Os quatro de Matta Grande
Por Jaozin Jaaozinn
Nos anos de 1935, a campanha contra o banditismo fervilhava por todos os sertões. Não só contra eles, mas também contra aqueles que mais lhe apoiavam: os coiteiros. Em Alagoas, na fazenda Aroeirinha, das imediações da cidade de Mata Grande/AL, vivia Félix Alves Rocha, coiteiro de cangaceiros. Por sinal, era o senhor o qual Lampião tinha mais apreço nas redondezas, tanto pela lealdade quanto pela amizade que este tinha com seus “meninos”. Mas esta fama ia longe e, como um pássaro, notícias de seus trabalhos para bandidos voou até aos ouvidos do tenente José Joaquim Grande, onde deu o ultimato para o fazendeiro.
Se não entregasse e cooperasse para a apreensão ou morte dos cangaceiros, seria ele quem arcaria com as consequências. Quem também sofria com esta angústia era o coiteiro Antônio Manoel Filho, conhecido Antônio de Amélia, do sítio Promissão, em que recebeu a mesma mensagem pelo dito militar. Afirmavam que Antônio se juntava com os cangaceiros e saía com eles para fazer estripulias, porém, em depoimento dele para a revista Região (1980) e ao Diário de Pernambuco (1935), disse que penetrou no bando entre os dias 16 e 17 de setembro, junto com o primo Sebastião Alves e o amigo Antônio Tiago — falaram que liquidaram um soldado para que os cangaceiros os aceitassem —, para vingar o compadre Antônio Mizael, sangrado por Corisco, e outras desavenças. Nessa tramoia, antes mesmo de entrar no grupo, combinou com Félix e seus filhos (Sebastião, João, Benedicto, e José Alves, o Zeca) e seus sobrinhos (Alfredo e José Alves da Silva, o Zuza) que iriam dar cabo dos bandidos, livrando, assim, dos crimes de “acoitagem”.
No dia 18 de setembro, Virgolino deu os afazeres para os sub-grupos e outros pequenos bandos. O bandoleiro Suspeita foi incumbido de pegar algumas encomendas que estavam na fazenda Aroeirinha, de Félix, e depois matar os homens de nome Alfredo Curim, Zé Horácio da Ipueira e 6 ou 7 da família Bento. Para a missão, Suspeita chama os cabras Medalha, Fortaleza e o valente Limoeiro, além de Antônio de Amélia e cia. Com a certa desculpa de que iria preparar tudo, Antônio Manoel partiu primeiro para a casa do compadre, com toda certeza que iria avisar sobre a chegada dos homens.
O grupo finalmente se arrancha no local. Faz as prévias saudações e ficam no terreiro da casa. O dia vai caindo e a noite vai se levantando; preparam então uma fogueira para se esquentarem. Alfredo e José Alves, o Zeca, já estavam postos; Zeca traz consigo uma rabeca para divertir mais ainda os cangaceiros, pois já estavam bebendo, comendo e jogando cartas descontraidamente. Estavam eles contando causos e relembrando alguns combates. Medalha estava em pé, "encorado" em uma catingueira; Fortaleza tinha colocado o seu embornal em um toco e escorou nele, ficando voltado ao fogo; Limoeiro ao lado de Tiago, ouvindo os assuntos; e Suspeita longe, conversando com Sebastião. Quando bem bêbados, os Alves botam o plano em ação.
O de Amélia combinou que o primeiro a morrer seria Fortaleza, matado por ele, e que depois seria os demais. Aproveitou o cochilo do bandido e, com o fuzil em mãos, foi por trás, mira na cabeça e o tiro falha. Rapidamente, coloca o fuzil nas costas e passa por debaixo do galho, para despistar. Limoeiro, apreensivo, pergunta o que foi aquilo. Antônio de Amélia diz que a arma detonou na hora que passou pelos galhos. Assim, o cangaceiro voltou a repousar. Descarta a bala e coloca outra, deixando o fuzil preparado. Já estava amanhecendo, umas 04 horas da manhã; o proprietário da fazenda Promissão vai na fogueira e prepara o café. Antônio novamente pega o fuzil, vai até as costas do cabra, mira na sua cabeça e o armamento não nega fogo. Morre o primeiro. O bando acorda e se levanta rapidamente, mas não dão conta.
Tiago já havia se pegado em Limoeiro, enquanto Sebastião se atracou com Suspeita e Alfredo com Medalha.
Sebastião enrola-se com Suspeita, e vendo que o cangaceiro iria puxar o seu longo punhal, pede para que alguém matasse o bicho, senão morreria rapidamente. Antônio de Amélia, então, dá uma coronhada na boca do bandoleiro, onde conseguem dominar e matar o rapaz. Morre o segundo. Correm até onde estava Tiago com Limoeiro que, mesmo ferido a bala, lutava feito uma fera. Sebastião pega nos cabelos do bandoleiro, afirma que foi ele quem matou Antônio Mizael, e atira contra o primo de Dadá. Morre o terceiro. Todos se juntam para onde Alfredo estava com Medalha, impedindo que o parente matasse o cangaceiro, com o objetivo de tirarem dele alguma informação.
Em breve diálogo dele (Medalha) com Sebastião, pergunta: “como é que você faz uma coisa dessas; chamar seus parceiros para vir matar a gente?”. Tião responde: “vocês já estão acostumados a matar com facilidade, nós também podemos matar vocês com facilidade”. Porém, no meio da discussão, reparam que havia outro corpo inerte no chão. Era de Félix, pai de Alfredo e dos demais, que morreu ao se aproximar do local. Louco e sedento de sangue, Alfredo saca a pistola do bandido Limoeiro e atira bem na cabeça de Medalha. Morre o quarto.
Os mortos são levados em cima de animais até Inhapy — pertencente à Mata Grande/AL —, apresentando o resultado do combate e da perda lastimosa de Félix Alves para o tenente Joaquim Grande. Encomendam um caixão para o fazendeiro, enquanto simples mourões eram colocados para que fossem amarrados os cangaceiros. Chamam José Uchôa — o mesmo que fotografou o corpo do cangaceiro Cirillo de Engrácia no mesmo lugar e ano —, para imortalizar o momento com suas chapas iconográficas. Primeiro dos quatro sozinhos e depois os seus batedores. Depois desta, os corpos foram enterrados no cemitério municipal do local: o de Félix certamente em cova familiar; os dos bandoleiros, em cova coletiva. Uma quantia de 4:070$000 foi achada em posse dos sequazes; o dinheiro foi dividido com todos.
Festa total com os moradores, e todos queriam ver a famosa foto. Os Alves ficaram conhecidos como “os matadores de cangaceiros”; alguns até pensaram em se alistar na volante. Porém, a tempestade maior viria. Corisco não deixaria isso passar impune, tampouco Lampião que foi traído por seu coiteiro. O corretivo chegaria, e seria feio.
𝐹𝑂𝑁𝑇𝐸𝑆: 𝐽𝑜𝑟𝑛𝑎𝑙 𝐷𝑖𝑎́𝑟𝑖𝑜 𝑑𝑒 𝑃𝑒𝑟𝑛𝑎𝑚𝑏𝑢𝑐𝑜, 1935; 𝑟𝑒𝑣𝑖𝑠𝑡𝑎 𝐴 𝑁𝑜𝑖𝑡𝑒 𝐼𝑙𝑙𝑢𝑠𝑡𝑟𝑎𝑑𝑎/𝑅𝐽, 1935; 𝐽𝑜𝑟𝑛𝑎𝑙 𝐴 𝑇𝑟𝑖𝑏𝑢𝑛𝑎/𝑆𝑃, 1935; 𝐽𝑜𝑟𝑛𝑎𝑙 𝐶𝑜𝑟𝑟𝑒𝑖𝑜 𝑃𝑎𝑢𝑙𝑖𝑠𝑡𝑎𝑛𝑜, 1935; 𝐽𝑜𝑟𝑛𝑎𝑙 𝑅𝑒𝑔𝑖𝑎̃𝑜/𝐶𝐸, 1980; 𝐿𝑎𝑚𝑝𝑖𝑎̃𝑜, 𝐴 𝑅𝑎𝑝𝑜𝑠𝑎 𝑑𝑎𝑠 𝐶𝑎𝑎𝑡𝑖𝑛𝑔𝑎𝑠 — 𝐽𝑜𝑠𝑒́ 𝐵𝑒𝑧𝑒𝑟𝑟𝑎 𝐿𝑖𝑚𝑎 𝐼𝑟𝑚𝑎̃𝑜; 𝑆𝑟. 𝐺𝑢𝑒𝑟𝑟𝑎; 𝐶𝑎𝑛𝑔𝑎𝑐̧𝑜 𝐸𝑡𝑒𝑟𝑛𝑜 — 𝑐𝑎𝑛𝑎𝑙 𝑑𝑜 𝑌𝑜𝑢𝑡𝑢𝑏𝑒; 𝑁𝑎𝑠 𝑃𝑒𝑔𝑎𝑑𝑎𝑠 𝑑𝑎 𝐻𝑖𝑠𝑡𝑜́𝑟𝑖𝑎 — 𝑐𝑎𝑛𝑎𝑙 𝑑𝑜 𝑌𝑜𝑢𝑡𝑢𝑏𝑒.
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