quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Aproveitando o ensejo do filme...

Povo clama pela presença do Rei do Baião para pacificar o Exu

Luiz Gonzaga foi contratado pelo governo para acabar com briga entre famílias.


Secretário de Cultura de Exu, Bibi Saraiva 
considera que houve omissão da Justiça no conflito entre as famílias Sampaio e Alencar.

A guerra entre os Alencar e os Sampaio entrou para a história como um dos episódios mais tristes do Exu. Deixou marcado no âmago das famílias o mais doloroso e agudo sentimento da perda de entes queridos. Durante mais de 30 anos, a população conviveu com o clima de tensão e insegurança. Acordos de paz propostos pelo Exército e pela Igreja tornaram-se nulos. Esforço em vão. Puseram à prova até o prestígio do Rei do Baião, que lutou para resolver a questão. Porém, mais uma vez, a influência de Luiz Gonzaga se sobrepôs. Não foi o principal responsável pela trégua das brigas, mas teve, sim, papel importante na resolução do problema.


Historiador Frederico Pernambucano de Mello (Foto) aponta que a briga no Exu terminou por conta da exaustão.

Ligado à família Alencar, Gonzaga poderia ter escolhido um lado no conflito, ou até mesmo ficado em ‘cima do muro’, sem se meter em confusões. Seria o caminho mais fácil. No entanto, o Rei tinha uma missão a cumprir. O povo exuense e as lideranças políticas da região clamaram pela presença do sanfoneiro, maior ícone do município. Ele, então, se fez presente. No início dos anos 1970, é contratado pelo governador de Pernambuco, Eraldo Gueiros, para missão diplomática na cidade, que desde o dia 10 de abril de 1949, data das mortes de Romão Sampaio Filho e de Cincinato Sete de Alencar, considerado o marco inicial da guerra, não sabia o que era paz.







As tentativas iniciais de pacificação, porém, naufragaram. Em uma delas, o artista indicou o primo Antônio Bento do Nascimento, então presidente da Câmara Municipal de Exu, como candidato único de pacificação. O nome foi aceito, mas as brigas não cessaram. Na ocasião, o conflito já contabilizava pelo menos 10 vítimas. A partir daí, outras tentativas de paz se sucederam. A inércia do Governo e da Justiça, na época, atrapalhou o processo.

"Houve a omissão do Estado e da Justiça. Era para ter acontecido algo mais intervencionista, mais apaziguador, porém, não houve consenso. Só houve quando Luiz Gonzaga tentou, por inúmeras vezes, como em 1972, no governo de Eraldo Gueiros, depois no governo de Marco Maciel e no de Roberto Magalhães", explica o secretário de Cultura de Exu, Bibi Saraiva, que também é autor de um livro com 546 páginas - ainda não publicado - sobre o conflito. "A preocupação de Luiz Gonzaga em acabar com as brigas foi nítida".

O momento de maior envolvimento do Rei do Baião foi em 1981, no governo de Marco Maciel, quando o sanfoneiro foi pessoalmente pedir ajuda, em Minas Gerais, ao então vice-presidente da República, Aureliano Chaves. A assinatura do pacto de não-agressão, encomendado pelo cardeal arcebispo de Salvador, dom Avelar Brandão Vilela, não surtiu o efeito desejado. Com a sanfona branca no peito e o chapéu de couro na cabeça, Gonzagão solicitou a Aureliano uma intervenção federal no Exu. O pedido foi atendido e o major José Moura se encarregou de instaurar a tão sonhada trégua nas brigas. A intervenção durou até o início de 1983. José Peixoto de Alencar, que já havia sido eleito antes mesmo da intervenção, assumiu a prefeitura.


Dom Avelar Brandão Vilela
In www.radiopioneira.am.br

Já o historiador Frederico Pernambucano de Mello, autor de “Guerreiros do Sol: Violência e Banditismo no Nordeste do Brasil”, tem uma visão diferente sobre os motivos que levaram ao fim do conflito. “Essas lutas de famílias morrem por exaustão. Não é um candeeiro que alguém chega e apaga. Morre porque acabou o querosene. Aí vem uma nova geração, que não vê mais sentido naquilo”. Para o pesquisador, a pacificação foi conseguida não apenas por uma pessoa que empenhou determinada ação. “A história não se faz por causas, mas, geralmente por concausas”. Então, Luiz Gonzaga introduziu uma concausa, assim como Dom Avelar Brandão.

Clima na terra do Rei do Baião voltou a ser de paz
Alencar e Sampaio voltam a estampar sorriso no rosto com convivência pacífica

O sorriso estampado no rosto da simpática Lucélia Sampaio, mais conhecida como Téa, não deixa oculta a alegria que durante anos teimou em se esvair. Neta e uma das herdeiras de Romão Sampaio Filho, antigo prefeito do Exu, sentiu na pele as consequências mais cruéis do sangrento conflito entre os Sampaio e os Alencar. Enredo semelhante viveu Mafisa Alencar, neta do coronel Manoel Ayres e descendente do Barão de Exu, antigo proprietário da Vila do Araripe, povoado onde Luiz Gonzaga se criou. Assim como Téa, aprendeu a lidar desde jovem com a dor da perda. Passados 30 anos do início da intervenção federal no município, no entanto, o ressentimento do passado deu lugar à convivência pacífica entre duas famílias civilizadas.



Fim de tarde, o sol começa a se pôr no Exu. Numa espécie de ritual coletivo, moradores põem as cadeiras na beira da calçada. O portão de casa fica aberto. O vento sertanejo circula na mesma proporção de pessoas que entram e saem da residência. Gente toda hora. No domicílio ao lado, o vizinho também posiciona seu assento. Senta. Observa o movimento. Na rua, o silêncio só é interrompido pelo grupo de estudantes que caminham a sós, um brincando com o outro. Carros, quase nenhum. Motocicletas, em maior número, mas sem congestionamentos. São 18h, o sino da igreja badala anunciando o fim do dia. Cenário de uma típica e pacata cidade do sertão nordestino, que, 60 anos antes, via iniciar um de seus capítulos mais tristes.

Rotina que Téa deixou de viver durante 40 anos. Não por opção, mas por necessidade. Apreensão. Medo do clima de tensão que pairou na cidade. Viver em paz, só se for longe do Exu. Destino: Recife, bairro de Areias. Decisão difícil, porém, a mais coerente naquele momento. "Passamos muitos anos sem andar no Exu. Tínhamos medo de sair. Papai para ir trabalhar, por exemplo, tinha que pegar carona no carro da polícia. Tivemos que ir embora daqui (Exu). Não foi fácil. Você ter tudo construído na cidade, e de repente a família ter que ir pra outro lugar, refazer a vida todinha fora ", relata Téa.

Do Recife, restou a saudade e os amigos, inclusive Lucinha, membro da família Alencar, prova da mágoa que ficou esquecida. "Quando me encontro com ela, conversamos bastante. É uma amizade de falar uma com a outra numa boa, sem ter rancor", ressalta. No regresso de Téa ao Exu, muita coisa havia mudado. A intervenção do governo federal, capitaneada pelo major José Moura, iniciou a trégua no longo conflito. De Mafisa, ficam o respeito e a gratidão. "Ela (Mafisa) foi minha professora e, particularmente, não tenho nada contra. Ela me abraça e pergunta pela minha mãe quando nos encontramos. Tenho carinho especial por ela".

No Povoado do Araripe, reduto da família Alencar, a paz parece ter instalado residência fixa. Disputa entre famílias, agora, só nos comentários ou livros de história. "Isso é uma página virada. Hoje nós vivemos em paz. Só da gente, foram 14 famílias embora do Exu, mas, graças a Deus, estão todos muito bem", garante Mafisa. Para a herdeira do Coronel Manoel Ayres, o que o município ganhou em tranquilidade, após o fim das brigas, ainda terá que recuperar em progresso. "O Exu emudeceu, parou no tempo e no espaço. Se inchou, mas não cresceu. Aqui é terra de gente inteligente", orgulha-se.

Tá tudo lá na Folha de Pernambuco

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