Pasmem, Poço Redondo Existe!
por Rangel Alves da Costa*
Os mais velhos diziam e todos os relatos históricos confirmam que nas longínquas brenhas do sertão sergipano, no mais escaldante recanto do semi-árido de meu Deus, por entre serras, na vastidão dos mandacarus e xique-xiques, bem nas ribanceiras do Velho Chico, um dia surgiu um andante, depois mais um e mais um, que fixando-se no lugar construíram as primeiras moradias daquele ermo distante, que foi fazenda, vilarejo, povoado e mais tarde cidade.
A esse lugar deram o nome de Poço Redondo, como referência a uma grande cacimba existente no leito do riacho Jacaré – que circunda a cidade -, onde os vaqueiros iam saciar a sede dos animais.
“Onde vai cumpade?”, e o outro respondia: “Vou lá no poço redondo dar água ao gado”. E assim ficou: Poço Redondo.
Através da Lei estadual nº 525-A, de 23 de novembro de 1953, Poço Redondo foi desmembrado do município de Porto da Folha e passou à categoria de cidade, sendo termo judiciário da comarca de Gararu. A efetiva instalação do município ocorreu em 6 de fevereiro de 1956, com a posse do prefeito eleito no pleito de 3 de outubro de 1954, Artur Moreira de Sá, e cinco membros da Câmara de Vereadores. Assim, depois de muitas lutas de suas lideranças políticas, a localidade passou a ser regida pela Lei Orgânica dos Municípios e pôde reivindicar dos poderes federais e estaduais as melhorias necessárias para sua gente profundamente sofrida.
Com o passar dos anos e a evolução da municipalidade brasileira, mesmo assim Poço Redondo continuou com “aquele ar de antigamente”, mínimo desenvolvimento estrutural e o contínuo sofrimento do seu povo com a seca impiedosa. Não obstante tais aspectos, o município possui características que não podem deixar de ser observadas.
Geograficamente, é o maior município do estado, com 1.212 km²; no seu chão está localizado o ponto mais elevado de Sergipe, que á Serra Negra (Serra da Guia), com 742 m; de sua terra brota a nascente do rio Sergipe, na Serra Negra; é o 11º município sergipano em números populacionais, com 29.879 hab. e o 17º em termos eleitorais, com 16.390 eleitores; conta com o maior número de assentados do MST em Sergipe; foi cenário, em 1975 e 1976, respectivamente, dos cinedocumentários para o Globo Repórter “O Último Dia de Lampião” (de Maurice Capovilla) e “A Mulher no Cangaço” (de Hermano Penna) e do premiado filme “Sargento Getúlio” (em 1985, de Hermano Penna); foi o município nordestino que mais contribuiu com cangaceiros para o bando de Lampião, num total de 23 poço-redondenses, entre homens e mulheres; e foi em suas margens ribeirinhas, na Gruta do Angico, que Lampião e Maria Bonita, juntamente com mais nove cangaceiros, foram massacrados pela volante alagoana em 28 de julho de 1938, pondo fim ao ciclo do cangaço organizado.
Como observado, por mais que autoridades governamentais, estudiosos e pesquisadores, magistrados, jornalistas e todos “aqueles estranhos ao mundo sertanejo” tentem ou queiram menosprezar a terra e o seu povo, verdade é que Poço Redondo possui história, geografia, economia, atratividade turística e, o que é mais importante, dignidade na humildade, dignidade na luta e dignidade no caráter de sua gente.
Alertar sobre isso é uma necessidade imperiosa, vez que, como dito acima, o município quase sempre é esquecido pelas autoridades constituídas e por aqueles que formam a opinião pública. Somente nas tragédias e nas calamidades é que se torna alvo das políticas assistencialistas (no pior sentido da expressão) governamentais ou ganha volumoso e sensacionalista espaço na mídia. Quem não se lembra, por exemplo, do ônibus que incendiou e explodiu na pista que leva ao povoado de Santa Rosa do Ermírio, matando mais de vinte pessoas; da ponte sendo destruída pelas águas do riacho Jacaré, causando mortes ao longo do seu leito; da garotinha da Barra da Onça, bonita e de aspecto triste, da fotografia de Sebastião Salgado; da mãe de família chorando porque não tinha água nem alimentos para dar aos filhos; da farsa montada para mostrar pessoas comendo palma numa dessas estiagens passadas; enfim, da necessidade de mostrar que quanto pior melhor?
Outros fatos podem ser acrescentados para demonstrar o menosprezo e a falta de respeito pelo município e sua gente, fatos que de fininho saem do contexto local e alcançam vertentes muito mais amplas. Basta citar mais uns três ou quatro exemplos: frequentemente os repórteres das televisões afirmam que a Gruta do Angico está localizada no município de Canindé do São Francisco.
Poço Redondo é o único município do Estado que não possui uma rua sequer com seu nome em Aracaju, e isto é verdade que já foi comprovada pelos Correios; a localidade já sediou três agências bancárias (Banco do Brasil, do Nordeste e do Estado de Sergipe) e atualmente só conta com uma agência do Banese, e mesmo assim com a negativa perspectiva de fechar suas portas; e, por último, o fato mais recente que se propagou, quando a presidência do Tribunal de Justiça do Estado queria por que queria extinguir a comarca do município (projeto neste sentido chegou a ser enviado ao legislativo estadual) sob a alegação de que o lugar é muito pobre, distante da capital, as carências são visíveis em todos os sentidos e os digníssimos magistrados em início de carreira simplesmente não querem trabalhar lá. Em síntese, o TJSE vê Poço Redondo como um estorvo, como uma ovelha negra que não necessita da tutela judiciária estatal. Discriminação, preconceito, aversão ao sertanejo.
Mas tudo bem, os sertanejos de Poço Redondo são suficientemente fortes para perdoar tudo isso. Eles só querem o que lhes cabe de direito; só almejam possuir o suficiente para viver com dignidade; só querem que os outros não queiram eliminar a felicidade construída no dia-a-dia, molhados de lágrimas, queimados de sol. Ademais, colhendo das palavras do Eclesiastes, os sertanejos sabem que para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus: há tempo para plantar e tempo para colher; tempo para chorar e tempo para rir; tempo para viver com orgulho de ser tão sertão.
*Rangel Alves da Costa é advogado, escritor e filho de um famoso desbravador do "Sertão de Lampião" o escritor Alcino Alves da Costa.
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7 comentários:
Bom, se o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe envia projeto de lei para extinção da Comarca, isso não significa, a meu entender, 'preconceito para com o sertanejo'.
Se seguirmos esse raciocínio, só teríamos sede de Comarca no litoral....Se tal preconceito existisse, de fato, seriam extintas as Comarcas de Canindé, Capela, Gararu, Porto da Folha, Tobias Barreto, Frei Paulo..etc. Afinal ,são todas elas no SERTÃO!
Aqui no Rio Grande do Norte, onde vivo, tem sede de Comarcas a 500 km da capital e nunca se falou em extinção ou mesmo rebaixamento das mesmas à 1ª Entrância.
Muito curioso - e mesmo pitoresco - esse problema de Poço Redondo. Será que são esses mesmos os reais motivos para a suposta exinção? Será que o poder público (leia-se Município e Estado) tem dado condições para a cidade ser sede de Comarca? Será que o volume forense está de acordo com o que dispõe a Constituição do Estado de Sergipe e a Lei de Organização Judiciária local? Será que o número de eleitores está em consonência com o que exige o Código Eleitoral? (essas últimas questões dizem respeito a requisitos necessários para a constituição de uma Comarca). assim, seria interessante ver esses pontos.
Acho que é imprescindível ponderar o problema sob esse prisma..
Falar mal do Judicário sempre é fácil, mesmo sem se saber como este funciona. Já é histórico e cultural em nosso país ou em qualquer parte do mundo.
Porém, dar 'condições' para o bom funcionamento do mesmo nas pequenas Comarcas do interior, nem sempre é tarefa fácil. Há comarcas que nem Fórum digno tem..
São pontos a pensar.
Caso Poço Redondo preencha TODOS os requisitos, mas mesmo assim desejam extinguir a Comarca, sugiro um apelo ao CNJ.
Fica a sugestão.
Abraço
Sérgio Dantas.'.
NATAL
Poço Redondo assim como Piranhas é uma das principais cidades simbolos do cangaço.Eu pensava que Buíque tinha contribuido com mais cangaceiros, outra cidade é Cabrobó mais o cabra de Natal me disse que esta cidade pouco tem de episódio Lampiônico, o que teria muito é pe de maconha, aí não disse mais nada o cabra sabe o que diz ele é entendido nessas coisas.
Em Cabrobó houve uma ÚNICA passagem só do bando, em setembro 1926, onde não houve nada demais (a não ser a coleta).
Comparar a passagem do bando uma única vez com cidades onde o cangaço era permanente, Geziel?
Cabrobó é muito diferente de Piranhas, compadre!
Você gosta mesmo de Cabrobó, não é não?....
É que sou infante nas coisas cangaceiristas, mas me apeguei no que disse seu caçador de cangaceiro favorito, o Zé de Rufina", aliás queria sugerir para aquele novo estudo uma seção à parte sobre este pernambucano tocador de safona e matador de uma ruma de cabras.
Já eu acho que essa sua fixação em Cabrobó tem outra finalidade. Carece investigar....rsrs
Abraço, cabra velho
Sanguessuga: prefeito de Poço Redondo e mais sete são processados
Eles são acusados de fraudar a licitação de uma unidade móvel de saúde adquirida com verbas provenientes do Ministério da Saúde em 2002.
processados pelo MPF em Sergipe que ingressou nesta quinta-feira, 17 , com mais uma ação contra o esquema que ficou conhecido como 'Máfia das Sanguessugas'. Os alvos desta ação são o prefeito de Poço Redondo, Enoque Salvador de Melo, o Frei Enoque, o ex-secretário de Saúde do município, três ex-membros da Comissão de Licitação e seis empresários.
Uma unidade móvel de saúde adquirida com verbas provenientes do Ministério da Saúde em 2002. O veículo custou cerca de 50 mil reais em valores não atualizados. Em 2002, o município de Poço Redondo era administrado por Frei Enoque, que foi novamente eleito em 2008.
“O prefeito de Poço Redondo, juntamente com os membros da Comissão Permanente de Licitação, direcionaram a licitação de modo a permitir somente as participações das empresas integrantes do Grupo Domanski”, destaca o procurador da República Bruno Calabrich, que assina a ação. A Saúde sobre Rodas foi a empresa vencedora do processo fraudado.
Na ação, o procurador esclarece que a organização criminosa conhecida como Máfia das Sanguessugas atuou durante cinco anos, principalmente, com recursos provenientes de emendas parlamentares para a área da Saúde. A maior parte dos quais, destinados à aquisição de ambulâncias e equipamentos hospitalares.
O grupo tanto negociava o direcionamento de emendas, encarregando-se inclusive da elaboração de projetos para execução orçamentária, como agia na manipulação de processos licitatórios. Estima-se que este esquema tenha movimentado, em todo o país, cerca de 110 milhões de reais.
Penas
Caso sejam condenados na ação de improbidade, os envolvidos na manipulação da licitação em Poço Redondo poderão ser obrigados a devolver o dinheiro desviado, pagar multa, perder o cargo público, perder os direitos políticos e ficar proibidos de contratar com o poder público por até oito anos.
O procurador Bruno Calabrich pediu ainda que os réus sejam condenados a pagar indenização por dano moral coletivo. O valor a ser pago deverá ser decididos pelo juiz que julgará a causa.
Com Infomações do MPF/SE
Poço Redondo ainda existe!
Bom dia, boa tarde, boa noite...
Preliminarmente, gostaria de agradecer ao responsável pela luz que ilumina esse Lampião por ter incluído no importante espaço um texto de minha autoria. Obrigado mesmo. Vocês bem poderiam incluir outros. Fiquem à vontade.
Por outro lado, quero informar ao Sérgio Dantas - que criticou minhas observações sobre a visão do TJSE sobre Poço Redondo - que ele precisa conhecer a organização judiciária de Sergipe para contradizer minhas alegações. Data venia, mas ele precisa saber que aqueles requisitos que ele enumera para criação de uma comarca não são encontrados na maioria das divisões judiciárias do estado, mas em Poço Redondo não, pois o município atende, e de sobra, às exogências citadas. Assim, falar de boca cheia sobre uma causa que não conhece é fácil, difícil é ser com a realidade desconhecida. "in dubio pro reu".
Por último, sobre as últimas notícias que reacendem na mídia a existência de Poço Redondo, é preciso que se diga que hoje, diante do fanatismo político da maioria daquela gente eleitora, perante a atitude nojenta desses fiéis do voto absurdo, seria até bom que a sentença e a pena recaíssem não somente no dito prefeito, mas em todos aqueles que,através do voto desqualificado, insistem em continuar enlameando o nome do município. A cada nova eleição e mais dejeto, esterco, podridão... E tudo por conta de um povo sertanejo que que contradiz a lição deixada por Euclides da Cunha.
Obrigado.
Rangel Alves da Costa
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