domingo, 16 de junho de 2019

Demarcando mais um sitio histórico

O combate das Caraíbas, 1926

Por Cristiano Ferraz

No último domingo, dia 09 de junho cumpri um compromisso assumido com o amigo Louro Teles em maio de 2017 quando visitamos o local do combate de Serra Grande em serra Talhada. O combinado era visitarmos juntos o local onde aconteceu o combate das Caraíbas em fevereiro de 1926 entre Floresta-PE e Betânia-PE.

Nos encontramos na manhã de domingo em Floresta, eu, Louro Teles que veio de Calumbi-PE com Sálvio Siqueira (vindo de São José do Egito-PE) e Richard Torres Pereira de Serra Talhada-PE.

Seguindo para o destino pouco depois onde chegamos por volta de dez horas da manhã na residência de seu Antônio Odilon dos Santos, 84 anos de idade e que há quatro anos atrás havia me mostrado o local quando o visitei com meu primo Manoel serafim durante os preparativos para o Cariri Cangaço em Floresta em 2016.

Aquela visita foi um dos fatos que motivaram a escrita do nosso livro As Cruzes do Cangaço – Os fatos e personagens de Floresta-PE, lançado durante na abertura do primeiro evento Cariri Cangaço em nossa cidade no dia 26/05/2016.
 


Após conversarmos um pouco com seu Antônio, sua esposa e alguns familiares (uma filha e uma neta), nos dirigimos ao local onde foram sepultados os volantes mortos no combate que fica a cerca de um e meio a dois quilômetros da casa. Não sem antes tomarmos um cafezinho com queijo de coalho, como é “de praxe” na casa de todo bom sertanejo.

Chegando ao local percebi a diferença de quatro anos atrás. O local havia sido desmatado e a cruz de madeira que não mais existia em 2016 havia sido refeita de forma improvisada e colocada no local. Rapidamente cavamos o solo e colocamos uma cruz de metal feita pelo amigo Louro Teles. Aproveitamos o momento para fazer alguns vídeos e fotografias registrando o fato.




Em seguida fomos ao serrote onde aconteceu o combate, que fica a dois quilômetros da sepultur junto ao leito do riacho da Maravilha. Hoje o local também está bastante modificado em relação à época do combate, pois antes não havia o açude que hoje forma uma represa no leito do riacho.

Seu Antônio, apesar da idade avançada nos acompanhou, tendo ficado numa sombra aguardando nosso retorno. O acesso ao local do combate no serrote, estava muito tomado pelo mato e ele preferiu ficar descansando. Com poucos minutos no local fizemos alguns vídeos e passamos a procurar vestígios do combate com o detector de metais manuseado por Louro Teles.

Rapidamente localizamos um projétil de rifle calibre .44 enterrado no solo por trás do serrote. Pouco tempo depois, foi encontrado um projétil de calibre .22 próximo ao local do primeiro. Com o rápido passar do tempo decidimos retornar para deixar seu Antônio em casa pois a hora do seu almoço já havia passado. Eram duas horas da tarde e acabamos demorando nos deslocamentos a pé indo e voltando para onde deixamos o carro.

Com os vestígios encontrados ficou a certeza de que aquele é mesmo o “palco” dos acontecimentos. Mesmo não tendo tempo para aprofundarmos as pesquisas no serrote e do lado oposto do riacho onde se encontravam as volantes, deduzimos que ainda ainda existem resquícios do acontecido e retornamos satisfeitos com o resultado. Firmamos assim o compromisso de retornarmos em breve para descobrir mais detalhes da dinâmica do combate.

O combate das Caraíbas, em Floresta foi travado entre Lampião e as forças volantes na quinta-feira dia 04 de fevereiro de 1926 às margens do riacho da maravilha, afluente do riacho do navio - nas divisas entre os municípios de Floresta e Betânia .

Participaram as volantes comandadas pelo Tenente Higino José Belarmino e Optato Gueiros contra o grupo de Lampião. Junto com Lampião encontrava-se entre outros o conhecido Manoel Pequeno (da fazenda Saco – na ribeira do riacho do navio) e seu grupo. Os cangaceiros se entrincheiraram no leito do riacho, em um serrote à margem deste e próximo a estrada por onde vieram os soldados, emboscando a força em campo aberto.

O confronto teve a participação da força de Nazaré composta por, Afonso de Sá Nogueira , Altino Gomes de Sá, Antônio Joaquim dos Santos (o famoso rastejador Batoque), Aureliano de Souza Nogueira (Lero), Aureliano Francisco de Souza (Lero Chico), Constantino Marcolino de Souza, David Gomes Jurubeba , Euclides de Souza Ferraz (Euclides Flor) , João Cavalcanti, João Domingos Ferraz, João Gomes Jurubeba, João Jurubeba de Sá Nogueira (João Gato), Joaquim Ferraz de Souza (Quinca Néo), Joaquim Francisco de Souza (Quinca Chico), Manoel de Souza Ferraz (Manoel Flor), Manoel Neto (Anspeçada), Pedro Gomes de Lira (irmão de João Gomes de Lira), Pedro Marcolino e Pedro Tomaz de Souza Nogueira.

O tiroteio durou até o final da tarde quando Lampião se retirou do local levando seus mortos (acredita-se que em número de cinco) sepultando-os na caatinga entre o local do combate e o poço do ferro (ou na fazenda São Brás, que fica a oeste do local) e deixando entre os volantes um saldo de pelo menos três baixas fatais, os soldados Aristides Panta da Silva (Este de Floresta), Benedito Bezerra de Vasconcelos e Antônio Benedito Mendes.

Os soldados mortos foram sepultados na margem esquerda do riacho da maravilha próximo ao local onde o riacho do Jacaré se une a este . O riacho da maravilha é a divisa entre os municípios de Floresta e Betânia.

No combate saíram feridos o Tenente Higino no braço, Manoel Neto no braço direito, Antônio Joaquim dos Santos (Batoque) na perna, João Cavalcanti, Altino Gomes de Sá (na “maçã” do rosto), João Pereira de Souza e João Pinheiro Costa.
 
 Tenente Higino Belarmino de Souza
Acervo Lampião Aceso

Na visita ao local tomamos conhecimento que durante o combate o fazendeiro/boiadeiro florestano Joaquim de Alencar Jardim (Quinca Jardim) retornava a Floresta após a venda de uma boiada. Antônio Ferreira, que brigava no serrote no momento, sabendo da passagem deste pelo local o esperou com mais dois cangaceiros na sombra de um umbuzeiro (conhecido como umbuzeiro do Marçá – ou Marçal) abordando-o para lhe pedir dinheiro.

Quinca Jardim naquele momento se acompanhava de Joaquim Serafim (conhecido como Joaquim Grande do Rancho dos Homens) e mais duas ou três pessoas. Joaquim Grande então disse a Antônio Ferreira que Quinca Jardim não tinha a quantia pedida pois vendera a boiada mas não recebera o pagamento. Antônio Ferreira se contentou com a resposta sem saber que o dinheiro do pagamento da boiada estava no bornal que Joaquim Grande carregava a tiracolo.

Dois dos outros acompanhantes de Quinca Jardim disseram a Antônio Ferreira que um dos cangaceiros que o acompanhava tomara o pouco dinheiro que estes carregavam. Antônio Ferreira então perguntou quem pegara o dinheiro e o mandou devolver. O cangaceiro o fez embora queixando-se do trabalho ingrato onde era obrigado a devolver o dinheiro ganho.

Menos de um ano após, no final do ano de 1926 Lampião mataria 129 reses de Quinca Jardim na Barra do Juá por não ter recebido dinheiro após um pedido (acredita-se que um bilhete). Isso, provavelmente aconteceu ao descobrir que fora enganado cerca de dez meses antes. Comenta-se que apenas uma rês escapou porque este fato se deu no dia da morte de Antônio Ferreira no Poço do Ferro. Na ocasião lampião se encontrava na região (Poço do Ferro – Pipocas – Rancho dos Homens) preparando-se para dar uma brigada com Ildefonso Ferraz do Curral Novo. Com a morte de Antônio Ferreira Lampião teve que ir às pressas ao Poço do Ferro para sepultar o irmão, morto pelo companheiro Luiz Pedro (do retiro) em um disparo acidental.

Há controvérsias quanto à quantidade exata de bois mortos por Lampião e seu grupo naquele dia. O certo é que no total a boiada era de 100 a 130 animais. Desses apenas uma rês escapou, sendo tratada por Pedro Ferreira, da fazenda Rancho dos Homens, tio de Antônio Odilon dos Santos, que nos mostrou o local do combate, a sepultura dos soldados e nos contou vários detalhes do que aconteceu ali naquela época.

Seu Antonio Odilon é neto de Antônio Pedro dos Santos, que foi inspetor de quarteirão na região onde poucos anos mais tarde viria a surgir a vila de Nazaré. Conta-se que por volta de 1910 em perseguição a Zé de Souza houve um tiroteio onde morreu uma criança. Os familiares da criança diziam que a morte deste só seria vingada com a morte de Pedro Ferreira, o filho primogênito de Antônio Pedro. Com isso Antônio Ferraz de Souza, padrinho de Pedro Ferreira o trouxe para Floresta na garupa de seu cavalo e procurou amenizar a questão tirando a família de Antônio Pedro para a região da Barra do Juá.

Estes então vieram para a Fazenda Rancho os Homens onde se estabeleceram e vivem até hoje, muitos dos seus descendentes morando na região entre Floresta, Betânia e Ibimirim. Entre os filhos de Antônio Pedro um deles se tornou muito conhecido por sua grande habilidade como vaqueiro. Chamava-se Joaquim Pedro dos Santos, o Quinca Pedro, da fazenda Urubu, vizinha ao Rancho dos Homens.

Maiores detalhes dessa história podem ser lidos em vários livros sobre o cangaço Lampiônico, entre os quais podemos indicar:

1) As Cruzes do Cangaço – Os fatos e personagens de Floresta-PE, de Cristiano Luiz Feitosa Ferraz e Marcos Antônio de Sá;

2) O Canto do Acauã, de Marilourdes Ferraz;

3) Lampião – Memórias de um soldado de volante, de João Gomes de Lira;

4) David Jurubeba Um herói nazareno, de José Malta de Sá Neto;


5) Lampião Seu Tempo e Seu Reinado, do padre Frederico Bezerra Maciel.

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