Por Narciso Dias
Diariamente, quando abrimos o jornal, ficamos escandalizados com a onda de criminalidade que toma conta da sociedade,em especial dos grandes centros urbanos. As pessoas que não compreendem a origem social desta criminalidade anonima, ao mesmo tempo em que se horrorizam com os requintes de crueldade e violência aos furtos mais insignificantes, sentem-se vítimas potenciais e clamam por mais policiamento e mais verbas para a "segurança", na vã esperança de assim viverem com tranquilidade.
Os mais radicais chegam, inclusive, a pregar abertamente a adoção da pena de morte. No entanto nem sempre foi assim. Houve um tempo em que a maioria das pessoas torcia pelos bandidos em luta constante com a polícia. Um tempo em que parcela significativa da sociedade não contrapunha ao crime a necessidade de mais repressão,embora este pudesse ser o ponto de vista dos governantes.
O bandido social é, em geral, membro de uma socidade rural e, por razões várias, encarado como proscrito ou criminoso pelo Estado e pelos grandes proprietários. Apesar disso, continua a fazer parte da sociedade camponesa de que é originário e é considerado como herói por sua gente, seja ele um "justiceiro", ou um "vingador" ou alguém que "rouba aos ricos".
Quer dizer,na prática os membros da sociedade não reconhecem no Estado e na classe dominante a legitimidade para dizer quem está ou não agindo segundo a "lei" e os costumes reconhecidos peo povo simples. Este tipo de bandido nada tem a ver com o "bandido comum", isto é, com aquele tipo de criminoso que a própria comunidade se esforça por entregar à polícia. Pelo contrário, é um camponês que por algum motivo "caiu em desgraça" perante os poderosos locais. Este tipo de "banditismo social" é um dos fenomenos mais universais da História. Existiu na China, no Peru, na Sicília, no Nordeste brasileiro, na Ucrânia, na Espanha, na Indonésia etc.
Do ponto de vista organizacional, as sociedades onde ele surge posuem alguns traços comuns: São sociedades rurais que vivem a transição entre a organização tribal e o clã (onde o principal laço de solidariedade social é a família extensa) e a moderna sociedade capitalista em fase de industrialização,quando o avanço do capitalismo no campo destroi a predominância dos laços de família.
Nesta sociedade, portanto,será perfeitamente compreensível se um camponês pegar em armas para "vingar a honra" de sua irmã, violentada pelo filho de um proprietário, ou se rebelar e defender os seus parentes que se recusam a pagar os impostos e tributos devidos às autoridades.
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Lampião, quando castrava o filho de um coronel que havia deflorado uma moça, ou quando incendiava uma fazenda, era profundamente admirado pela coragem de pegar em armas e realizar "com as próprias mãos" a justiça que o Estado negava ao homem pobre do sertão nordestino. Se sua ação provocava horror e indignação era principalmente entre suas vítimas potenciais, isto é, entre a pequena parcela de opressores do povo.
Mas Lampião está longe de ser um "modelo" de bandido social, muito embora tenha sido o mais famoso cangaceiro. Um estudo aprofundado do banditismo permite indentificar dois tipos principais de "fora da lei": O ladrão nobre, com o qual estamos familiarizados graças a figuras populares como Robin Hood, "que rouba aos ricos para dar aos pobres", e o vingador, ou justiceiro, que ao procurar reparar uma grave injustiça semeia o terror entre os opressores.
Robin Hood
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Os principais surtos de banditismo ocorreram na segunda metade do século XIX - período de franca expansão do capitalismo sobre o mundo rural,em especial graças à introdução das ferrovias em largas parcelas de território antes só alcançadas por tração animal. No Brasil , por exemplo, apesar de o surto do cangaço ter ocorrido em fins do do século XIX e começo do XX, se conhecem casos que remontam a primeira metade do século XVIII.
Desta forma o banditismo se torna, em certas ocasiões,um verdadeiro modo de vida, que pode inclusive, sofrer modificações significativas. Não raro esta forma de marginalidade social acaba por desembocar em convulsões sociais maiores, como uma revolução, a que o bandido se vincula em defesa da causa do seu povo.
Mas, via de regra, não se pode dizer que o bandido social lute pela revolução. Ele é basicamente um homem que procura "se fazer respeitar" a qualquer preço. Por isso é admirado.
Narciso Dias
Sargento da PMPB
Conselheiro consultivo do Cariri Cangaço
Moderador deste "Sítio"
*Fonte: "O Cangaço" Carlos Alberto Dória
Sargento da PMPB
Conselheiro consultivo do Cariri Cangaço
Moderador deste "Sítio"
Um comentário:
Belo artigo sobre o universo do cangaço escrito por Narciso Dias. De herói a vilão, Lampião está presente no imaginário popular. "[...]cangaceiro infame, matador do mal, lei do sertão".
Cordialmente,
Prof. José Lima Dias Júnior
Mossoró-RN
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