Entrevistas com o Coronel Manuel Arruda de Assis (Pombal - PB)
Por: José Romero Araújo Cardoso
Símbolo de uma cultura forjada pela colonização erigida sob a ênfase da força e da violência, responsável pelo extermínio dos índios que habitavam a hinterlândia, a "técnica" de sangramento foi aperfeiçoada ao máximo. A razão econômica da penetração interiorana exigia que o gado criado de forma ultra-extensiva fosse, necessariamente, abatido para o consumo de uma minoria privilegiada da população, principalmente a do litoral canavieiro. No sertão, se tornou um "trabalho de mestre" matar sangrando a jugular ou a carótida.
O sangramento era um dos crimes mais hediondos cometido no sertão nordestino no tempo do cangaço, praticado tanto por tropas volantes, as quais dispunham de "sangradores oficiais", como por cangaceiros.
Símbolo de uma cultura forjada pela colonização erigida sob a ênfase da força e da violência, responsável pelo extermínio dos índios que habitavam a hinterlândia, a "técnica" de sangramento foi aperfeiçoada ao máximo. A razão econômica da penetração interiorana exigia que o gado criado de forma ultra-extensiva fosse, necessariamente, abatido para o consumo de uma minoria privilegiada da população, principalmente a do litoral canavieiro. No sertão, se tornou um "trabalho de mestre" matar sangrando a jugular ou a carótida.
As carótidas são duas artérias, a comum direita e a comum esquerda, sendo que a comum direita é originária do tronco braquiocefálico e a comum esquerda é originária do arco aórtico. A ruptura dessas artérias significa morte certa. A hemorragia violenta na via arterial do fluxo de sangue da aorta se encarrega de tudo.
Quando o soldado João da "mancha", considerado inclusive por seus antigos colegas de farda, como um psicótico, extravagante sangrador das forças volantes paraibanas, rompeu, com um bisturi pertencente ao medico Luiz de Góes, a carótida do advogado João Dantas, assassino do presidente João Pessoa, quando de sua detenção na penitenciária do Recife (PE).
João Dantas estava preso na companhia do cunhado, o engenheiro Augusto Caldas, também assassinado com a mesma "técnica". O "serviço" fora feito por um profissional macabro que conhecia muito bem o seu "ofício". O militar sabia milimetricamente onde iria romper a artéria, visto que a luta corporal travada entre o intrépido advogado João Dantas e os seus algozes impediu o seccionamento no ponto exato, como pretendia Dr. Luiz de Góes. Conforme Arruda, só alguém que estava profundamente em contato com a "arte" de sangrar poderia ter feito um "trabalho" com tamanha perfeição.
As veias jugulares, outras que também eram preferidas pelos "sangradores" das lutas do cangaço nordestino, são de extrema importância para o organismo. A veia jugular interna é a principal. Ao rompê-la é quase impossível de haver qualquer possibilidade de salvação, a não ser que haja modernas técnicas de reversão, como presença de médicos e hospital, praticamente inexistentes nos ermos esquecidos dos sertões de outrora, embora ainda hoje encontremos tal situação em diversos lugares espalhados pelo nordeste e pelo Brasil afora.
Com o comprometimento da veia braquiocefálica, poucas chances de vida havia às vítimas desse suplício macabro promovido por solados e bandidos no sertão do cangaço, principalmente quando do apogeu de Lampião. Essa veia se anastomisa com a veia braquiocefálica direita, formando a veia cava superior, de fundamental importância à manutenção da vida.
Lampião era expert nesta técnica, dispondo para isso de imenso punhal de setenta centímetros de lâmina. Tarimbado na lida do campo, sobretudo no que diz respeito à pecuária, fornecendo peles e couros ao "Coronel" Delmiro Gouveia, com quem a família Ferreira negociava, o "rei do cangaço" inovou e utilizou-a profusamente quando de sua chefia no cangaço (1922 - 1938).
A veia jugular externa, quando rompida, representa morte certa. Essa veia é constituída da junção da veia retromandibular com a veia auricular posterior, e, após vários estágios de grande importância, desembocará, mais frequentemente, na veia subclávia.
Segundo o Coronel Manuel Arruda de Assis, (Foto abaixo) sobre quem há registros históricos indeléveis, tendo marcado de forma extraordinária a história das lutas do povo do semiárido nas primeiras décadas do passado século, outro método bastante utilizado por ambas as partes envolvidas nas lutas, consistia em perfurar a clavícula, introduzindo-se, com violência, o instrumento perfuro-contudente diretamente na aorta, junto ao coração.
Depois da hecatombe de Piancó (PB), ocorrida no mês de fevereiro do ano de 1926, cuja participação do velho guerreiro das hostes volantes, natural do município de Pombal (PB), fora decisiva e marcante, houve aprisionamentos de militares da coluna Prestes, bem como da cozinheira da milícia que pregava novos rumos. Era uma baiana conhecida entre os revoltosos por tia Maria. Apenas um escapou da triste sina, devido aos apelos de muitos no sertão, inclusive do Padre Cícero.
Conforme ainda o entrevistado, um prisioneiro quando do sangramento pelos militares comandados pelo Coronel Elísio Sobreira, revelou ter feito muito isso quando da marcha da coluna, entre os diversos combates que travou.
Coronel Elísio Sobreira
Ainda em Piancó (PB), Arruda relembrou a chacina do barreiro, a qual vitimou o Padre Aristides Ferreira e diversos camaradas que lutaram bravamente para tentar conter o avanço da coluna. Todos foram sangrados por membros da coluna, consternados com as mortes dos cavalarianos que formavam a vanguarda da Coluna Miguel Costa - Prestes, os quais chegavam na cidade de Piancó (PB), e terminaram alvejados pela pontaria certeira do então sargento Manuel Arruda de Assis.
Entrevista Pessoal: ASSIS, Manuel Arruda de Assis. Pombal (PB), 27 de abril de 1989.
Adendo: Coronel Arruda nasceu em 1898, na cidade de Pombal, e morreu em 1991, sem nunca ter casado.
João da "mancha":
O soldado sangrador "oficial" da tropa volante do Tenente Ascendino Feitosa -
Entrevista com o Coronel Manuel Arruda de Assis (Pombal - PB)
Embora fosse soldado contratado da Polícia Militar do Estado da Paraíba, João da "Mancha" serviu, particularmente, às intrigas pessoais do Tenente Ascendino Feitosa contra membros da família Dantas, naturais de Mamanguape (PB), mas radicados na serra do Teixeira (PB).
Embora fosse soldado contratado da Polícia Militar do Estado da Paraíba, João da "Mancha" serviu, particularmente, às intrigas pessoais do Tenente Ascendino Feitosa contra membros da família Dantas, naturais de Mamanguape (PB), mas radicados na serra do Teixeira (PB).
Conforme o Coronel Manuel Arruda de Assis, o temperamental oficial que servia à causa do presidente João Pessoa, ferrenho inimigo de um sertanejo de nome Silveira Dantas, para quem levou grande desvantagem numa briga em certa ocasião, nutria atenção especial pelo humilde e perverso soldado. De acordo com o entrevistado, esse militar de baixa patente era o braço executor dos sangramentos perpetrados, sobretudo, pela volante do Tenente Ascendino. Ele tinha uma mancha escura no rosto, razão pela qual foi-lhe dado esse apelido.
Outro militar paraibano a quem João Pereira de Sousa, o sangrador João da "mancha", serviu, foi ao Tenente João Maurício da Costa. Arruda revelou que foram inúmeros combates contra cangaceiros, de cuja participação desse soldado fôra registrada, algumas marcantes. Manuel Arruda de Assis revelou que em certa ocasião esse soldado foi condecorado, ganhando divisa de cabo, mas devolveu-a e preferiu voltar a ser soldado raso.
A notoriedade desse militar foi granjeada no ensejo da tomada da penitenciária em que se encontravam presos o Dr. João Duarte Dantas e seu cunhado Augusto Caldas, o primeiro, assassino do presidente João Pessoa e, o segundo, uma inocente vítima das intrigas políticas.
Após assassinar o carismático chefe do executivo paraibano, em Recife (PE), o filho do "Coronel" Franklin Dantas, executor confesso do crime, cujo ato cheio de fúria fôra presenciado por diversas pessoas, era ameaçado constantemente pelos revoltados paraibanos. Ameaçaram sangrá-lo assim que a revolução triunfasse e a Aliança Liberal chegasse ao poder.
Quando as tropas comandadas por Juarez Távora, ativo integrante da Coluna Prestes, chegaram ao Recife, o primeiro local visado pelos militares paraibanos foi a casa de detenção onde se encontravam presos João Dantas e Augusto Caldas , os quais se tornaram alvos preferenciais dos comandados por Ascendino Feitosa, estando entre estes João da "mancha" e o médico Luiz de Góes. Conforme o entrevistado, esse médico era capaz de tudo, regido por verdadeiro espírito sanguinário.
Dominados os prisioneiros, Luiz de Góes apontou a Ascendino a carótida. João Dantas entrou em luta corporal com seus algozes, sendo atingido na sobrancelha. Com precisão invulgar, João da "mancha" recolheu o bisturi e aplicou certeiro golpe no local indicado, pondo fim à vida de João Dantas. O entrevistado revelou que o corpo do advogado foi profanado de diversas maneiras, mesmo quando estertorava. Em seguida, o engenheiro Augusto Caldas teve o mesmo fim, morrendo implorando para que o deixassem cuidar da família.
Segundo Manuel Arruda de Assis, era comum solicitar a presença de João da "mancha" quando cangaceiros eram aprisionados. No combate de 1923, quando o sucessor de Sinhô Pereira foi ferido no tornozelo, no qual pereceram Lavandeira e Cícero Costa, dois cangaceiros de importância fenomenal no bando de Lampião, ambos foram sangrados pelo frio soldado volante que se aperfeiçoou em matar usando o extremo da covardia e da perversidade.
Entrevista Pessoal: ASSIS, Manuel Arruda de. Pombal (PB), 25 de abril de 1989.
Entrevista Pessoal: ASSIS, Manuel Arruda de. Pombal (PB), 25 de abril de 1989.
(*) José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor da UERN.
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