quinta-feira, 2 de abril de 2020

O Jornal nos Municípios’ (Alagoas) Ed. 188.38

Eu vi os pedaços de Lampião

Transcrição de Clerisvaldo B. Chagas


 
7 de agosto de 1938. Santana/Piranhas (AL) “Três ou quatro dias após a remessa das cabeças para Maceió, chegava a Santana uma caravana da Faculdade de Direito do Recife, composta dos acadêmicos Alfredo Pessoa de Lima2, Haroldo Melo6, Décio de Souza Valença4, Elísio Caribé3, Plínio de Souza5 e Wandnkolk Wanderley 1, todos em excursão e desejando ir diretamente a Angicos.

Coincidiu que estavam chegando notícias de que os abutres (urubus) viviam sobrevoando o local do combate, sinal de que os corpos não haviam sido bem sepultados.

O Tenente-coronel Lucena resolveu então formar uma caravana com os acadêmicos e me disse que eu teria de acompanhá-los, menos como sargento do Batalhão, do que como correspondente do Jornal de Alagoas. Partimos, então para Angicos no dia 7 de agosto.


"Com a chegada dos acadêmicos do Recife, tivemos de ir com eles a Angicos, local do combate, lá sepultar os corpos deixados à toa. Encontramo-los já meio ressecados, amarelecidos, a pele agarrada no osso como se a carne houvesse fugido. Já não tinham pelos e era difícil a identificação.

À vista daqueles, em plena caatinga, o acadêmico Alfredo Pessoa fez um discurso capaz de comover até mocós e preás que andassem por ali. E só então tive uma pequena ideia da atrocidade da decapitação. Um corpo sem cabeça, onze corpos sem cabeça e o discurso do Pessoa: que coisa de arrepiar cabelos! (FRUTA DE PALMA, 168).’

Na realidade os corpos não haviam sido sepultados. Ficaram ali mesmo no leito do córrego, cheio de pedregulho. Amontoado os onze, a tropa havia simplesmente feito um montão de pedras por cima. Além de ser difícil cavar sepultura ali, a gana de Bezerra e de seus comandados pelos troféus dos cangaceiros lhes havia retirado todo o restinho de senso humano que possuíssem.




Ficamos ali quase um meio dia, a cavar uma vala comum no mesmo local, pois não havia condições de conduzir aqueles pedaços de gente para parte alguma fora do córrego.

O célebre coiteiro Pedro Cândido era integrante da Caravana e, além de nos descrever as principais fases do combate que ele engendrara, mostrou-nos o corpo de Lampião, da mesma forma identificado por três ou quatro pessoas que integravam a caravana e que também conheciam detalhes físicos do Rei do Cangaço.


 Pedro de "Cândjo" está de traje escuro

Se não foi a única (e não foi), foi uma das poucas vezes em que observei emoções no rosto do Tenente-coronel Lucena: ao ouvir o discurso do acadêmico, encarando os pedaços de Lampião.

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2 comentários:

Unknown disse...

Há uma criança ao lado de Pedro de Cândido. Quem seria?

Kiko Monteiro disse...

O irmão dele, Durval Rodrigues Rosa. Faleceu aos 83 anos em 28 de Setembro de 2003.