaram no processo de criação de sua única obra exclusiva sobre este tema, "Flor de Romances Trágicos".

2 comentários:

Sérgio Dantas.'. disse...

Taí um bom artigo e que foge radicalmente do que se tem como 'linha' tradicional: 'o cangaço é Lampião e que se despreze todo o resto'.
Não é por aí - penso.
Houve todo um processo histórico para se chegar a Lampião e este lapso temporal anterior ao 'rei do cangaço' vem, paulatinamente, sendo deixado ao lado, atirado ao mais inquietante desprezo.
Acho que a presente iniciativa do confrade Rostand engrandece mais ainda o conteúdo deste Blog.
Abraço a todos.
Sérgio.'.

Jeovaci disse...

Parabéns, a história mostra as melhores saída para o bem estar, nossas cabeças pensantes deve ser conduzido pela sociedade de outras épocas a não cometer erros presente.