O Fogo de Favella - Pery-Pery, em Juazeiro
Transcrito por: Rubens Antônio
O combate de Favella narrado pelo commandante da força que destroçou os bandidos
A emboscada na escuridão da noite - A força responde corajosamente ao fogo - Retiram-se os bandidos sob a pressão da policia. O famigerado bandido que ha tres annos assola os sertões nordestinos,
usando uma velha tactica, caiu na caatinga onde a perseguição é
praticamente impossivel.
Damos hoje, como materia muito interessante, a “parte do combate” do
tenente Odonel ao coronel Terencio Dourado, commandante das forças em
operações, sobre o encontro de Favella.
“Tinha Lampeão desapparecido nas proximidades do Estado de Sergipe, na
fazenda Riachão, no dia 27 de dezembro do anno passado. Os destacamentos
volantes procurando descobrir o esconderijo, cruzavam as caatingas em
differentes direcções, empregando o esforço possivel para não deixal-o
escapar.
Por ordem do capitão Macêdo, havia eu ido bater nas caatingas de
Fonseca, Vacca Branca, Estreito, Lagoinha, Umbuzeiro, Tameberi, Sítio
dos Ferreiras, Montanha, Canna Bravinha, Almeida e Borracha, o que fiz
sem resultado, visto não ter encontrado vestigio algum dos bandidos. A 23 d’este, estando eu na Fazenda São Gonçalo, onde havia chegado em
noite de 22, recebi uma ligação do sargento Bitú, que se achava
destacado em Patamuté, avisando-me de que Lampeão havia surgido na
Fazenda Boa Sorte. Mandei incontinente pegar a cavalhada, fiz a ligação com Barro Vermelho
e marchei para Juá, contornando a serra da Borracha, pelo lado Oeste
por ser velha estrada dos bandidos, e ao chegar na Fazendo Olympio, fui
informado de que Lampeão com quatorze caibras alli tinha passado todos a
cavallo, ás 10 horas da manhã.
Sem perda de tempo viajei
na pista, indo perdel-a ao anoitecer na Fazenda Icó, onde elles deixando
a estrada se infiltraram na caatinga afim de difficultar a perseguição.
Bastante desorientado por ter perdido a direcção delles, segui para
Cacimba da Torre, onde cheguei muito tarde sem noticia alguma, rasão
porque alli pernoitei de 23 para 24.No dia seguinte (24) procurando descobrir novamente a pista segui para Salta de Pedra, São José e Paredão onde felizmente elles tinham passado ao amanhecer do dia. Mais animado então por ter encontrado a pista, marchei para Lealdade,
Sítio, Caldeirão da Canôa, Caldeirão de Cima e Campos, fazendo n’este
ponto pequeno e stacionamento ás 18 horas afim de descançar um pouco a
cavalhada, que estava exhasuta e faminta.
Depois de uma hora de descanço proseguiu viagem, forçado a marcha um
pouco, depois de ter passado pelas Fazendas Mudubim e Boqueirão, onde
Lampeão havia pegado o estafeta e queimado a mala, alcancei ás 24 horas a
Fazenda Periperi, que dista da cidade de Joazeiro 15 kilometros, onde
fui informado pelo sr. Severiano de Tal, que Lampeão alli tinha chegado
ás 18 horas, feito quatro cartas aos srs. cel. Miguel Cerqueira, dr.
Adolpho Vianna, cel. Ignacio Macêdo e cel. João Evangelista
exigindo dinheiro, e viajado ás 20 horas para a Fazenda Favella de onde
mandou buscar um cantil de cachaça e uma corrente de ouro, que por
esquecimento tinha deixado.
Immediatamente, mandei deitar a cavalhada no pasto, reuni os
destacamento, n’este momento já desfalcado devido terem se atrazado
cinco soldados que viajavam á pe, procurei um rapaz para me servir de
guia, e aos 15 ou 20 minutos do dia 25 viajei para a Favella que dista
de Periperi tres kilometros.
O meu destacamento então composto por dezenove homens commigo, bem escalonado viajava, guardando profundo silencio. Depois de uns trinta minutos de viajem o guia avizou-me de que nós nos
aproximavamos de Favella, e tira uma camisa que usava afim de se
confundir com a escuridão da noite. Estavamos effectivamente sahindo da
referida Fazenda.
O sentinella dos bandidos percebendo a approximação da força faz fogo a curta distancia.
Tinhamos cahido, portanto, na emboscada que elles haviam preparado afim
de aguardar o regresso do portador que tinha ido a Joazeiro ou a chegada
de qualquer força, exactamente o que aconteceu.
O sargento Adherbal com alguns soldados heroicamente respondem o fogo no
flanco esquerdo, emquanto eu procurei desalojar alguns bandidos que
estavam no flanco direito, o que não me foi muito difficil visto, n’este
interim, ter irrompido forte tiroteio quasi a retaguarda dos bandidos
que todavia foi de um effeito extraordinario, não obstante ser um pouco
affastado do local.
Era o tenente João Candido que neste momento tão critico, mesmo
ignorando a minha presença, como eu a delle, me soccorria, pois os
bandidos que brigavam no flanco direito passaram logo para oe squerdo e
quasi por cima d emim. No momento em que elles procuravam reunir-se aos
demais asseclas, ouvi alguem me chamar, não tendo, entretanto,
respondido devido achar-me n’uma posição difficil. Era o bravo e
abnegado soldado Israel Martins Benicio quem me chamava por ter de se
retirar da lucta com alguns companheiros conduzindo o sargento Adherbal,
que se achava gravemente ferido, e não queriam me deixar.
Os bandidos
já reunidos e entrincheirados n’uma parede de Pedra, no flanco esquerdo
continuavam brigando, deixando de quando em quando ouvir gritos e
improperios. Passei, então, para o flanco esquerdo onde encontrei
brigando, desassombradamente, alguns contractados; entretanto os
bandidos percebendo que a acção dos atacantes tomava certa tenacidade
fugiram para o Serrote chamado da Favella, terminando assim o combate
que talvez não tivesse durado vinte minutos. Tudo ficou envolto em
profundo silencio.
Demorei-me um pouco no local, e como não visse pessôa alguma,
encaminhei-me para meu acampamento em Periperi, cuja direcção ignorava
visto ter luctado em differentes posições.
Viajei com a presumpção de que fosse effectivamente para lá, o que
verifiquei momentos depois não ser verdade devido a dois bandidos terem
me chamado:
- “Companheiro espere ahí”
Deitei-me e esperei julgando mesmo que fossem soldados, quando ao clarão
do relampago divulguei pelos chapeus que não eram soldados fiz fogo.
Travamos ali ligeira escaramuça e elles espavoridos fugiram. Mas
orientado por saber a direcção dos bandidos, viajei, alcançando o
acampamento ás duas horas da manhã, onde já encontrei feridos gravemente
o sargento Adherbal de Medeiros Borges e o contractado José Domingos
dos Santos, este com dois tiros e tendo o seu fuzil inutilizado por
balas.
Ao chegar, o soldado Israel me disse já ter feito uma ligação para
Joazeiro pedindo medicamentos para os feridos e mandando dizer que eu
não tinha apparecido até então, julgando-me morto, talvez. Ao amanhecer
do dia, após o combate de onde coletaram trasendo-me um lenço perfumado,
côr de rosa, dois canecos de flandres e uma lata, systema cantil,
deixados pelos bandidos.
Terminando devo dizer-vos que o sargento Adherbal portou-se como todo e
qualquer militar deve portar-se, isto é, com bravura, sangue frio e
dedicação ao lado dos seus companheiros e da ordem. Ainda são dignos de
vossa atenção o soldado Israel Benicio, e os contractados Jacintho
Porphirio da Cruz, Antonio Francisco de Moraes, José Domingos dos Santos
e Francisco Lopes, já pela bravura demonstrada na peleja, já pela
abnegação pura que tiveram como o sargento Adherbal. Cidade de Bomfim,
30 de Março de 1930
a) 2° Tenente ODONEL FRANCISCO DA SILVA, commandante do destacamento volante.”
.
29 de março de 1930, no “Boletim Geral Ostensivo da Força Publica do Estado da Bahia”:
EXCLUSÃO POR FALLECIMENTO E PROMOÇÃO POST-MORTEM
Considerando que o mesmo foi um valente que tinha a noção exacta do seu dever e soube cumpril-o, promovo-o ao posto de 3° sargento post-mortem.
12 de abril de 1930, no “Boletim Geral Ostensivo da Força Publica do Estado da Bahia”:
ELOGIO – PROMOÇÃO
Acervo Rubens Antonio |
Elogio, portanto, o Snr. 2° Tenente Odonel Francisco da Silva e os soldados Israel Martins Benicio, Jacintho Porphyrio da Cruz, Antonio Francisco de Moraes e Francisco Lopes, que mais se distinguiram no combate.
Promovo ao posto de cabo d’esquadra o soldado Israel Martins Benicio, não só por ser bravo como tambem pelo espirito de iniciativa que revelou.
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