Por João de Sousa Lima
Clementino Francisco da Silva, “Quelé”, nascido em Canindé do São Francisco, Sergipe, em 08 de novembro de 1914, filho de José Francisco e Júlia Alves, teve várias facetas de sua vida ligadas com o cangaço. Primeiro foi criado na fazenda Jerimum, sendo amigo de infância da cangaceira Dulce Menezes, a Dulce companheira do cangaceiro Criança.
Seu Quelé e João de Sousa no terreiro de sua casa, no povoado Nambebé,
reduto de Cangaceiros.
Quelé estava em Canindé do São Francisco quando a cidade foi invadida pelos cangaceiros comandados por Lampião tendo por companhia o perverso Zé Baiano que ferrou as irmãs Marques. Quelé viu os cangaceiros entrando na cidade e depois ouviu o clamor das mulheres que tiveram suas faces ferradas com as iniciais JB.
Maria Marques e a marca ferrada.
Em uma das entradas de Lampião no Nambebé Pimba denunciou a passagem à polícia e Lampião ficou sabendo da entrega, voltando ao povoado com o intuito de matar o delator e só por pedido de Lixandrão que era um coiteiro respeitado e pai do cangaceiro Bananeira foi que Lampião não concluiu sua intenção.
Por castigo Pimba teve tatuado em sua testa uma cruz feita por Lampião, ferida aberta pela afiada lâmina de um canivete.
Escombros da casa do coiteiro Lixandrão, pai dos cangaceiros Bananeira e Artur,
povoado Nambebé, Paulo Afonso/Bahia.
Quelé é casado com Maria Teixeira, filha do coiteiro Antonio Curvina. Antonio Curvina foi um ótimo artesão em couro e era quem fazia chapéus, cartucheiras, alpercatas, cintos e bandoleiras para Lampião e seus seguidores. Quando do combate da Lagoa do Mel onde morreram dezenove soldados e o Ezequiel (irmão de Lampião), um dos soldados que fugiu ao cerco, se perdeu dentro da mataria fechada e saiu justamente no povoado Nambebé.
Maria, filha de Antonio Curvina e esposa de Quelé
Com o alerta que ali era reduto de Lampião o soldado pegou Antonio Curvina e o menino Epifhânio de Félix como reféns e ordenou que eles o levassem até Santo Antonio da Glória. No trajeto, o soldado bastante cansado, entregou seus pertences ao Antonio Curvina para que ele o ajudasse a levar o material. Assim que eles saíram do Nambebé alguns cangaceiros que vinham no encalço do soldado chegaram ao povoado. Maria, esposa de Antonio, contou a história acontecida com seu marido e a falou da preocupação que estava passando por ver seu companheiro nas mãos do militar.
Os cangaceiros seguiram por outro caminho que levava em um tempo mais curto até o povoado Salgadinho. Ganhando tempo os cangaceiros chegaram a um ponto e armaram emboscadas para pegar o soldado. Ao longe avistaram as três pessoas que seguiam uma vereda, Antonio Curvina vinha com os bornais e o chapéu do soldado. Os cangaceiros confundiram o coiteiro com o soldado e atiraram, o soldado correu, o garoto Epiphânio de Félix se emparelhou em uma árvore e nada sofreu, Antonio Curvina caiu morto.
Cruz de Antonio Curvina
O soldado chegou ao povoado Salgadinho e justamente na casa da irmã da cangaceira Lídia, que avisou a ele que ali era coito de cangaceiros. O soldado se negou a sair da residência.
Escombros da primeira casa de Pimba
No encalço dos cangaceiros e do soldado, montado em um burro, vinha o primo de Antonio Curvina, o jovem Lindo de Zezé. Lino encontrou o primo morto e saiu em perseguição ao soldado indo encontrá-lo no povoado Salgadinho. Lino pegou o soldado, amarrou-o, montou no burro e saiu arrastando o soldado, na subida da Serra do Padre Lino matou o soldado, pegou seu armamento e foi se apresentar ao cangaceiro Lampião que ouviu sua história e de imediato o aceitou em seu bando, passando Lino a ser chamado de Pancada, o famoso cangaceiro Pancada.
Lino José da Silva, Vulgo Pancada
Quelé chegou a Paulo Afonso ainda na década de 1940. Com o começo das obras da CHESF Quelé derrubava a golpes de machado, frondosas árvores que eram utilizadas pela companhia para fazer as pontes para os caminhões passarem transportando material para a construção das usinas.
Hoje, aos 99 anos de vida, Quelé ainda é lúcido e bom de conversa residindo no povoado Nambebé onde todos os dias uma numerosa família senta-se ao seu redor para ouvir suas histórias de vida e seus ensinamentos de homem justo, correto e trabalhador. Lutando contra um problema de próstata, sempre de olho na sonda que lhe acompanha, o velho senhor enumera seus passos que coincidiram com as passagens do cangaço e entre um misto de orgulho e de dono do seu tempo, ele conta histórias, encanta, recita versos, declama histórias completas aprendidas nos cordéis, relata fatos, emociona e emociona-se, considera suas andanças nas ásperas veredas que o sertão lhe impôs. Sábio cavalheiro de um tempo que tem perdido a oralidade dos fatos pela idade dos períodos corridos.
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