sábado, 7 de junho de 2014

Seu Atanásio

Memória centenária do cangaço em Paripiranga, BA


Por Kiko Monteiro


Dando continuidade aos registros de minha pisada junto com o confrade Narciso Dias por terras que ontem pertenciam a Paripiranga e hoje são de Adustina, tivemos mais uma grata surpresa ao sermos avisados da existência, eu diria até espetacular existência e presença de Seu Atanásio. Ele é mais uma testemunha ocular dos fatos lampiônicos no sertão baiano, e que para nossa sorte naqueles dias se encontrava em tratamento de saúde na casa da sua filha.


Ex-vaqueiro e coiteiro assumido, Atanásio Gregório dos Santos já não enxerga à onze anos. Precisamente quando completou os 102 anos de idade... Hoje aos "111" desafia o tempo e o vento, sim, o homem nasceu em 05 de fevereiro de 1902. Com prova documental.



Garantiu lembrar de ontem como se fosse ainda ontem. Conversamos com ele por pouco mais de uma hora. Não foi fácil montar o seu depoimento. É preciso intimidade com o ritmo e expressões e corruptelas da fala dos nossos vizinhos de estado. E seu Atanásio nem sempre partia do inicio ou finalizava um episódio. Alguns capítulos ficaram pela metade, portanto sem validade para nossa publicação. Não poderíamos exigir muito, os fatos conhecidos e vivenciados por este baiano fecharam com chave de ouro a nossa tão proveitosa visita.

Pra inicio de conversa, ele nos disse que não era filho de Paripiranga, é natural de Bebedouro (atual cidade baiana de Coronel João Sá que pertencia à Jeremoabo). 

Que na verdade foi um coiteiro de dupla função, pois serviu aos dois lados da força. 

Na época do cangaço ele já residia nos Jardins  mesmo lugarzinho em que vive amparado pelos filhos, (atualmente o Jardins é um povoado do município baiano Sitio do Quinto). 

O que facilitou sua amizade com os cabras de Lampião foi o fato de ser casado com uma prima do cangaceiro "Saracura". Assinala que o grupo que dominava a região era justamente o de Ângelo Roque "O Labarêda" um cangaceiro manso e chefe de Saracura.
Saracura não, o Benício, que era um excelente vaqueiro e conforme a história, um sertanejo que revoltou-se ao ver seu pai quase invertebrado numa rede por conta de uma surra que tomou de uma força volante.

Confiram a data de nascimento no RG do "menino"
Ressalta que manteve boa convivência com policiais. Todavia ao botar na balança quem mais apreciava, deixa claro a sua simpatia pelo modus operandi dos cabras de Lampião. Afirma que presenciou muito mais atrocidades dos "Macacos". Afinal de contas...
 - "O que mais tinha na policia era vagabundo a procura de comida e dinheiro. Era uma época de secas terríveis e estas pessoas não tinham opção. A única alternativa era pegar em armas para perseguir cangaceiros. Mas a única coisa que a maioria sabia fazer era pilhéria, covardia de bater em pobres coitados. Enfrentar os cangaceiros como devia de ser... Ah! foram poucos".
L.A. - Sabendo que havia violência de ambas as partes, por que o senhor preferia lidar com os cangaceiros do que com as Forças?
- "Vamos dizer assim: Eu não fazia nem cara feia, nem corpo mole. A volante exigia que eu matasse um bode dos meus, eu atendia, eles comiam, enchiam o bucho, nem sequer agradeciam e iam embora. Já os cangaceiros pediam a mesma coisa, porem ao se fartarem pagavam pelo animal abatido. Aliás, eu ganhava de cinco a dez mil réis por qualquer favor prestado a cabroeira".
 L.A. - O senhor chegou a frequentar algum baile com os cangaceiros? 
- "Fui dançar uma única vez um "pagode" convidado pelo próprio Ângelo Roque no Pinhão. Mas chegou uma força e teve tiroteio. Nesse dia não morreu ninguém, eu consegui fugir me arrastando pelo batente da choupana". 
 L.A. - E Lampião? 
- "Conheci demais, ele andou muito no sitio (Do quinto), aqui pelas matas de Paripiranga, também, tinha preferência pelos coitos na beira do rio Vaza Barris que corta a região".
  
A cada intervalo Seu Atanásio sempre repetia: 
"Tempo bom, meus amigos, é o de hoje".

Também pudera, o homem na condição de coiteiro, e de quem viu muito assombro e desmandos de toda a sorte no sertão pode fazer o comparativo.
Certa vez ele guiou a cabroeira até a casa de uma mulher chamada Josefa de Bispo, que morava com três filhos no lugar chamado Quixaba. Ao perceber a fome que estes passavam, os cabras ruins do sertão num momento de benevolência (heroismo) se compadeceram da situação e deram-lhes comida.
Mas certa feita esta mesma mulher achou de informar para a volante comandada pelo Sargento Balbino a localização do coito dos bandoleiros. O cangaceiro (cujo nome ele não recorda e prefere não sugerir ) Tomou conhecimento da desfeita e a visitou mais uma vez, desta vez sem piedade nem tampouco caridade.
- "Ele cortou a língua dela com uma faca de ponta para servir de exemplo à  todos que não soubessem manter silencio sobre suas presenças na região".
Pensam que o castigo lhe bastou? Dona Josefa, revoltada e sem a língua para caguetar, apontava com o dedo a direção do bando para a volante. Ligeiramente engraçado? No cangaço nada é cômico. Essas "apontadas" ocasionaram em tiroteio e como nova represália os cangaceiros intimidaram a velha de vez, matando dois dos seus filhos.
Recordou um outro trágico episódio envolvendo gente que desafiou o perigo, narrativas que ouviu dos próprios executores.
O jovem Manoel Caetano, “Manoelzinho” era caçador e certa vez deu de cara com um coito de cangaceiros que se preparavam para tratar uma vaca. Ao voltar para casa ao invés de segurar a novidade resolveu procurar o sargento Balbino e delatar o local. Novo embate com a policia... Não tinha outro, eles já sabiam quem os havia entregado e juraram vingança contra o Manoel. Tempos depois Manoelzinho que pensava que era invisível descia as margens do riacho sozinho e deu de cara com um cangaceiro que o cumprimentou pelo nome, Manoelzinho desconfiado perguntou quem ele era, e o cabra identificou-se como Soldado do governo".
O caçador nem imaginava quem seria a caça, achou de fazer a média com o volante e foi proseando:
- Pois um dia destes, botei vocês no rastro dos bandidos, não mataram porque não quiseram.
- É verdade, mataram ninguém não, tanto que estou aqui conversando com você, seu filho de uma p... vais morrer agora mesmo.
Outros cangaceiros saíram do mato. Manoelzinho se ajoelha clama que poupem sua vida pois tinha uma boa quantia de dinheiro pra lhes dar.
- Tenho pra vocês um conto e quietos réis...
Trato aparentemente aceito, mas o levaram e mantiveram-no prisioneiro no coito e no final da tarde o mataram a punhaladas e deixaram o cadáver exposto em outro ponto da mata. Paisanos que passavam pelo local ao se depararam como aquela cena medonha e fugiram esquecendo-se das montarias.
 Atanásio tira sem dificuldade mais coisas da sua centenária e incrível memória
Conta que conheceu "Mariquinha" prima de Maria Bonita e companheira de Ângelo Roque.

[Mariquinha também era natural de Jeremoabo e foi assassinada por Odilon Flor no lugar Riacho do Negro, (diz que na época o lugar também foi conhecido por Curral do Saco) juntamente com os cabras Pé-de-peba e Chofreu. Quem participou desta diligencia e está vivo para contar esta história é o ex volante Gerson Pionório entrevistado por João de Sousa Lima Leia Aqui ]
 

Cabeças dos cangaceiros Mariquinha, Chofreu e Pé-de-peba
Acervo Lampião Aceso
 
Cruzes dos cangaceiros mortos no Riacho do Negro
E que em 1938 após o massacre, descobriu que dois sobrinhos dele estavam junto com Lampião em Angico. Um deles recebeu o vulgo de "Zeppellim" e o outro não lembra, mas enfim, era o Pedrinho. Os dois conseguiram escapar. permaneceram escondidos durante seis meses na fazenda Caraíbas (Divisa entre Adustina e sitio do Quinto).
- "O Pedrinho tinha um ferimento de bala na coxa que ele tratou com farinha molhada".
 L.A. - E o senhor? não chegou a ser convidado para pegar em armas e acompanhar os cangaceiros? 
- "Com os meninos? Não, mas cheguei a marchar com Zé Rufino algumas vezes na persiga de cangaceiros". Recebi um fuzil e uma recomedação dele -"Se ver alguém não seja doido de atirar, espere minha ordem".
Seu Atanásio disse que também serviu como coiteiro do célebre Corisco.
 L.A. - E Dadá, o senhor lembra dela?
- "A Dadá? Ah ali era uma “cabocla positiva”. Uma vez eu pesquei não sei quantos quilos de Jundiá pra ela e pra Corisco... Conheci o "Balão" e o Mariano quando ele era comandado pelo diabo Loiro... e outros e outros".

"Esse depoimento foi gravado no dia 2 de julho de 2013 e escrito dois meses depois. Antes de publica-lo eu precisava me certificar da condição atual do nosso entrevistado. Hoje, 07 de junho de 2014, mantive contato com o nosso amigo e anfitrião professor Salomão que foi buscar noticias junto a filha de Seu Atanásio e ela nos assegurou que: Aos "112 anos" o pai dela está vivendo seus últimos dias, meses, ou quem sabe até anos no rancho dele, lá no Sitio do Quinto".

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3 comentários:

THOMAZ ARAÚJO disse...

Paripiranga e municípios vizinhos têm muitas histórias a contar sobre o cangaço e seus desenlaces.Parabéns a Kiko Monteiro pela estadia na "Boca do Sertão", como foi chamada Paripiranga pelo escritor sergipano Ranulfo Prata em seu livro Lampião - documentário de 1934.Parabéns pela matéria e pelo empenho em desvendar a história regional sobre o cangaço e seus expoentes.

Thomaz Araújo.

Anônimo disse...

Boa, garoto! Excelente postagem!
Abs
Sergio Dantas.'.
NATAL

Anônimo disse...

Faço das palavras de Thomaz as minhas : Parabens pelo empenho em desvendar a história do cangaço!!! Perfeita reportagem!!!!!! Impressionado com a vitalidade do Seu Atanásio.

Sou um "recem-nascido" dos amantes da história do cangaço. Reportagens como essa faz com que a cada dia eu me apaixone mais pelo cangaço.

Parabéns!!

Jefferson Santos, Salgueiro-PE.