quarta-feira, 24 de julho de 2013

Tributos ao velho cangaceiro.

Lembranças luminosas de um "Candeeiro"

Belíssimo registro de Márcio Vasconcelos

Manoel Dantas Loyola sobreviveu a Angicos. Na época do cangaço, era conhecido como Candeeiro. Pernambucano de Buíque (a 258 quilômetros do Recife), ingressou no bando de Lampião em 1937, mas afirma que foi por acidente. Trabalhava em uma fazenda em Alagoas quando um grupo de homens ligados ao famoso bandido chegou ao local. Pouco tempo depois, a propriedade ficou cercada por uma volante e ele preferiu seguir com os bandidos para não ser morto.

Candeeiro vive como comerciante aposentado em Guanumbi, distrito de sua cidade natal. Atende pelo nome de batismo, Manoel Dantas Loyola, ou por outro apelido: "seu ". No primeiro combate com os "macacos", Candeeiro foi ferido na coxa. "Era muita bala no pé do ouvido", lembra. O buraco de bala foi fechado com farinha peneirada e pimenta. Candeeiro teve o primeiro encontro com o chefe na beira do Rio São Francisco, no lado sergipano.
"Lampião não gostava de estar no meio dos cangaceiros, ficava isolado. Quando soube que eu era de Buíque/PE, comentou: "sua cidade me deu um homem valente, Jararaca'".
 
Candeeiro na ocasião de sua entrega

Candeeiro diz que, nos quase dois anos que ficou no bando, tinha a função de entregar as cartas escritas por Lampião exigindo dinheiro de grandes fazendeiros e comerciantes. Sempre retornava com o pedido atendido. Ele destaca que teve acesso direto ao chefe, chegando a despertar ciúme de Maria Bonita. Em Angicos, comentou que o local não era seguro. Lampião, segundo ele, reuniria os grupos para comunicar que deixaria o cangaço. Estava cansado e preocupado com o fato de que as volantes se deslocavam mais rápido, por causa das estradas, e tinham armamento pesado. No dia do ataque, já estava acordado e se preparava para urinar quando começou o tiroteio.
"Desci atirando, foi bala como o diabo" .
"Mesmo ferido no braço direito, conseguiu escapar do cerco". Dias depois, com a promessa de ser não ser morto, entregou-se em Jeremoabo, na Bahia, com o braço na tipóia. Com ele, mais 16 cangaceiros. Cumprindo dois anos na prisão, o Candeeiro dava novamente lugar ao cidadão Manoel Dantas Loyola. Sobre a época do cangaço, costuma dizer que foi "história de sofrimento". Mas ainda é possível perceber a admiração por Lampião.
"Parecia que adivinhava as coisas", lembra. Só não quis ouvir o alerta dado na véspera da morte, em 1938".
Fonte: Diário de Pernambuco
 
Impressões sobre um velho amigo
 
Seu Né, Aderbal e Dona Lindinalva.
 
Candeeiro foi casado com Dona Lindinalva (Linda), com quem teve quatro filhos. Aderbal Nogueira sempre foi recebido com carinho por toda família. Há mais de 20 anos o documentarista da SBEC fazia as primeiras imagens do velho cangaceiro, na época ainda produziu um documentário exclusivo sobre o amigo e fonte de pesquisa,

O último cangaceiro "que participou do combate final de Lampião" se foi. Um fora da lei? Sim. Vítima de um tempo cruel que infelizmente perdura até os dias de hoje. Culpa de quem? Com certeza daqueles que deviam dar educação, saúde, lazer, trabalho, etc. Candeeiro foi vítima e foi algoz. Regenerou-se e viveu os anos restantes como um pacato cidadão. Sou eternamente grato a ele e sua família que tão bem me receberam e me deram a oportunidade de registrar a sua vida em um documentário.

Pretendia passar em Buíque próximo domingo (28) para fazer mais uma visita, quando hoje recebi a notícia de seu falecimento. Aqui uma parte de seu relato sobre a morte de Lampião. Vai estar sempre em minha memória.
 

 
Testemunhos de quem o conheceu pessoalmente
 
 
Para mim o encontro com o ex-cangaceiro Candeeiro, ou seu , como todos o chamam na intimidade, foi de uma emoção tremenda. A partir daquela casa simples, num lugarejo também simples, se esconde pedaços das história tantas vezes contadas por tantos.

Logo que chegamos e antes mesmo de sermos apresentados a Candeeiro, o sertanejo olhou para cada um de nós com um olhar manso, mas como de uma águia e com a firmeza que só as experiências da vida podem proporcionar, foi declinando a característica de cada um; um a um. Aquilo me marcou profundamente. Permanecemos ali com seu Né e sua família por muito tempo, uma conversa boa, amena, cheia de animação que podia ser notada pela risada forte e conhecida de seu Né.
 
Quando nos despedimos, ele veio até a porta, agradecendo a visita e fiquei a me perguntar o tamanha da inteligência desse sertanejo, talhado pela vida, pelo sofrimento e pelo destino. Candeeiro foi para mim o marco da Caravana Cariri Cangaço.
 
Múcio Procópio
Vice-Presidente da SBEC
Conselheiro Cariri Cangaço
Fotos e informações: Manoel Severo


Com a morte de Candeeiro, secou uma das últimas fontes de informação sobre o cangaço. Seu Né, como era chamado pelos mais íntimos, era incapaz de dar uma informação errada como tantos fizeram, quando não sabia algo respondia simplesmente: "Não tenho conhecimento". Sua casa era um porto seguro, pois ele e sua família recebiam a todos com muita satisfação. Candeeiro prestou importantes informações a diversos pesquisadores.

Agora com a missão já cumprida, que ele encontre o descanso eterno.

Adeus seu Né...

Sabino Bassetti
Pesquisador e escritor, Salto/SP

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