segunda-feira, 13 de julho de 2020

Lampião, seu Tempo e Seu Reinado

Uma obra a procura de um editor



 "A resenha abaixo, publicada no Diário de Pernambuco em 1974, sobre o clássico Lampião, seu Tempo e Seu Reinado, do padre Frederico Bezerra Maciel, texto de José Rafael de Menezes que faz parte integrante da seleção de 550 textos jornalísticos, reunidos no e-book Lampião, Maria Bonita e o Cangaço sob o olhar dos literatos nos jornais e revistas, de autoria de Antonio Correia Sobrinho

 
 

Foi-me confiada a leitura e revisão de um trabalho de proporções gigantescas: Lampião, seu Tempo e Seu Reinado. Os dados do empreendimento são impressionantes: 1.000 laudas datilografadas; 62 capítulos; 526 notas; 120 fotos; 83 mapas... Será que Lampião é tema para tanto material? Será que Lampião ainda é assunto? E o mais questionável: o autor é um sacerdote. Padre mesmo de carreira paroquial, com sua reverência e sua ortodoxia, seu zelo apostólico e sua perseverança vocacional.
Nos muitos anos de seu ministério no Sertão, o padre Frederico Bezerra Maciel foi escutando notícias sobre as atividades dos marginais do cangaço; foi se impressionando com a superioridade de um deles – Lampião. Observou a variedade dos julgamentos. Viu-se aos poucos provocado para se definir.


Procurou esclarecimentos junto a vítimas e a protegidos. Por curiosidade visitou cartórios, leu relatórios oficiais, correspondências particulares, bilhetes passaportes, folhetos populares. Incursionou pela bibliografia pretensiosa. E se sentiu obrigado a resumir e a rever... Daí a ideia do livro, já na metade pelo que recolhera curiosamente. Decidiu-se então aprofundar a pesquisa e consultou 30 mil exemplares de jornais. Traçou um roteiro histórico-social, pluricultural, de uma obra muito além de biográfica, ecológica. De análise e interpretação de toda uma área sertaneja, pouco estudada – a dos afluentes do São Francisco, Pajeú e Moxotó; das cidades e dos costumes.

Dos líderes. Dos incidentes entre 1910 e 1940. Tudo se destinando a explicar o fenômeno Lampião, mas transbordando do personagem e valendo na seriedade do expositor, como estudo geoecológico, social, histórico.

Para ser mais útil e original, no seu imenso esforço, o padre Frederico traçou mapas, reconstitui áreas culturais, desenhando casas, figuras humanas, animais, objetos – com pendores excepcionais. De uma multiplicidade minuciosa. Sem dúvida com despesas, em material, com riscos para se aproximar. E muitas horas, e muitos anos. Trinta anos de pesquisa. Esses detalhes, esse esforço, essa paixão logo se me impuseram. A um professor, a um intelectual, a um escritor, tanto trabalho e tanta perícia, tanto empenho e tanta organização, modelavam-se: para registrar, para divulgar, para exortar...

Após a leitura dos primeiros volumes posso afirmar que a obra vale. Que toda essa peripécia se compensa. O escritor existe e provoca. Haverá de esperar, de um homem erudito, de um historiador, de um sacerdote à antiga, a verbosidade, o rigor clássico, a abundância retórica. Pelo já lido há surpreendentemente uma linguagem audaciosa. Uma abertura quase insólita, pelo conviver e pelo misturar – como pelo inovar – termos e períodos, frases e conceitos, estrutura do ensaio gigantesco.

Nada pacífico. Nada bem comportado. Um desafio ao leitor. Como sucedeu ao Os Sertões, de Euclides da Cunha, e à Pedra do Reino, de Ariano Suassuna. Sem ter tido o propósito de seguir esses mestres, vindo acidentalmente erguendo sua obra, o padre Frederico é pródigo como expositor. É um escritor, com muitas complicações, mas um escritor... E sua documentação resiste, conduz a segurança da responsabilidade do autor e se comprova, pelas fontes exaustivamente referidas. Estamos então diante de um livro. De um possível grande livro, só dependendo de um editor.

Na missão que me foi confiada, de rever e sugerir uma reestruturação da obra, sinto-me vencido. É impossível alterar um trabalho que foi se erguendo em etapas, circunstâncias e que conduz a marca do seu autor, nada acadêmico. Limito-me a ler com proveito e deleito, de sertanejo. Possuo motivos de discordâncias em alguns pontos, mas na maioria das teses ou das versões, tenho me modificado. Acredito que o livro poderia ser bem menor, desde que há excessivo zelo por anotações, discrições, comprovações. Mas como já afirmei, é difícil alterar o conjunto. É quase impossível podar. Um editor sem ambição de lucros. Um editor público – de finalidade cultural, como a Universidade, como o Instituto Nacional do Livro, como o Instituto Joaquim Nabuco, o Instituto Histórico.



 Capa do 6º volume complementar da coleção

O trabalho do padre Frederico: Lampião, Seu Tempo e Seu Reinado é grandioso e desafiante. Polêmico, exaustivo. Mas de uma grandeza que abala o leitor dos originais e exige um grande editor.
Diário de Pernambuco (PE) – 04.02.1974

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