Andrelino Pereira Filho, único policial ainda vivo - com 104 anos, ex-integrante das tropas volantes que combateram o cangaço
Nascido em Cabrobó, Sertão pernambucano, em 18 de março de 1914, seu Andrelino jamais pensou que fosse viver tanto. Tornou-se volante porque, sem emprego, o jeito foi entrar para a polícia; mas quando entrou, não sabia que faria parte de uma tropa volante que entraria no Sertão em busca de cangaceiros. “Acabei lá. Quando convocaram, pensei em nada, só que ia pro Sertão e fui, calado”.
Os soldados andavam em grupos de sete, mais um comandante, e a tropa de Andrelino ficou pelas bandas de Alagoas (era época de ditadura, a de Getúlio Vargas, então a polícia comandava onde fosse necessário). Foram dois anos “andando no mato, dormindo no mato, vivendo o mato” - “dentro da caatinga de 1936 a 1938”.
Diz a história que cangaceiro tinha um cheiro peculiar, uma mistura de perfume ou água de colônia com suor, que acabava ajudando no rastreamento, como contra André Carneiro em “Capitães do Fim do Mundo”. “Mas não era uma certeza, era uma pista casual, acontecia. Só eles usavam, mas a gente, não. Se os encontrasse, bem; se não, seguíamos. Mas rezava pra não encontrar”, continua o ex-volante.
Sem descanso, sem comida, sem água, as volantes seguiam nessa missão ingrata; “ingrata” porque o pagamento era também escasso. “Comida era quando encontrava. Farinha, rapadura, queijo de coalho, se tivesse. Água, só quando encontrava um poço. Sobre banho, nunca se falou”.
As armas eram fuzis e o volante carregava, em média 50 balas que “pesavam como o diabo”, e nessa rotina dura, seu Andrelino diz que teve uma aliada: a calma. “Foi a primeira coisa que aprendi. A segunda foi a conviver; a terceira, foi ‘não atender a muita gente, a não dar atenção’. Se o camarada atende a muitas perguntas, passa o tempo todo. Eu preferia ficar em silêncio”.
As tropas não tinham treinamento, mas orientações de como se defender se encontrassem um bando. “Mas essa orientação era no momento. Estava no tiroteio e se os tiros apertassem, eu seguia a ordem: me jogava no chão”. Andrelino nunca ficou ferido (mas quase foi), nunca matou ninguém, nunca viu um de seus companheiros de tropa matando.
“O pagamento, eu não sei nem dizer como era. Eu lembro que a gente recebia, que tinha um sargento que era o pagador, Almeida, trazia tudo separado. Ele trazia o pacotinho de dinheiro. A gente chegava em uma bodega, fazia compras. Pronto, e o dinheiro desaparecia”. Não havia heroísmo, mas uma obrigação; não havia um intuito de fazer justiça, de trazer um bem social, mas uma vontade enorme de trabalhar para que o dia em que aquelas volantes terminassem chegasse logo.
Os coiteiros também davam pistas dos cangaceiros. Certo dia, diz seu Andrelino, foi o perfume de uma mocinha, numa casa, que entregou a presença de um bando. “Os cangaceiros estavam em uma distância de uns 500 metros e cozinhando um bode numa lata amarrada num pé de pau em cima de um fogo de lenha. Estava fervendo. A mocinha quis negar, mas terminou dizendo. Os cangaceiros deram fé e fugiram. Deixaram a lata fervendo lá. Ninguém comeu, quem sabia se não tinham colocado veneno?”.
Medo, seu Andrelino nunca sentiu, embora tenha visto e sentido muita coisa. Sentia, mas não podia falar porque, afinal, estavam todos do mesmo jeito. Alívio e alegria sentiu quando soube que a volante tinha terminado e ele seria deslocado para o Recife, onde faria serviços bem mais leves. “As roupas da volante eram de tecido grosso, feitas de todo jeito; no Recife, fizeram sob medida. Mas as duas eram cáqui e eu não uso mais cáqui desde que saí da polícia em 1966”.
Andrelino conheceu Lampião quando era menino. “Ele ia lá em casa, tomou café lá muitas vezes. Chamava minha mãe: ‘cumade’, tem um cafezinho?”. Tomava e ia embora”. E com seus 104 anos e sua memória reta, seu Andrelino defende uma tese diferente para a morte de Lampião. Ele ri da oficial - que Virgolino foi morto em uma emboscada em 1938, em Angico, Sergipe - e diz que tem certeza que o cangaceiro jamais morreria daquela forma. “Lampião morreu em Minas Gerais, na fazenda São Francisco, muitos anos depois, em 1963, justamente neste mês que estamos, de julho, mas eu não sei a data exata”.
“Um amigo dele, de Lampião, era amigo meu, um senhor de Porção (cidade do interior de Pernambuco). Tinha trabalhado com ele. Eu estava em Pesqueira (outra cidade pernambucana, localizada no Agreste), engraxando sapato, quando ele passou e falou: ‘sabe de onde eu venho? De Minas Gerais, do enterro de Lampião’. O que, homem?! Lampião morreu? Era mês de setembro. Eu já sabia que ele estava na fazenda São Francisco. As coisas passam no meio do mundo e a gente sabe”.
Por: Tatiana Notaro | Foto: Rafael Furtado
Publicado originalmente no www.folhape.com.br em 28/07/18
Créditos do achado para Joel Reis
Nenhum comentário:
Postar um comentário