terça-feira, 23 de agosto de 2016

Uma noite no cenário do fim

Impressões sobre a Visita Técnica à Grota do Angico
 

Por Camilo Lemos.

À pedido do pesquisador e conselheiro do Cariri Cangaço Jorge Remígio, vou tentar descrever as minhas impressões sobre a VISITA TÉCNICA À GROTA DO ANGICO, município de Poço Redondo-SE, realizada na madrugada do dia 27 para o dia 28 de julho de 2016. E assim poder ajudar de alguma forma nas discussões em torno do que aconteceu na madrugada do dia 28 de Julho de 1938. Mesmo sabendo que qualquer conclusão será relativa, será aproximada do que de fato ocorreu. São apenas as minhas impressões.

Por ocasião do CARIRI CANGAÇO realizado durante a semana do cangaço em PIRANHAS-AL, entre os dias 28 e 30 de Julho de 2016. Cheguei à véspera em Piranhas, pois pretendia assistir a Missa em homenagem aos mortos na Grota do Angico-SE na manhã do dia 28. À Convite de Petrúcio Rodrigues e Celsinho Rodrigues (idealizador da experiência), fui incorporado ao grupo de pesquisadores que contava com: Ivanildo Silveira, (pesquisador, Conselheiro do Cariri Cangaço e membro da SBEC), Lourival Telles (pesquisador de grande experiência), eu (Camilo Lemos) cuja única certeza é de ser Vascaíno (pesquisador), os já citados conhecedores da região desde o berço, Celsinho Rodrigues (pesquisador, conselheiro do Cariri Cangaço e bisneto de Chiquinho Rodrigues), Petrúcio Rodrigues (pesquisador, gente muito boa e sobrinho de Chiquinho Rodrigues).

 Da esquerda para a direita: João de S. Lima, Petrúcio Rodrigues, 
Celsinho Rodrigues, Ivanildo Silveira, Louro Teles e Camilo Lemos.

Embarcamos no Catamarã SERTÃO, comandado por Hugo Araújo Gonçalves, experiente navegador do São Francisco.

 Catamarã Sertão do comandante Hugo Araújo Gonçalves.

23h00min Começa a experiência de repetir o mesmo trajeto feito pela volante comandada pelo TEN. João Bezerra, 78 anos antes. No percurso foram desligadas as luzes da embarcação para verificar a visibilidade,

23h45min Na altura da fazenda Remanso, as luzes e o motor do SERTÃO foram desligados. Na noite fria, na imensidão do São Francisco, as estrelas apareceram dando uma visão deslumbrante e inesquecível da paisagem, deu uma ideia do que João Pernambuco e Catulo da Paixão Cearense quiseram dizer na sua “LUAR DO SERTÃO”. Ouvimos perfeitamente o som dos animais vindo das margens. Na água e entre os paredões ouve-se perfeitamente. Na escuridão é possível ver as duas margens do rio. Segue o barco.


 Rompendo a escuridão nas águas do São Francisco 
e desembarque na margem sergipana.

00h00min Atracamos

00h15min Desembarcamos

Experiência de disparo de arma de fogo curta, calibre 38, efetuado por LOURO TELLES na entrada da trilha, ainda na margem do rio. Fiquei a uma distância de aprox. 10 metros do disparo. Depois do estampido seco e metálico característico de um revolver e, dentro de um intervalo entre um a dois segundos, o eco produzido nos paredões se aproxima ao som de um trovão, sentimos a onda sonora retornando como um longo “ronco”, “mais parecia uma rajada”, como descreveu João de Sousa Lima.

 Entrada da trilha utilizada pela Força Volante 
comandada por João Bezerra 78 anos antes.

Às 00h25min Entramos na trilha, a mesma utilizada pelo Ten. João Bezerra, Aspirante Ferreira de Melo, SGT. Aniceto e mais 45 policiais volantes, orientados pelo coiteiro Pedro de Cândida e seu irmão Durval Rosa 78 anos antes. Em fila, intercalada pelas lanternas, entramos em terras sergipanas. Essa trilha tem aprox. 800m. A Visibilidade é muito baixa. Desligamos as lanternas e esperamos a visão se adaptar ao escuro. Repetimos este procedimento em diversos pontos. Em todas às vezes a visibilidade era quase nula.

A Trilha hora estreita, hora íngreme e em certos trechos com terreno  acidentado de pedras soltas, torna a caminhada difícil. Mesmo com a s lanternas acesas, o caminho é difícil.  No trajeto imaginava como teria sido à 78 anos. 48 homens com armamento, munição, sob uma forte tensão, o corpo em alerta, olhos e ouvidos no silêncio e na escuridão, um caminho tortuoso e apenas uma certeza (?). Iriam encontrar um forte grupo armado cujo líder era “nada mais nada menos” que LAMPIÃO. Meu corpo começou a reagir, veio o instinto de sobrevivência aguçando todos os meus sentidos: o ouvido treinado de músico não procurava mais acordes, mas qualquer ruído; meus olhos procuravam o caminho, meus pés, a melhor pedra.  Embora já acostumado a trilhas noturnas, essa tinha um sabor especial, a história envolvia todos nós.


Alto das Perdidas, local onde foram divididas as frentes da Volante.

No Alto das Perdidas, uma pausa para debate envolvendo dúvidas, conclusões, fatos. Repetimos a experiência de ficar totalmente no escuro. Um céu de lua minguante nos dava pouquíssima luminosidade. Desse local onde o Ten. João Bezerra dividiu a volante, ouvimos o primeiro grupo de pesquisadores que havia chegado à tarde. Uma observação: diferente das condições climáticas da mesma data em 1938, não chovia. Portanto, nem o grupo que já estava acampado, nem nós estávamos “Encobertos” pelo som da chuva, tampouco o acampamento estava em surdina.  Ouvíamos os sons vindos da grota.

01h15min Chegada na Grota
 
 Chegada ao local das cruzes

 – “Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo”
 – “Para sempre seja louvado”
Cristiano Ferraz, José Lopes Tavares, Giovane Macário Gomes de Sá foram os primeiros a nos receber. Além dos citados acima, Já estavam no local os pesquisadores: Cícero Rodrigues, Richard Torres Pereira, Romilson Santos, Vaneildo Bispo, Maria Oliveira e Sálvio Siqueira.

Dois fatos me causaram uma grande surpresa, perguntado ao grupo que encontramos se teriam ouvido disparo feito por nós no início da trilha. A resposta foi negativa.  Em seguida  deparamo-nos com uma desagradável cena, a ausência da placa e da cruz posta em homenagem ao soldado Adrião Pedro de Souza. Lamentavelmente arrancada, em desrespeito a esse ser humano, a historia e a todos os pesquisadores do tema. Devo confessar, a cruz do soldado causou-me estranheza ao vê-la pela primeira vez. Estranheza maior foi notar naquele momento sua ausência. Neste instante, veio-me na lembrança o escritor e historiador, Antônio Vilela, um dos que homenageou o soldado Adrião com a placa e a cruz.


O acampamento estava montado.  Armamos nossas redes, tive o auxilio de José Lopes Tavares que teve a atenção de verificar se estava tudo certo. Coisa de quem tem nobreza. Resolvi passar a noite em claro, conversei individualmente com alguns dos que estavam acordados e em pequenos grupos que se formaram em torno da fogueira. A lua já estava sob nossas cabeças, já passavam das 01h50min.

Entramos no dia 28 de julho.

 E o tempo passou na grota.


Entre 04h30min e 04h45min, Cristiano Ferraz (policial, escritor e pesquisador) efetuou uma série de disparos com pistola calibre 380 dentro da Grota, próximo do local onde estão as cruzes. Minha localização era a uma distância de um metro à esquerda de Cristiano. Segundo ele, recebi o maior impacto sonoro devido a minha posição. No terceiro disparo, meu tímpano estalou, ressoando um apito contínuo. Mas foi possível observar a diferença do som e do eco nesse local. O ambiente agora era uma baixa cercada de pedras com vegetação alta. O som teve menos eco e foi mais brilhante do que o disparo efetuado no início da trilha. A visibilidade ainda era baixa.

Como nos informou Fábio Carvalho (pesquisador e especialista em armas de fogo): as armas curtas que geram 115 decibéis podem atingir uma altura superior e essa intensidade é considerada uma zona de ruído perigosa.  Armas classificadas como Sub Sônicas atuam na área abaixo de 330m\s ex. revolver CAL.38. Armas classificadas como Super Sônicas, a exemplo do Fuzil, ultrapassam os 330 m\s gerando estampidos muito mais altos. Seria preciso um decibelimetro para termos uma medição precisa. 

Com esses dados é possível ter uma ideia do volume sonoro gerado pelos disparos de dezenas de fuzis e três metralhadoras. Por maior que seja a experiência em combate, os efeitos do impacto sonoro geram uma “desorientação”. Embora se tenha treinamento para manter o foco, como por exemplo, os lutadores de MMA são condicionados a “ouvir” apenas a voz do seu treinador durante a luta. A questão é a diferença entre pessoas gritando e fuzis disparando. O que torna a tarefa mais difícil.

 
Transformação da paisagem no amanhecer do dia.

Nas primeiras luzes do dia, vi a GROTA sair das trevas e se transformar numa paisagem lunar, parecia encoberta por uma leve poeira cinzenta. Até 04h20min aproximadamente não se distingue a silhueta humana a mais de cinco ou oito metros. Por volta das 05h00min, Celsinho Rodrigues, Cristiano Ferraz, Ivanildo Silveira, Lourinaldo Teles e eu fomos checar prováveis locais como o Poço do Tamanduá e a Mesa, bem como Árvores Centenárias “testemunhas” daquele tempo e pedras marcadas pelos disparos feitos no amanhecer de 28 de julho de 1938.


 


Pedras marcadas pelas balas.

Com as explicações sobre movimentação em combate dadas por Cristiano Ferraz, além das indicações de locais, rotas usadas e distância entre elas, feitas por Celsinho Rodrigues e complementadas por Ivanildo Silveira mais Louro Teles, podemos ter ideia de prováveis trajetos feitos por Volantes e Cangaceiros.

Dessa forma, encerramos a Visita Técnica por volta das 06h00min e permanecemos no local onde assistimos a MISSA.

Foi uma experiência, ainda incompleta, porém, muito rica. Um verdadeiro privilégio poder contar e aprender com pessoas de vasto conhecimento e acima de tudo de coração bom. Abraço Jorge Remígio! Agradeço pela oportunidade de poder compartilhar com todos vocês.

Valiosa troca de experiências.

 
 
 Valiosa troca de conhecimento e levantando acampamento. Um abraço à Marcos de Carmelita!

 

 
 Momentos antes e durante a missa.


Agradeço também:

A Prof. Múcio Prócopio, Kydelmir Dantas, Alexandre Wagner e Vera Oliveira, sem o apoio de vocês não seria possível minha participação.

A Ivanildo Silveira e Louro Teles pelo companheirismo e aprendizagem.

E aos meus velhos novos amigos Petrucio e Celsinho Rodrigues, pelo convite mais que especial.

3 comentários:

Unknown disse...

Valeu Camilo . Grande produção. Continue assim...

Rafael !!! disse...

Ol[a Kiko, me chamo Rafael Dantas, sou autor da obra Mandacaru Vermelho, depois procura no facebook ou internet informações, eis o link, acho que você vai gostar.

https://www.facebook.com/Qomics/photos/a.1464324877126285.1073741830.1462470017311771/1774132789478824/?type=3&theater

Unknown disse...

Caro Kiko, sei do seu cuidado com cada texto que sempre publica e para maior lisura devo revelar que já encaminhei o mesmo conteúdo para outra publicação no facebook, como o sentimento é o mesmo repeti o conteúdo. Eis o meu pensar: Parabéns ao Camilo Lemos por apresentar um trabalho inovador, mais aprofundado, baseado em fatos e dados reais , daí a imparcialidade e a responsabilidade da isenção, exigência maior para um pesquisador comprometido com a verdade! Que o seu exemplo se seguido e tenhamos cada vez mais textos confiáveis.