Saudações fraternais!
Divido com vocês este presente que ganhei, no final do corrente ano, que vem a ser a entrevista realizada pelo escritor Antônio Filho Neto, bravo sertanejo de Serra Talhada, terra do meu inesquecível pai, sobre tema tão importante para a Cultural Nordestina. Para o Jornal Correio do Pajeú.
Recebam meu abraço e o meu carinho.
Atenciosamente,
Geraldo Ferraz
O Major Theophanes Ferraz Torres foi um bravo militar que prestou grande serviço a Pernambuco. Esteve à frente de importantes missões no sentido de impor a ordem pública em nosso Estado. Você pode citar de forma sucinta algumas dessas missões e quais delas pontuaram de forma significativa a trajetória militar do Major Theophanes Ferraz?
Para início de conversa, peço vênia para destacar que o bravo sertanejo, Theophanes Ferraz Torres, natural da cidade de Floresta-PE, alistou-se na Brigada Militar de Pernambuco, em janeiro de 1912, com 17 anos. No primeiro ano de incorporado, graças a sua vocação e denodo pessoal, foi notado e prestigiado pelos seus superiores, passando de soldado para anspeçada (antigo posto militar que corresponde ao atual 2º tenente), galgando, com isto, sete postos militares.
No tocante as missões mais espinhosas que foram atribuídas para Theophanes, gostaria de destacar, em resumo, as mais importantes ações:
Ano de 1913 - Em agosto, com 18 anos, foi nomeado delegado de Villa Bella, atual Serra Talhada. Seguiu para aquela cidade com o objetivo primordial de impor a ordem pública e dar combate aos grupos de cangaceiros que agiam naquela região, tendo como foco principal da missão a ação contra o grupo liderado por Né Pereira. Theophanes, naquela oportunidade, teve seu batismo de fogo contra os bandoleiros que infestavam os nossos sertões.
Ano de 1914 - Em julho, por conta das ações dos bandoleiros, foi nomeado, mais uma vez, delegado de Villa Bella. No mês de setembro, em cumprimento ao Acordo de Fronteiras contra o banditismo, firmado entre os Estados de Pernambuco e da Paraíba, no dia 25 de novembro de 1911, foi nomeado delegado de Taquaritinga. No dia 28 de novembro, prende, após tiroteio verificado na Lagoa da Laje – Vertentes, o cangaceiro Antônio Silvino, pondo fim a um reinado de mais de 15 anos de terror.
Ano de 1917 – Com o assassinato do Deputado Estadual Júlio Brasileiro, no Recife, em 14 de janeiro, Theophanes foi enviado para assumir a delegacia de Garanhuns. Durante a tragédia que se abateu naquela cidade, fato este que passou para a história como a Hecatombe de Garanhuns, conseguiu impor a ordem pública e pelo seu ato, foi promovido ao posto de capitão, contando, apenas, com 22 anos. Em 12 de junho, pelo recrudescimento dos ataques dos cangaceiros liderados por Sinhô Pereira e Luiz Padre, foi nomeado delegado de Villa Bella e comandante das 2ª e 3ª Regiões Policiais do Estado.
Ano de 1918 – Em 25 de agosto, seguiu para o Sertão, comandando força volante e ficou encarregado de fiscalizar as 7ª, 8ª, 9ª e 10ª Regiões Policiais do Estado. Em setembro, combateu cangaceiros que ocupavam a Fazenda 28, no município de Villa Bella.
Ano de 1919 – A população sertaneja estava atravessando uma seca inclemente, seca esta que muito contribuiria para o aumento do banditismo nos sertões. Grupos de cangaceiros liderados por Sinhô Pereira, Luiz Padre, Praxedes, entre outros, atacavam, sem dó, as propriedades do município de Villa Bella. Em 16 de abril, Theophanes seguiu para aquela cidade, comandando uma força de 60 soldados com a finalidade de combater os cangaceiros e impor a ordem pública. Theophanes ficaria no Sertão até dezembro daquele ano. Ao recolher-se, sem tempo para qualquer descanso, foi destacado para a cidade de Palmares a fim de evitar uma possível nova hecatombe em nosso Estado.
Ano de 1920 – Em 02 de novembro, seguiu para o interior do Estado, com ponto de apoio em Floresta, com a missão de desbaratar grupo de bandoleiros que agia na Serra do Umã, Vila Conceição e no município de Salgueiro. No combate da Serra do Umã, primeira vez que uma força militar adentrava naquela elevação, Theophanes foi ferido e só não foi morto graças à bravura dos seus leais soldados.
Ano de 1922 – Em 17 de março seguiu em diligência para Villa Bella e Floresta, com o objetivo de combater o banditismo então reinante. Em 18 de agosto, com 27 anos, é promovido ao posto de major.
Ano de 1923 – Em 16 de abril é nomeado delegado de Correntes. Com a morte do Prefeito, Cel. Joaquim Leão, temia-se que sucedesse uma nova hecatombe em Pernambuco. Theophanes daria voz de prisão ao assassino do inditoso coronel. Como consequência ao novo acordo de fronteiras, assinado em 15 de novembro de 1922, pelos Estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande Norte, Theophanes foi nomeado delegado de Jatobá de Tacaratú e comandante do destacamento local.
Ano de 1924 – Em 01 de janeiro, Theophanes seguiu em diligência para Boa Vista, fronteira com a Bahia, para defender a região contra ações do cangaceiro Dom Villa Bella (Dativo), esta ação durou até o início de março de 1924. Com a intensificação das ações de Lampião, Theophanes é nomeado, em 07 de março, Comandante Geral das Forças Volantes nas Zonas Sertanejas. Os bandos mais atuantes, que agiam no Sertão de PE, naquela época, eram os de Virgulino Ferreira da Silva, vulgo “Lampião”, Meia-Noite, Antônio Rosa, Cícero Costa, Sabino Gomes, Beneditos, Cypaubas e Gabriel Alicrim. Em 23 de março, formando uma super Volante, Theophanes promove duro combate contra Lampião, na Lagoa Vieira, município de Vila Bela. Lampião foi ferido e sua vida esteve por um fio. Em 02 de abril, Theophanes combate Lampião, mais uma vez, na Serra da Panela. Depois de cerrado tiroteio foram mortos os cangaceiros Lavadeira e Cícero Costa e ferido Antônio Ferreira. O resto do bando correu em completa debandada. No mês de junho, Theophanes foi nomeado para promover sindicância na cidade de Salgueiro e efetuar diligências pessoais no município de São José do Belmonte, com o objetivo de combater as ações do grupo dos Cypaubas. Em 31 de julho, Theopanes combateu Sabino Gomes na Fazenda Aboboras, município de Villa Bella, proximidades com a Paraíba. Em 22 de novembro, o governo de Pernambuco, necessitando de oficial tarimbado para esquadrinhar as ações e os avanços da Coluna Prestes, que já se encontrava em território próximo aos limites com nosso Estado, nomeou Theophanes como delegado de Petrolina.
Ano de 1926 – Em 14 de janeiro, sob o comando de João Nunes, Theophanes, incorporado as forças de Pernambuco, atacaram e repeliram os rebeldes da Coluna Prestes, na cidade de Valença, Piauí. Em 20 de setembro, Theophanes é indicado comandante das tropas contra o banditismo reinante no alto Sertão de Pernambuco, tendo a cidade de Salgueiro como sede provisória do comando. Na medida em que ia promovendo uma limpeza geral contra os fora-da-lei, seguiu para a cidade de Floresta, que, agora, se torna sede provisória do comando, em 01 de outubro. Em 09 de novembro, Theophanes é convocado para comparecer no Recife, a fim de acertar medidas enérgicas contra as ações dos bandoleiros. Em 11 de novembro, Theophanes assume, pela segunda vez, o comando das forças volantes contra o banditismo.
Ano de 1928 – No mês de janeiro, Theophanes e Eurico de Souza Leão, Chefe de Polícia de Pernambuco, realizaram um raid vitorioso por terras sertanejas, para demonstrar o sucesso do seu vitorioso trabalho. No mês de abril, circulavam boatos no Recife que iriam acontecer graves problemas, fato este que colocou as Forças do Exército e da Polícia de Pernambuco em prontidão máxima. Tal acontecimento, apressou o recolhimento de Theophanes à capital. Em 30 de maio, Theophanes, com 33 anos, é promovido ao posto Tenente-Coronel e comandante do 1º Batalhão da Força Pública.
Ano de 1930 – Em 02 de julho, Theophanes e o major Nelson Leobaldo, apuraram denúncia de infiltração comunista na Força Pública e prenderam vários sargentos. Em 03 de outubro, rebenta a Revolução em vários pontos do País. Theophanes, com sua peculiar bravura, enfrenta os revoltosos. O Cel. Wolmer, não querendo passar o comando para Theophanes, entrega o Quartel do Derby aos Revoltosos. Inconformado, Theophanes forma coluna independente e ruma para o Sertão do Estado. Em 13 de outubro, sob falsas garantias da facção vencedora, Theophanes regressa à Capital, sendo preso e submetido a humilhações.
Ano de 1933 – Falece, na cidade de Villa Bella, em 11 de setembro, o bravo militar que, com seu árduo trabalho, possibilitou a paz social nos sertões de nosso Estado.
Theophanes Ferraz Torres |
O que é ser neto do Major Theophanes – um cidadão de reputação ilibada, um militar corajoso cumpridor de seu dever – um exemplo de homem público?
Em primeiro lugar gostaria de destacar, com muito orgulho, que é uma imensa honra ser neto desta figura exemplar e lendária da luta titânica contra o cangaço, nas três primeiras décadas do século passado. Em seguida, gostaria de acrescentar, que, para mim e para alguns estudiosos da temática do Ciclo do Cangaço, tendo em vista que a coragem demonstrada por Theophanes é um atributo nato dos heróis, eis ai, portanto, um verdadeiro herói para se cultuar.
Os seus livros “Theophanes Ferraz Torres um Herói Militar na Cavalaria Pernambucana” e “Pernambuco no Tempo do Cangaço” foram elaborados dentro dos critérios técnicos da pesquisa científica – tudo fundamentado em fatos concretos registrados em arquivos públicos da época o que torna sua obra muito mais valiosa. Quantos anos foram necessários na realização dessa pesquisa e que o motivou a encarar esse desafio? Você tem algum projeto em andamento para outra obra do gênero?
Levei cerca de quinze anos de intensa pesquisa para concluir “Pernambuco no Tempo do Cangaço”. Um Herói na Cavalaria, por sua vez, me tomou cerca de dois anos. Os trabalhos citados versaram sobre o resgate da memória de nossa história contemporânea, a qual trata dos fatos notáveis ocorridos no Brasil e, em particular, no Estado de Pernambuco, durante a época do banditismo que campeava no início do século XX, com ênfase toda especial ao trabalho desenvolvido pelas nossas instituições de defesa social – Militar e Civil -, em prol de uma sociedade melhor e mais justa. Os trabalhos, em questão, tratam, também, da biografia de Theophanes Ferraz Torres, um grande homem, notável militar e um exemplo para a sua época, bem como, para as gerações presentes e futuras. Atendendo sugestão do mestre Frederico Pernambucano, que assim se expressou: “Convém que Geraldo, cumprido o dever que se assinou no tocante à vida do avô, ponha seu instrumental investigativo a serviço do levantamento do triênio de ouro da ação policial em Pernambuco,...”, estou tentando, junto aos familiares do então Chefe de Polícia, Eurico de Souza Leão e do militar João Leite Serrano de Andrade, dar prosseguimento as minhas pesquisas, já iniciadas, concretizando, assim, mais duas importantes biografias de época.
O Major Theophanes foi comandante geral das “Volantes” no combate aos cangaceiros no Sertão de Pernambuco. Você pode informar quantas volantes ficavam sobre o seu comando e se todos os membros das volantes eram militares ou voluntários? Em números, qual o efetivo militar, da época, que cobria todo Sertão de Pernambuco?
O efetivo médio de uma força volante era formado por cerca de vinte praças, que, na maioria das vezes, agregava: paisanos armados, chamados por “cachimbos”; guia; rastejador e pessoas que indicavam os coiteiros, essas, conhecidas por “ponteiros”. Não consegui, infelizmente, localizar registros detalhados sobre tais estatísticas. Posso destacar, contudo, que quando Theophanes foi nomeado Comandante Geral das Forças Volantes, no ano de 1924, estiveram agindo em nossos sertões: uma super-volante, comandada pelo próprio Theophanes, e, sob suas orientações, as lideradas pelos tenentes: Amadeu, Malta, Alencar e Ibrahim; Sargentos Alípio Pereira de Souza, Hygino José Belarmino e a de Clementino Quelé. Nos anos de 1926/1928, quando de sua ação como Chefe Militar Geral, pela segunda vez, teve os seguintes comandantes de volantes: capitão João Luiz de Carvalho; os 1º e 2º tenentes: Euclides de Souza Ferraz (Euclides Flor), Sidrack de Oliveira Correia, Damião João Leite Serrano de Andrade, Euclydes de Araujo Lemos, Francisco Flavio Ibrahim de Lyra, Eduardo José de Siqueira, Alfredo Cavalcante de Miranda, Amadeu de Araujo Guimarães, Arthur Guedes Alcoforado, Optato Gueiros, Augusto de Lyra Guedes, Aurelio de Araujo, Hygino José Bellarmino, Antonio Francisco dos Santos, Solon de Oliveira Jardim e Alipio Pereira de Sousa; sargentos Arlindo Rocha, Carlos Affonso de Mello, Petronillo, João Alves e Maurício Vieira de Barros; cabos Manoel de Souza Neto (Mané Fumaça) e Francisco Liberato; e os anspeçadas Manoel Gomes de Sá, Hercílio Nogueira e Aureliano de Souza Nogueira, vulgo Lero.
Lampião passou 20 anos de sua vida pintando, bordando, casando e batizando como se não existisse lei no sertão nordestino. A que você atribui todo esse poder de Lampião por tanto tempo? Quem era beneficiado pelas ações do Rei do Cangaço?
Nem no Império e nem, tão pouco, no início da Nova República, houve, por parte dos governantes, preocupação de se estabelecer uma política séria, para com os nossos sofridos sertões, principalmente no que toca ao capítulo da segurança pública e da sobrevivência daquela gente honesta e laboriosa. Tudo era dificultado (estradas, ensino, alimentação, saúde, entre outros). Realmente, a ausência dos braços da Lei era sentida nos nossos Sertões. Os maiores beneficiados, sem a menor sombra de dúvida, foram alguns chefes políticos que se locupletaram com as ações de Lampião. Só com a intensificação do emprego das denominadas "Forças Volantes", que, na sua grande maioria, prestaram relevantes serviços à sociedade, sem possibilitar qualquer trégua ao banditismo, é que o comandante Theophanes, através de um saneamento moral, conseguiu promover a tão sonhada paz social no Sertão pernambucano.
Sendo um historiador que trabalha sempre com dados verdadeiros, onde mata a cobra e mostra o pau, responda-me quem fornecia armas para os cangaceiros do Sertão, especialmente, para o grupo de Lampião? Por que essas armas chegavam, facilmente, nas mãos dos cangaceiros?
Somos sabedores que Lampião era abastecido, principalmente, por poderosos chefes políticos do Cariri Cearense. Em Pernambuco, em minhas pesquisas, não foi possível estabelecer quais os verdadeiros fornecedores de armas e munições, muito embora, destaco que Theophanes promoveu sérias denúncias sobre tal fato, porém, os nomes não foram declinados nos telegramas e correspondências entre aquela autoridade, o Chefe de Polícia e o Comandante da Força Pública. Acredito que, por se tratar de assunto de extremo sigilo, este não poderia, infelizmente, ser devidamente registrado na papelada oficial.
A que você credita o fracasso das volantes nas ações contra o grupo de Lampião? As volantes eram despreparadas ou Lampião era muito esperto? Quase sempre Lampião lograva êxito – como ele dizia “Armo a arapuca, boto bananas e chamo os macacos pra comerem e eles vêem ligeirinho”.
Nem todas as volantes eram devidamente preparadas, principalmente aquelas formadas por incorporados (cachimbos), que, na maioria das vezes, não tinha a disciplina da caserna. A prepotência de alguns comandantes e a pressa de outros, também, foram fatores negativos quando do combate. Lampião era um grande estrategista, para mim um autêntico gênio militar. Desconfiasse, a propósito, que algum desertor do Exército ou mesmo da Força Pública o orientava, fato este que não correspondia à verdade. Lampião deixou, muitas vezes, muitos soldados “se estragando uns contra os outros”, como gostava de dizer.
O Major Theophanes – um sertanejo que honrou o sertão, por isso entende que merece ser homenageado. Você sabe dizer se existe alguma cidade do sertão de Pernambuco que o tenha homenageado?
Com exceção da sua cidade natal, Floresta, que lhe deu nome à uma rua e a uma praça, além da cidade de Petrolina, que o destacou no museu da cidade, desconheço a existência de outro local que tenha se preocupado com tal fato. Por incrível que pareça, Theophanes, que deu seu sangue, seu suor e o melhor da sua vida profissional na luta contra o banditismo urbano, principalmente na cidade do Recife, para nossa surpresa, não existe, sequer, um prédio, uma rua, nada que o homenageie. A Polícia Militar de Pernambuco, também, encontra-se em débito para com esta figura lendária. Até hoje, não se tem um Quartel, um Batalhão, ou qualquer outro local, até mesmo na Arma de Cavalaria (lembremo-nos que foi ele quem modernizou a Cavalaria de Pernambuco, no tempo do governador Manoel Borba), que lhe preste tal tributo. Para finalizar, lembro, aos desavisados, que Theophanes é o precursor do que, hoje, é a Companhia Independente de Operações e Sobrevivência em Área de Caatinga (Ciosac), basta verificar sua história no ano de 1924.
Emblema da CIOSAC. Fonte: GTU Assú |
Para tal questão, caro entrevistador, faço das minhas palavras as do pesquisador Alfredo Bonessi; “Penso que o Cel. Theophanes merece algo mais que lembranças. Ele merece nome de bairros, nomes de quartéis militares, estátuas em praças, dia em calendário, museu, uma linda capela, um lugar em que possamos nos ajoelhar perante a sua estátua, chorarmos um pouco, olharmos para ele, agradecermos pelo seu trabalho, pelo seu exemplo, pela sua honestidade e ficarmos felizes em saber que ele está presente em espírito ao nosso lado e que mais hoje, mais amanhã, estaremos todos juntos em outras histórias, nos preparando para escrevermos mais histórias”.
Você acredita na versão de que Lampião foi morto em Angico em 1938? Justifique a sua resposta de modo que comprove ou não essa versão?
Embora minhas pesquisas se estendam até a expulsão de Lampião e seu reduzido grupo para o Estado da Bahia, em agosto de 1928, posso afirmar, pelo que já li e pude apurar sobre a matéria, inclusive através de conversas com nazarenos, como foi o caso de Luiz Flor e Herculano Nogueira, além de outros sertanejos, que, mesmo com o desgosto dos nazarenos de não puderem ter dado cabo do seu tão odiado inimigo, em luta travada em campo raso, eu acredito, piamente, na morte daquele bandoleiro na grota do Angico.
Entre os historiadores do Cangaço há divergências do local e data onde os pais de Lampião morrem e em que circunstâncias. O que sabe você a respeito desse assunto?
Através das minhas pesquisas pude verificar que no dia 22 de maio de 1921, José Ferreira, para evitar mais confusões, decidiu retirar-se da cidade de Matinha para Mata Grande, também localizada no Estado de Alagoas. No caminho, na localidade conhecida como Engenho, pediram rancho ao Sr. Fragoso, no que foram atendidos. Naquele mesmo dia, a matriarca da família Ferreira, Dona Maria Lopes, falecia de um infarto fulminante. O Tenente José Lucena, da Força Pública de Alagoas, acompanhado pelo Delegado Amarílio, em diligência contra as ações dos cangaceiros, chegou ao local Engenho, no dia 09 de junho, logo no início daquela manhã, tendo se verificado, em seguida, um tiroteio que culminou com a morte do desafortunado pai dos Ferreiras, que, infelizmente, se encontrava em local e em hora errada.
Na sua visão de historiador e estudioso do cangaço, Lampião foi bandido, herói ou justiceiro?
Diferente de outros bandoleiros que se utilizaram do “Escudo Ético”, tão bem informado pelo pesquisador Frederico Pernambucano de Melo, como foi o caso de Antônio Silvino, muito embora, estes, assim que consumavam sua vingança, não abandonavam aquele fantástico modus operandi e faciendi, para mim, Lampião, à luz do Código Penal vigente à época e, no da atualidade, foi um legítimo quadrilheiro, com um diferencial que o destacava dos demais bandoleiros, era sua genialidade. Do mal, posso afirmar, mas o cidadão era um gênio. Quero reforçar, contudo, que classifico este líder carismático, que se utilizava do seu poder de atração e magnetismo pessoal, como um ícone do mau comportamento. Através de suas terríveis ações psicológicas, extorsões, assassinatos, sequestros, uso de violência gratuita, implantou o reino do terror, provocando o pavor das populações ameaçadas, bem como, daqueles que o combatiam, o que facilitava, é claro, sua atuação.
Há quem diga que Lampião entrou no Cangaço para vingar a morte de seu pai. Você acredita nessa versão? Dê sua opinião.
Claro que ele não entrou, pura e simplesmente, para vingar a morte do seu pai. Assim vejamos: Lampião, Antônio e Livino Ferreira, já se envolviam em lutas desde o ano de 1917. Em 1920, o trio junta-se ao seu tio Antônio Matilde (irmão de José Ferreira), para agirem nos arredores de Matinha, Mata Grande e Água Branca, no Estado de Alagoas. Destaco, para melhor compreensão, que a morte do Sr. José Ferreira, pai dos Ferreiras, só veio a ocorrer no ano de 1921, mais precisamente, no dia 09 de junho. Acredito que, a partir daquela data, o coração já enegrecido de Lampião tornou-se, definitivamente negro, tornando-o uma pessoa cheia de mágoa e extremo ódio.
Zé Saturnino foi o 1º amigo também o 1º inimigo de Lampião. Alguns historiadores o apontam como responsável pela entrada de Lampião no Cangaço. Qual sua opinião nesse contexto?
Neste caso, tenho a informar que as desavenças entre ambos ajudaram, muito, para que o Lampião tomasse rumo na vida do cangaço. Só não tenho elementos concretos para opinar que tal fato tenha sido o start, bizarro, daquele que se tornaria o famoso condottiere que foi.
Existem, atualmente, algumas entidades de estudos e pesquisas sobre o Cangaço. Quais as razões que justificam o interesse por esse assunto e quais os aspectos positivos desse trabalho?
O fenômeno do Ciclo do Cangaço se configura, sem a menor sombra de dúvidas, como um dos mais intrigantes e intranqüilos da história do povo nordestino. O objetivo de resgatar a historiografia do cangaço na região nordeste, uma história tão nossa, é a temática exclusiva dos estudiosos do Cariri Cangaço (que se reúnem na região do Cariri Cearense), da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (com sede em Mossoró/RN), Grupo de Estudos do Cangaço do Ceará – GECC, entre outras entidades que não me recordo, neste momento.
O tema Lampião é uma fonte perene para pesquisadores e historiadores. Muitas obras já foram escritas nessa temática e todos os dias novas obras são publicadas. O que você atribui a esse fenômeno?
A riqueza da saga histórica do nosso povo. O Ciclo do Cangaço, como gosto de avocar, é uma poderosa mina de ouro, sempre aberta às pesquisas, daí estarmos, sempre, tomando conhecimento de fatos novos e relevantes da nossa rica história, em busca do cobiçado filão dourado. Veja o exemplo do fantástico projeto Cariri Cangaço, do qual tenho a honra de ser Conselheiro. A cada edição que participamos, descortinam-se fatos novos e somos surpreendidos por uma avalanche de informações. Precisamos, com a máxima brevidade, atravessarmos o além-mar e destacarmos ao mundo, também, nossa tão rica cultura histórica.
Há mais de dez versões sobre a origem do nome “Lampião”. Qual delas você acredita ser a verdadeira?
Sem poder confirmar qual versão é a verdadeira, prefiro aquela que informa ter Virgulino Ferreira da Silva, quando no grupo de Sinhô Pereira, usado um lenço no rifle, que servia de correia, transformando-o numa arma de alta repetição, e, conseqüentemente, emitia um grande clarão, que segundo os companheiros, se parecia um "LAMPIÃO".
3 comentários:
Pela bravura desse grande Militar Theophanes Ferras Torres, ele merece uma estátua e muitos mais em sua homenagem. Alguns militares de hoje, deviam seguir a bravura e honestidade desse grande militar.
Atenciosamnete,
Neto-NATAL/RN
Estimado Geraldo,
Parabéns por sua brilhante e tão proveitosa entrevista.
Nela você deu uma demonstração do verdadeiro homem que você é.
Eu sempre disse que Lampião foi uma espécie de tudo. Menos, é claro, essa loucura de se dizer que ele era gay.
Concordo com o amigo quando diz que Lampião foi um ser de muita genialidade, voltada para o mal, mas foi.
É de pesquisadores sérios que o nosso mundo cultural precisa.
Você é um desses nossos notáveis vaqueiros da história.
Abraços, meu querido amigo e que você, sua esposa e sua família tenham um 2012 de plena saúde, paz, felicidade e vida.
Alcino Alves Costa
O Caipira de Poço Redondo
O brilhantismo com que Geraldo Ferraz discorreu acerca da trajetória militar de Theophanes Ferraz Torres, além do fenômeno do cangaço é algo que fortelecer a pesquisa histórica.
Prof. José Lima Dias Júnior
Postar um comentário