Por: Juarez Conrado
José Saturnino Alves de Barros
Acervo Lampião Aceso
Impressionante o fato de um simples furto de bodes, tão comum nos longínquos anos de 1910 a 1920, haver se constituído no ponto de partida para uma das mais emocionantes histórias do banditismo em toda América Latina, fazendo com que um dos seus personagens, um tímido e bem comportado garoto, do interior de Pernambuco, se transformasse numa figura legendária, da qual ainda hoje se ocupam jornalistas, pesquisadores e, principalmente, sociólogos, todos eles interessados em conhecer de perto detalhes da vida desse homem que marcou época nos sertões brasileiros.
Lampião, já o sabemos, morreu há 42 anos, na Grota do Angico, no município, sergipano de Poço Redondo. Mas, quem era, e o que para ele significava José Alves de Barros, o José Saturnino, falecido a semana passada, aos 86 anos, em Serra Talhada?
Uma pergunta cuja resposta não poderá ser encontrada senão com o retorno ao ano de 1916, quando ambos, de bons e pacíficos vizinhos, acabaram por se transformar em ferozes e irreconciliáveis inimigos, que faziam do ódio suas vidas marcadas por tiroteios e emboscadas, tingindo de sangue a pequena região onde conviviam.
Uma situação que iria se transformar com o furto praticado por um dos empregados de José Saturnino, logo descoberto por um inspetor de quarteirão violento e autoritário, compadre e amigo do velho José Ferreira, que não hesitou em prender o ladrão, impondo-lhe uma série de impiedosos castigos. Era o começo de tudo.
Represálias
Saturnino irritado, iniciou uma série de represália contra os Ferreira, mutilando, quando não matando, suas criações, criando uma situação tão tensa entre eles que exigia a medição de autoridades locais, como o juiz de direito, Adolfo Cardoso, e o coronel e chefe político Cornélio Soares, ambos prevendo acontecimentos de extrema gravidade, a persistirem os desentendimentos. Os fatos que se sucederam são do conhecimento geral e deles muitos já se ocuparam, narrando-os, nem sempre, com muita fidelidade. José Saturnino não aceitava as acusações que lhe eram feitas como responsável pela transformação de Virgulino no cangaceiro que todos nós conhecemos.
Marilourdes Ferraz
Tanto não aceitava que, pouco antes de sua morte, em carta dirigida à jornalista pernambucana Marilourdes Ferraz, dizia que, na “realidade dos fatos, os sertanejos viviam em época de grande atraso...Quando a minha pessoa, fui criado pelos meus pais na Fazenda Pedreira e baixa de São Domingos, e que me ensinaram a respeitar os direitos alheios, o que posso provar com os meus vizinhos, especialmente, alguns que ainda restam com suas idades avançadas. Os Ferreira, certos ou errados, queriam superar aos demais; quando não gostavam de uma pessoas, tratavam de hostilizar, assim aconteceu com a minha pessoa.
Retiraram-se para um distrito de Floresta: dentro de dois anos, saíram por motivo de questões com os filhos da terra e a polícia do destacamento. Venderam o que tinham e foram para Matinha de Água Branca, Alagoas, onde, muito cedo, desinquetaram os irmãos Porcino Cavalcanti Lacerda... em consequência da vida turbulenta dos Ferreira, vieram a perder a mãe, D. Maria Ferreira Lopes, que faleceu traumatizada pelos vexames que passara vendo seus filhos perseguidos pela polícia alagoana, e depois, o próprio pai... motivo da conduta dos seus filhos”.
Retrato falado dos pais de Virgulino José Ferreira e Maria Sulena
segundo o padre Frederico Bezerra Maciel.
A revolta de Saturnino, ente tantas acusações, estendia-se aos seus filhos Aureliano e João Alves Barros, que, na mesma oportunidade, há cerca de um mês, escreveram o seguinte comentário, publicado pela imprensa pernambucana:
“Se algum cangaceiro destrata meu pai, está certo, está no papel dele. Agora, o que nos revolta, como sempre revoltou meu pai, é o fato de homens que tiveram a oportunidade de maiores estudos viverem perseguindo meu pai com acusações injustas, só para dar uma explicação para vida de cangaceiro de Virgulino Ferreira”.
João Alves de Barros em foto de 2013.
Créditos Kiko Monteiro
E ressaltou João:
“Meu pai sempre viveu nesta região (Serra Vermelha); trabalhou no campo toda a vida; a vida dele como militar foi uma fase. Só entrou nas Forças Volantes depois que Lampião veio de Alagoas, diversas vezes queimar nossas propriedades e roubar o nosso gado. Nunca meu pai matou ninguém, nem dos Ferreira. Lampião, ao contrário, matou muitos dos nossos parentes, inclusive José Nogueira, com frieza, à traição, roubando-lhe até as alpargatas dos pés, tendo Antonio Ferreira calçado e saído com elas.
Nas “Volantes”
Em um dos muitos livros publicados sobre a vida de “Lampião”, e de autoria de pesquisadora Aglae, José Saturnino fala das lutas, das emboscadas, dos “homens machos” que lutavam ao seu lado, como Zé Caboclo, Zé Batoque, Paisinho, Cassimiro e Nego Tibúrcio. Refeiru-se aos insultos que trocavam quando se encontrava com os membros da família Ferreira, da troca de tiros com Virgulino, Antonio, Livino, Antonio Matilde e Luiz da Gameleira. Do cavalo que vendeu a Zé Ciprino, de Nazaré, da emboscada que lhe foi preparada por Virgulino, quando, no dia da feira, foi receber o dinheiro correspondente à transação com o animal.
Uma narrativa simples e que vale a pena ser descrita para mostrar o clima que reinava entre eles:
- Pru vorta das treis hora da tarde arrecebi o dinheiro du cavalo. Cem mil réis. Selei meu burro. Quando andei meia légua, fui envolvido numa emboscada. Eu e João Fuló brigamo cinco hora. Quando cheguei in casa era 9 da noite. Naquele tempo a puliça era pouca e quando a gente quebrava as acomodação do Juiz e do Coroné tinha tiroteio de novo. Eu e os vizinho sabia aqui os Ferreira irá cercar minha casa antes do dia quilariá. E viero. Brigamo desde 1 da manhã às 6. Eu tinha 23 homes. João Flor, Zé Caboclo, Zé Batoque, Cassimiro e Tibúrcio era cabra muito home, muito macho. A munição dos Ferreira se acabou-se. Se arretiraro chamando nomes feio”.
José Saturnino foi integrante das forças Volantes durante alguns anos e conviveu com cangaceiros famosos como: Cassimiro Honório e Antonio Matilde. Foi fazendeiro e sobretudo, vaqueiro. Lutou contra secas, inclementes e amou sua terra tanto quanto amou sua família.
Na noite em que morreu, José Saturnino cantou aboios como nunca o fizera em sua acidentada vida no campo, tangendo as reses.
Diz a crença popular que as pessoas antes de morrerem, revivem o passado. Se assim é, certamente naquela noite, o velho Saturnino deve se ter sentido, novamente de mosquetão, em punho.
Ao lado dos velhos e corajosos companheiros, fugindo das emboscadas armadas pelos Ferreira, com eles lutando com aquela coragem que guardou até os últimos momentos da vida.
Deveria ter-se visto vestido de gibão, chapéu e alpargatas de couro cru cavalgando por toda aquela região onde, quando não estava lutando, aboiava como um autêntico vaqueiro que era. Saturnino, afinal, está descansando.
Está sepultado, há cerca de 15 dias, na terra pela qual sempre viveu e lutou, porque a amava como a sua própria família. E com sua morte, com poucos registros na imprensa, desaparece uma figura da maior importância na história do cangaço brasileiro.
Apagava-se a figura de um homem que, durante toda a sua existência, dedicou-se a combater bandidos e bandoleiros, expondo-se à balas dos inimigos, num verdadeiro desafio à morte.
A morte que afinal, o levou de vencido em Serra Talhada, fazendo desaparecer um dos últimos remanescentes, e certamente de todos... da era de “Lampião”.
Adendo Lampião Aceso:
José Saturnino Alves de Barros, faleceu em sua fazenda, Maniçoba da Pedreira em 5 de Agosto de 1980, com a idade de 86 anos e já sem lucidez. A matéria foi ilustrada por nós.
Nenhum comentário:
Postar um comentário