domingo, 17 de maio de 2009

Guerra no Sertão sergipano

A batalha de Maranduba
Em princípios de janeiro de 1932, na fazenda Maranduba, no sertão do Sergipe, Lampião repetiu o fato militar da Serra Grande, em 1926, ao derrotar uma numerosa força militar, integrada por famosos combatentes contra o cangaço.


Fotos de Marcos Carvalho

Na opinião de um desses destacados militares, o Tenente Manoel Neto, da força pernambucana, em Maranduba “ele nunca tinha visto tanta bala como viu ali”. A intensidade do tiroteio travado entre Lampião e o seu bando e as forças militares foi de tal intensidade que um contemporâneo dos acontecimentos registrou o fato de que “uma coisa que foi muito comentada e com curiosidade, foi que no local em que aconteceu o fogo de Maranduba, durante vários anos, das árvores e dos matos rasteiros não ficaram folhas. Tudo era preto, como se tivesse passado um grande fogo. As árvores ficaram completamente descascadas de cima abaixo, de balas”.


Foto de Marcos Carvalho

Tal como ocorrido em Serra Grande, Lampião preparou uma emboscada com o objetivo de liquidar, de uma só vez, todo o efetivo militar. Mais uma vez, os chefes da força policial subestimaram a competência de Lampião e acreditaram que a superioridade que detinham em homens e armas seria um fator de desequilíbrio na batalha.

Alguns historiadores tentam "minimizar" a vitória obtida por Lampião depois de uma feroz batalha, admitindo, apenas, de que, no final das contas, houve “perdas humanas tanto entre os cangaceiros como entre as forças volantes, porém com maior prejuízo para estas ...”

Para que se tenha uma idéia do que representou esta batalha para ambos os lados e para a história das lutas sociais do Nordeste, dois pontos devem ser ressaltados:

O primeiro ponto importante refere-se à participação, nesta batalha, dos aguerridos e temíveis Nazarenos. Os nazarenos, uma força policial dedicada em tempo integral na busca e, se possível, destruição de Lampião e seu bando, já eram lendários nos sertões nordestinos, por suas ações militares. Nesta batalha participaram sob o comando do Tenente Manoel Neto.

O segundo ponto a ser destacado é que, apesar da longa, dolorosa e sangrenta campanha contra Lampião e da experiência militar adquirida, mais uma vez os chefes militares deram provas de que sua inteligência sempre ficou abaixo dos arroubos da valentia. A raiva, a fúria e a arrogância foram confrontadas com o sangue-frio, a paciência e a inteligência de Lampião. Rodrigues de Carvalho chegou a afirmar, analisando estas e outras batalhas que Lampião tinha praticado “façanhas de deixar muito curso do Estado Maior com água na boca”.

No caso específico de Maranduba, o historiador Rodrigues de Carvalho não hesita em afirmar que, apesar da superioridade em homens e armas, por parte das forças militares, Lampião demonstrou uma superioridade tática sobre seus adversários. Escreve ele: “E a verdade deve ser dita: quem primeiro abandonou o campo de luta foi a força”. E, mais adiante: “O fato é que durante a extensão da tremenda refrega, que foi por toda a tarde, pode dizer-se sem medo de cometer injustiça, o domínio da situação pertenceu ao ardiloso facínora. Estava todo o tempo, como se diz vulgarmente, serrando de cima”

O cangaceiro Angelo Roque (Labareda) que participou nesta batalha, em depoimento prestado a Estácio Lima e publicado no livro O Mundo Estranho dos Cangaceiros, descreve o que aconteceu, neste dia, no seu linguajar típico:

“... Nóis cheguêmo na caatinga de Maranduba, pru vorta di maio dia, i tratemo di discansá i fazê fogo prôs dicumê, i nóis armoçá. Mas a gente num si descôidava um tico, i nóis sabia qui as volante andava pirigosa. Inquanto nóis discansava, botemo imboscada forte, di déiz cabra pra atacá us macaco qui si proximasse.
Nóis cunhicia us terreno daqueles mundão, parmo a parmo. Us macaco num sabia tanto cuma nóis. Todos buraco, pedreguio, levação, pé di pau, pru perto, nóis sabia di ôio-fechado, i pudia tirá di pontaria sem sê vistado. Nisso, vem cheganou’a das maió macacada qui tivemos di infrentá. I us cumandante todo di dispusição prá daná: Manué Neto, qui us cangacêro tamém chamava Mané Fumaça, Odilon, Eucride, Arconso i Afonso Frô.

Fotos: Sérgio Augusto de Souza Dantas
Tamém um Noguêra. Nesse bucadão di macaco tava u Capitão ou Tenente Liberato, du izérto. Dizia us povo qui ele era duro di ruê. I era mesmo. Brigava cuma gente grande, i marvado cumo minino. Mas porém, valente cumo u capêta. Di nada sirvia a gente gostá i tratá com côidado um mano qui êle tinha na Serra Nêga. Essa Força toda dus macaco si pegô mais nóis na Maranduba. Nóis era trinta e dois cabra bom.
 U Capitão Virgulino tinha di junto, nessa brigada, us principá cangacêro: Virgino, Izequié, Zé Baiano, Luiz Pêdo i seu criado Labareda. Dus maiorá só fartava mesmo Curisco sempre gostô di trabaiá sozinho, num grupo isculido di cangacêro, mais Dadá. Briguemo na Maranduba a tarde toda i nóis cum as vantage cumpreta das pusição, apôis us macaco num pudia vê nóis. A volante di Nazaré deve tê murrido quaji toda. Caiu, tamém, matado di ua vêis, um dus Frô, qui si bem mi alembro, foi u Afonso. Cumpade Lampião chegô pra di junto do finado i abriu di faca a capanga dêle, i achô um papé qui tinha iscrito um decreto dizeno qu ele já tinha dado vintei quatro combate cum u cumpade Lampião.
Veio morrê nu vinte i cinco. A valia qui tivemo nessa brigada foi us iscundirijo. Morrero, aí, trêiz cangacêro i trêiz ficô baliado. Us istrago qui fizemo nessa brigada foi danado ! Matemo macaco di horrô !”

Do depoimento de Labareda e de outros testemunhos da batalha de Maranduba,alguns pontos devem ser destacados:
1. O completo conhecimento que Lampião e os cangaceiros tinham do terreno onde foi travado o combate.
2. A competência tática de Lampião em contraposição à incompetência dos chefes militares.
3. A participação dos nazarenos, comandados pelo Tenente Manoel Neto, um veterano nas lutas contra Lampião e o cangaço.
4. As baixas entre nazarenos: seis mortos e oito feridos.
5. As baixas entre os cangaceiros: três mortos e quatro feridos.
6. Um detalhe importante: as tropas militares eram superiores em número, na proporção de três para um.

Enfim, a batalha de Maranduba constituiu-se num acontecimento invulgar na história recente do Nordeste. Na opinião de Rodrigues de Carvalho, este combate pode ser considerado como sendo o mais “renhido e porfiado de todos os cheques armados desta controvertida campanha contra o banditismo no eixo Sergipe-Bahia. Foi uma chacina horrível pelas deploráveis consequências que tivera para as forças legais empenhadas no combate. O número de baixas fatais foi muito grande, exagerado mesmo, em relação ao número de combatentes empenhados na refrega”

Diante da tragédia que significou esta derrota das forças militares diante de Lampião e seu grupo, a historiografia oficial tenta minimizar o fato. O Capitão João Bezerra, personagem central do nebuloso episódio de Angicos, no seu livro de memórias, ao referir-se ao episódio de Maranduba, afirma apenas que neste local foi travado um “encarniçado combate com grandes perdas de parte a parte entre mortos e feridos”. Quase a seguir, duas páginas adiante, ele retifica a sua informação, dizendo que Lampião tinha sido “destroçado em Maranduba”.

Fonte: Souza, Jovenildo Pinheiro, em Sertão Sangrento: Luta e Resistência.
Transcrição: Ronnyeri (Comunidade Cangaço Discussão Técnica).

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Adendos por Ivanildo Silveira:

Vê-se, nas fotos abaixo, que o "Combate", aconteceu quase em campo aberto. Lampião, como grande estrategista que era, postou seus homens, entrincheirados em "Sete Pés de Umbu", de modo que os soldados ao entrarem no campo de fogo, ficaram cercados. de acordo com os ensinamentos do renomado escritor /pesquisador do Cangaço Dr. Sergio Augusto de Souza Dantas em seu livro "Lampião: Entre a Espada e a Lei pág 313, ainda existem, remanescentes, dois pés de umbuzeiro, no local onde aconteceu o Combate. Eis as arvores abaixo.


 Foto: Sérgio Augusto de Souza Dantas
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Correções de suma importância, fornecidas por Hildebrando Nogueira Neto (Netinho)

Amigos, tenho que fazer algumas ressalvas sobre o depoimento de Angelo Roque e do historiador Rodrigues de Carvalho:

1) Não houve seis mortos e oito feridos entre os Nazarenos.
De Nazaré morreram 4 homens: Hercílio de Souza Nogueira e seu irmão Adalgiso de Souza Nogueira (primos dos irmãos Flor), João Cavalcanti de Albuquerque (tio de Neco Gregório) e Antônio Benedito da Silva (irmão por parte de mãe de Lulu Nogueira, filho de Odilon Flor).

2) Não houve feridos entre os Nazarenos. Alguns componentes da Força de Pernambuco, oriundos de diversas cidades do sertão pernambucano.

3) Afonso Flor (irmão de Manoel Neto) faleceu em Recife na Revolução de 30 numa luta contra revoltosos vindo da Paraíba, portanto não poderia estar em Maranduba em 1932, como afirma o bandido Angelo Roque.

4) Os irmãos Odilon e Euclides Flor não estavam em Sergipe no início do ano de 1932. Se encontravam em Alagoas e Pernambuco respectivamente.

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