quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Diário de um massacre

Relatório do ten. Geminiano sobre o ataque de Lampião a Queimadas

Documento transcrito em grafia da época por Rubens Antonio ( * ) .


 Tenente Geminiano 
Foto: Antonio Amaury e Luiz Ruben, in "Lampião e as Cabeças Cortadas, pg 87 . 

Relatório do Capitão José Galdino de Souza, de Senhor do Bonfim sobre Relatório do tenente Geminiano José dos Santos, relativo ao Massacre de Queimadas, com transcrição daquele, encaminhando-o à Secretaria de Policia e Segurança Pública da Bahia. Peça importante para o entendimento deste evento referencial no Cangaço, relata, a partir do ponto-de-vista do tenente Geminiano, o massacre de Queimadas. Documento relevante, especialmente por o tenente Geminiano ter sido morto, mais tarde, em confronto com o bando do cangaceiro Lampeão. Conseguido por mim, em levantamento em arquivo de documentos da Polícia Militar da Bahia.



 Capitão José Galdino de Souza

Ao Exm° Sr. dr. Bernardino Madureira de Pinho
M.D. Secretario de Estado, Policia e Segurança Publica da Bahia

Divulgado o horrendo morticinio de 7 (sete) praças do destacamento da Villa de Queimadas, praticado pelo bando “Lampeão” em a tarde de 22 do expirante, ás 3,35 minutos da manhã de 23, em trem especial, fiz seguir áquella Villa, o 2° Tenente Geminiano José dos Santos para garantia e em uma incumbencia, tambem, de prestar informes sobre a chacina, cujo relatorio feito com o auxilio perspicas e intelligente do Sr. CPm. Médico Dr. Arthur Xavier da Costa, moço este, durante a minha acção nesta cidade muito vem concorrendo para a bôa ordem publica e incitamento de coragem aos camaradas cntra o banditismo que infelizmente vem demorar a sua extinção.

Na integra transcrevo a Vossa Excellencia o Relatorio que acima referi .
“relatorio apresentado ao capitão José Galdino de Souza, a rrepto da entrada de Lampeão em Queimadas, pelo tenente geminiano José dos Santos.
Illmo Sr. Capitão José Galdino de Souza, em conformidade com as vossas ordens afim de apurar as ocorrências da incursão de Lampeão em Queimadas no dia 22 de dezembro corrente tenho a dizer–vos que me transportei áquella Villa, trem especial ás 3,35 da manhã de 23, e lá chegando, procurei logo o Sr. Dr. Arlindo Simões que me historiou do facto e com o mesmo vos dei conhecimento pelo telegrapho do occorrido. Procurando em seguida o Dr. Manoel Hilario Nascimento, Juiz Preparador do Termo que me forneceu as informações seguintes: Em cerca de 3 horas e 40 minutos da tarde de domingo 22 treis individuos em trages de cangaceiro se dizendo mesmo caibras de Lampeão e que depois elle soube serem Marianno, Antonio de Engracia e Gavião invadiram a sua residencia exigindo pagamento em dinheiro; que á sua recusa elles responderam que nesse caso se considerasse preso e elle, reacção nenhuma podendo fazer, ficou á discrecção dos mesmos. Tempos depois entrou o proprio Lampeão com parte do seu grupo trazendo o sargento Commandante do Destacamento, que não foi logo por elle reconhecido pelo facto de se achar a paisana, o que elle fazia questão de accentuar pois era a primeira vez que via o sargento em trajes não militares.


Manoel Hilario Nascimento, Juiz.

A elle foi confiado, occasião, a guarda de todo o armamento do destacamento que ficou depositado em sua casa até a hora da saida, pela madrugada. Em seguinda o proprio Lampeão exigiu do Juiz preparador, mesmo de pyjama como se achava, a sahida á Rua afim de apresental–o as pessoas que podessem lhe fornecer dinheiro; que o Juiz reccusando sahir de pyjama por ser um autoridade e não lhe ficar isso bem o proprio Lampeão concordou em que fossem chamadas as pessoas em sua casa para ahi, determinar as quantias com que casa um devesse contribuir para o saque; que pelo proprio official de Justiça elle mandou chamar alguns negociantes cujos nomes eram tomados pelo proprio Lampeão sendo elle mesmo Lampeão quem prefixava a quantia. A proporção que cada negociante se apresentava, dava o nome e por sua vez o mesmo negociante ia indicando outros que podiam tambem entrar com dinheiro.

Obtidas essas informações do Juiz Preparador ouvi pessoas outras na localidade que me informaram, mais ou menos, o seguinte: Em as 15 horas de domingo 22 de dezembro foi visto um grupo atravessando o rio em canôa, grupo esse que pareceu a muita gente ser força Pernambucana; que dois ou treis delles se dirigiram logo a estação da estrada de ferro que foi fechada sendo preso o telegraphista; que Lampeão e mais cinco do seu grupo se dirigiram para o quartel onde surprehenderam o sargento e mais 5 praças sendo as duas restantes presas na rua e conduzidas ao quartel; ...

Sargento Evaristo Costa 
Comandante do Destacamento de Queimadas, já em idade avançada.
Foto: Acervo de Rubens Antonio


...que o sargento Evaristo Carlos da Costa, commandante do destacamento lhe informou que só deu pela presença do grupo de Lampeão quando já habia galgado a escada que dá acesso para o Quartel estando os fuzis e a munição de reserva, em outro compartimento, não lhes foi possivel uma reacção dado o imprevisto da chegada. Informou mais, o sargento, com testemunho de outras pessoas da localidade que, Lampeão, recolhidos os soldados no mesmo xadrez, em que estavam os criminosos, os foram postos em liberdade, exigiu do sargento a entrega de armamento e da munição; que elle, mesmo sem poder fazer redução respondeu que não podia dar armamento e munição pois que estava sob guarda e delles era responsavel; que Lampeão respondeu que a responsabilidade delle tinha cessado, pois que naquelle dia, alli em Queimadas, elle Lampeão, era tudo – Chefe de Policia, Governadôr, tudo enfim; que em seguida perguntou–lhe se sabia onde era a casa do Juiz obrigando–o a ir com elle até lá, onde depoisitou o armamento já tendo sido a munição repartida entre os caibras, munição essa que era calculada em cerca de seiscentos cartuchos; que em casa do Juiz permaneceu longo tempo sempre guardado indo depois ao bar do Cirsio onde os caibras quizeram que elle bebesse; que á sua recusa lhe foi offerecida gazoza, que elle tomou por lhe ser impossivel reccusar; que nessa ocasião foi avisado de que a noite haveria um baile e que elle estava convidado para dansar; que, com a bebida, tambem recusou dizendo que nunca havia dansado ao que não insistiu; que em seguida levaram–no para a casa do sr. Amphiloquio Teixeira onde permaneceu longo tempo; que teve varias oportunidades dentre ellas se lembra da occasião em que estava na casa do Juiz, de fugir, mas não o fez por ser um ato de covardia embora estivesse certo de ir morrer sendo que uma das vezes pediu a um popular, seu conhecido, uma arma para suicidar–se idéa logo affastada pelo facto da difficil aquisição da arma; que viu varias pessoas confabulando em casa do dr. Amphilophio Teixeira com o bandido Marianno, seu principal guarda, sendo que uma daz vezes aquelle respondeu: – não, não sei. vou falar com o capitão mas acho difficil; que só depois veio a saber que esta confabulação tinha por fim a obtenção de sua liberdade, nem um pedido porem, tendo feito elle até então; que chegou Lampeão, cerca de 5 horas da tarde depois de conversar com pessoas da casa do dr. Amphilophio e com o proprio Marianno perguntou–lhe se elle sargento Evaristo não sabia que tudo que elle Lampeão prometia cumpria; que respondeu que já tinha ouvido fallar nisso; disse–lhe isto que tinha perdido um homem em Aboboras, a quem era tão grato que se matasse toda a Força Publica não lhe pagava o companheiro perdido e a quem lhe devia a vida.

Em seguida Lampeão communicou–lhe que aberta para elle uma excepção coisa rara aliás, resolvendo não mais matal–o e que elle podia ficar á vontade que nada mais lhe aconteceria; que tendo Lampeão lhe communicado que ia fazer uma besteira no quartel e comprehendendo elle que isso significava a morte dos seus companheiros que estavam presos elle então disse a Lampeão: – vou lhe fazer o primeiro pedido, depois que eu estou preso; não desejo assistir a morte dos meus companheiros; ao que Lampeão lhe respondeu ser indifferente, que podia deixar de ir sendo–lhe exigida ainda a entrega de dois fardamentos kakis, que elle mesmo foi buscar em sua casa sendo esta mais uma das vezes em que não quiz fugir; que tão atordoado estava com os factos desta tarde que nem ouviu os estampidos dos varios tiros com que foram trucidados seus companheiros, só mais tarde, por occasião da saida do grupo foi que veio a saber da chacina havida. Pude apurar por informações da população e principalmente do Juiz Preparador que o sargento já havia dado provas de energia principalmente na occasiao da passagem de Curisco nas visinhanças de Queimadas quando queimou a Estação do Rio do Peixe e que com os proprios soldados era sempre energico mas não passava desapercebido á população o abandomno principalmente por parte das praças e que todos se admiram da facilidade do sargento nesse dia em que foi surprehendido por Lampeão.

Outras informações foram por mim colhidas e que embora não tenham grande ligação com a minha funcção não é de mais que as traga ao vosso conhecimento, antes porem digo devo informar–vos que os nossos companheiros ás cinco e treis quartos, mais ou menos, foram barbaramente trucidados por Lampeão e seu grupo tendo Lampeão da casa do Juiz, se feito acompanhar pelo carcereiro até ao Quartel; que lá chegou Lampeão e mais dois outros entraram acompanhados pelo carcereiro que recebeu ordens de abrir o xadrez; que o quartel, no tempo do occorrido entre a prisão e a chacina ficou sob a guarda de seis criminosos que foram soltos por Lampeão sendo dois delles praças comdemnadas, digo a espera do julgamento; que as praças no dia seguinte voltaram ao quartel mandando o Juiz já que ellas não quizeram fugir ficassem em liberdade e que os quatro criminosos evadiram–se; verdade dessas informações áquellas passadas no proprio officio do quarte, algumas dellas eu obtive dos proprios que foram testemunha de vista da chacina; que aberta a porta do xadrez pelo carcereiro Lampeão ordenou ao primeiro soldado que desceu a escada ... dois tiros na cabeça dados pelo bandido Antonio conhecido por Volta Secca em seguida sangrando o soldado quasi cadaver;...


"Volta Seca ", logo após a sua prisão.....Ainda, um menino


...que ao ouvir dois estampidos o carcereiro confessou não mais ter animo para abrir a porta do xadrez, sendo o proprio Lampeão quem, com um ferro levantou a lingueta da porta do xadrez deixando passar o segundo soldado que teve o mesmo castigo e assim todos os outros; que o proprio carcereiro foi empurrado por Marianno para ter a sorte que Lampeão não fez dizendo; que elle não era macaco e que tinha familia grande, que dahi se dirigiram á Pensão todos os dezoito do grupo, só o Ezequiel Ferreira, Ponto Fino, irmão de Lampeão não comeu se queixando de que tinha apanhado um resfriado havendo quem pense que elle esteja tuberculoso, pois confessou que estava muito doente e que precisava descançar; após o jantar que não pagaram e onde foram servidos por representantes de casas commerciaes da Bahia dirigiram–se para o Cinema onde forçaram o proprietario a dar uma secção cinematographica seguindo–se depois as dessas para o que convidaram varias familias da ocallidade; assim dançaram em a casa do Sr. Antonio Felix Baptista, na casa do Sr. Antonio Ferreira de Araujo, representante do Banco do Brasil e proprietario do Cinema e na Sociedade Recreio queimadense onde permaneceram até a hora de se movem cerca de duas e meia hora da manhã; que tanto durante a scção cinematographica e como durante as dansas, apenas tomaram parte 10 inclusive Lampeão, ficando os outros oito fiscalizando as immediações e até mesmo a Estação. em um quadro feito a lapis da Sociedade Recreio Queimadense, o proprio Lampeão traçou as seguintes palavras que transcrevo:
 “22 dezembro de 29,
Peço desculpe a o Governador Em eu Capm. Lampeão dar Este Paceio aqui em Queimada e asesti Em Um Senema lhe didio devera não Endoide Seu Governador Vitá Suór apois com Sua perseguição Estou engordando até penço que vou é mi cazar. 
Seu superior, Cap. Virgulino Ferreira Lampeão.”
– Convem accentuar, como homenagem á sua memoria para que sirva de estimulo que seus companheiros que o soldado Aristides Gabriel de Souza ao ser convidado por um dos bandidos para levantar o rosto porque ira morrer, Respondeu: – Vocês matem um homem, covardes, porque pegaram de surpreza seus descarados.–
deste ato de coragem que lhe valeu maior trucidamento do que seus companheiros, peço e indo communicar–vos que, por investigação pessoal do dr. Xavier Costa, que alli se achava no serviço de exhumação dos referidos cadaveres por ordem do Exm° Sr. dr. Secretario da Policia, fui informado que a p. da Pensão, Lampeão, em um momento do intima expansão disse ter assassinado Curisco porque estava se tornando muito altivo e ousado, o que parece ser uma verdade porque os seus companheiros de ataque á estação do Rio do Peixe estão todos com Lampeão não se fallando mais em Curisco.
Assim, cumprindo as vossas ordens declaro, ainda, como um preito de justiça, que para perfeito desempenho da minha missão contei com o auxilio valioso, em todas as investigações, como boa vontade do Sr. Capm. dr. Arthur Xavier da Costa, segundo vosso pedido a elle feito. Saudações
Cidade do Bonfim, 24 De Dezembro De 1929
(A) Tenente Geminiano José dos Santos.”
 Respeitosas Saudações
Cidade do Bomfim, 25 de Dezembro de 1929
Capm. José Galdino de Souza
(*) Rubens Antonio - Mestre em Geologia, Artes Plásticas e História, entende-se como um Historiador Natural, com aspectos também de Filósofo Natural. Contato: historiageologica@gmail.com

Tem muito mais no Blog do Confrade Rubens
*A matéria foi enriquecida com fotos do acervo de Ivanildo Silveira 

5 comentários:

Matheus disse...

Muito bom esse relato. Um ótimo achado. Está um pouco difícil de ler, por causa do Português arcaico, mas com calma consegui entender tudo. Parabéns pelo post!

Rubens Antonio disse...

Prezados... Entrevistei o coveiro em Queimadas. O mesmo disse que as crianças simplesmente apontam duas ou três sepulturas, como estas, dizendo serem as dos soldados. O coveiro indicou uma outra, à esquerda de quem entra, dizendo que a tradição indica ser aquela. Entretanto, o "seu Noza", testemunha ocular do massacre, desmente todas. Afirma que os soldados foram inumados próximo ao muro da igreja, em cova rasa, onde depois foram edificadas algumas carneiras. Ou seja... perderam-se as sepulturas.

Unknown disse...

Os relatos de seu Nôza(falecido)José Moura de Oliveira,apesar de contar com 4 anos e nove meses na época do fato parecem ser os mais próximos do ocorrido. A despeito da tenra idade,mas deve ter ouvido tais relatos dos próprios pais o Escrivão da coletoria e D.Santinha, sua mãe, que segundo contam intercedeu pela vida do Sargento Evaristo.Assim, como o relatório do tenente Geminiano José dos Santos.

Unknown disse...

Meu bisavô CAP. José galdino de souza , honra e lealdade!!!!

Anônimo disse...

Meu bisavô também, por parte de mãe. Sou neta de Hiddekel.