Por: Rangel Alves da Costa(*)
Phabio Pio
O que se tem hoje é uma diversidade de feições sobre o mesmo fenômeno, mas disseminadas em vias paralelas: uma que se oficializa como interpretação do cangaço, através dos estudos realizados, e outra através do senso comum, da concepção própria de cada um, das posições tomadas e que são alardeadas boca a boca. A primeira busca se aproximar da verdade histórica; a segunda produz uma verdade segundo a conveniência pessoal.
Fred Ozanan
Com relação ao cangaço, o senso comum, ou seja, aquele conhecimento que o ser humano vai adquirindo, por experiência cotidiana, ao longo dos anos, acaba se transformando num imaginário coletivo onde estão refletidas as concepções populares acerca do cangaceirismo. Desse modo, é a imaginação popular que passa a valorizar ou desvalorizar o fenômeno, a concebê-lo da forma que pressuponha ter acontecido ou mesmo buscar na inventividade um modo de dignificar ou de macular.
Weine Vasconcelos
O sertanejo comum, muito menos que um movimento de revolta, de contestação armada ou de banditismo social, ou mesmo como grupo organizado de sublevação à lei e à ordem social, proporá uma concepção que vai desde o mítico ao modo simplista de se fazer justiça pelas próprias mãos. E, diferentemente da concepção acadêmica, passa a mostrar uma clara tendência a sacralizá-lo ou excomungá-lo.
Daniel Guimarães
Longe de explicações academicistas, de refinamentos conceituais ou de arcabouços teóricos, a visão tida pela maioria das pessoas é a mais realista possível, ainda que possa não corresponder à verdade. Fruindo puro do que ouviu ou do que aprendeu, não há muito lugar para refinadas interpretações no conhecimento vulgar. A maioria das pessoas se contenta em ouvir e falar sobre o cangaço a ler sobre as versões existentes ou mesmo conhecer mais profundamente seus meandros.
Muitas vezes traz da nordestinidade, da elevação do seu herói conterrâneo, uma defesa já pronta, já na ponta da língua. Do mesmo modo que santifica a figura do Padre Cícero, a maioria dos sertanejos - estes priorizando o imaginário - poderá fazê-lo com relação a Lampião. Não é de se admirar que alguns coloquem o rei dos cangaceiros no mesmo patamar do Padre do Juazeiro, de Antônio Conselheiro e Frei Damião. Daí que aquela cruz fincada na boca da Gruta do Angico possui uma extrema significação para o nordestino.
O beijo de Lampião, Anna Anjos
Neste último aspecto, o que se tem é a visão cimentada do cangaço como algo justo, necessário e que ainda hoje seria de muita serventia para combater as injustiças que se alastram. Eis o imaginário nascido da idealização do cangaço como fenômeno justificado pela injustiça se alastrando em todos os quadrantes sertanejos, fazendo preponderar aquela saga como uma luta em busca de justiça na carcomida sociedade nordestina de então. E que continua.
Cybele Varela
As explicações oferecidas através do senso comum não são consideradas pelos estudiosos por diversos fatores. Afirmam os pesquisadores que as pessoas tendem a misturar noções pessoais a um fenômeno muito mais abrangente; que procuram enxergar apenas o fato e desprezam todo um cenário que estava por trás e movia o cangaço; que geralmente se posicionam para opinar sobre o heroísmo ou o reles banditismo de Lampião.
Fagner Bispo
Nesse entremeio de paixões e abominações, eis que surge o cangaço como a luta maior de um povo sofrido ou como um bando de baderneiros e violentos que aterrorizava o pacífico sertão. Contudo, insista-se em dizer, são concepções sempre nascidas de uma tendência pessoal, de relatos ouvidos e acreditados, de suposições que foram se firmando como verdades. Daí que pouco frutificará o trabalho daquele que pretenda ensinar ao sertanejo outro modo de pensar o cangaço.
Como ocorre com toda paixão popular, não só de defensores vive o cangaço. Mesmo que a maioria dos nordestinos se orgulhe dos feitos de Lampião e seu bando, há aqueles que ainda hoje fazem o sinal da cruz só de ouvir qualquer referência. E quando maldizem sua existência vão buscar no ferro em brasa de Zé Baiano, no mito das criancinhas jogadas para o alto e esperadas na ponta do punhal, no assassinato covarde de sertanejos inocentes, dentre outras versões cangaceiras, a sua feição mais negativa.
Herói ou bandido? Depende de quem esteja do outro lado. Não é um fraco e sem motivos que sua e sangra aquela luta; mas também não é virtuoso quem tanto, além do inimigo, faz sangrar na luta. E não apenas o sangue escorrendo do ser, mas também a vermelhidão do pavor.
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(*) Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
Pescado in www.blograngel-sertao.blogspot.com
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