sábado, 2 de agosto de 2014

A pisada de Lampião na Bahia

Passagens pela Fazenda Angico em Cansanção.

Por: Florisvaldo Santos

O relato a seguir, foi concedido por Augusto Lopes (Augusto Baiana) em que retrata a passagem de Lampião na Fazenda Angico no município de Cansanção/BA no final da década de 20. Augusto Baiana é historiador e neto do Senhor Pedro Lopes, conceituado fazendeiro deste município, proprietário da Fazenda Angico, conforme descrito a seguir:

Começo da manhã do dia 22 de dezembro de 1929, após tirar o leite das vacas o então vaqueiro Pedro Lopes voltou para casa para tomar o café e continuar com a sua lida. Quando ia sentando a mesa para começar a tomar o café percebeu uma inquietação dos animais lá pra banda do curral, saiu para o avarandado da casa velha da fazenda para ver o que era e foi logo cercado pela cabroeira de Lampião, um dos cabras de Lampião muito ríspido chamou seu Pedro pelo nome assim:
- Pedro sabe quem esta aqui” seu Pedro respondeu afirmativamente com a cabeça.

 Pedro Lopes Dona Nininha Moura e Aparecida Lopes Marinho do colo.
Acervo de Augusto Bahiana.

Eles falaram assim
- Nos acompanhe até o curral”.
O curral estava cheio de cavalos e éguas, pois tinham sido vaquejados para ferrar e curar os potros novos. Quando seu Pedro chegou à porteira do Curral Lampião estava escolhendo o melhor cavalo da fazenda já laçado por ele. Seu Pedro diz:
- Bom dia, quem é o capitão Lampião?
Lampião responde:  
- Sou eu, o que queres?
Pedro Lopes diz:
- Tenho instrução do dono dessa fazenda, para que tudo que o senhor necessitar, está as suas ordens.
No entanto, Lampião responde:
 – Não quero nada, só às montarias e quero que você venha comigo até à vila de Cansanção para trazer os cavalos e arreios.
Após selar os animais com ajuda de Pedro Lopes ele os convidou para acompanhar ele até a casa. O bando inteiro foi atrás dele. Chegando lá só Lampião entrou, Pedro Lopes ofereceu café, leite, coalhada ou umbuzada, mas Lampião falou que não queriam nada.
 - Só quero que você se arrume para ir a Cansanção. 
Dona Nininha Moura, esposa de Pedro Lopes, tremia de medo. Lampião percebendo a aflição dela falou
- Parece que você não quer que ele vá com a gente. 
Mesmo com muito medo ela respondeu
- E não quero mesmo que ele vá, estou aflita.
Lampião a tranquilizou:
- Não se preocupe, ele vai, mas ele vai voltar, só quero que traga os cavalos e arreios de volta. 
Neste momento Lampião percebeu a inquietação de Pedro Lopes, que ia de um canto a outro, pé dentro pé fora. Puro nervosismo. Indaga Lampião
- O que procuras Pedro? 
Pedro Lopes responde - Minhas alpercatas e esporas. 

Lampião apontado com o cabo do rebenque para debaixo do banco na sala:
- Seriam aquelas, Pedro?
- E não é que é, parece que ela me cegou. Disse seu Pedro, aliviado. 
 Quando Pedro Lopes estava calçando as alpercatas com as esporas Lampião elogiou as peças:
- Bonitas esporas, Pedro!
As esporas eram feitas de alpaca, um material semelhante à prata da época do império. Pedro Lopes de imediato tirou as esporas e falou
- Pode usar Capitão, pode usar
Após calçar as esporas, saíram todos eles em direção ao curral e outra vez Lampião olhou para dona Nininha Moura e disse.
- Não se preocupe ele vai voltar.

Seu Pedro Lopes

Saíram todos em direção a Cansanção, com Lampião gabando a montaria e as esporas. Tinha um do bando que estava muito mal montado com um animal fraco e que não chegaria a Cansanção. Passando pela parelha encontraram o Lúcio lavando um burro bem bonito na lagoa.

De imediato Lampião ordenou que selasse o burro e Lúcio os acompanhasse, junto com Pedro para trazer o burro de volta.

Chegando a Cansanção Pedro Lopes e Lúcio Ficaram perto do Cemitério a mando de Lampião. Toda cabroeira entrara em Cansanção fazendo a maior bandalheira, entrando nas lojas com cavalo e tudo, bebendo, puxando rolos de fumo e peças inteiras de tecidos pela rua. Depois de algumas horas voltava Lampião com os animais todos "perfumado" de banhos de perfumes roubados das lojas locais e uma peça inteira de pano, Peça que ele entregou a Pedro Lopes. Dizendo assim
- Tome, isso é pra você, pode ir, mas tenha cuidado que a volante vem ai atrás de meu bando, obrigado e vá embora
Volta Pedro Lopes com Lúcio. Segundo Pedro Lopes pelo nervosismo poucas palavras ele trocou com o Lúcio. Queria logo era chegar em casa. Chegando em casa ele foi abraçado aos prantos por dona Nininha e foi logo narrando o que tinha ocorrido. Pegou o presente que Lampião deu para ele e foi esconder em um buraco de umburana no fundo da casa, para que no próximo dia da feira, devolver para o comerciante dono da loja de tecidos.

No outro dia, quase no mesmo horário da visita de Lampião, chegou uma Volante, acompanhado por Lúcio, Pedro Lopes os mandou entrar e perguntou se queriam comer e eles de pronto aceitaram, enquanto seu Pedro era interrogado pelo tenente, toda a volante era alimentada por dona Nininha e eles na maior falta de educação quebraram porcelanas e roubaram todas as colheres de prata que foi emprestada para sorverem da umbuzada.

No interrogatório do tenente seu Pedro falou tudo o que realmente tinha acontecido. Só ficou com receio de falar sobre o presente. Quando o tenente já ia saindo, Lúcio segredou no ouvido dele que Lampião tinha dado um presente a Pedro Lopes...

Ai a coisa mudou de figura, o tenente partiu para cima de Pedro Lopes falando assim.
- Coiteiro, descarado quer dizer que você é moleque? Me dê logo este presente, antes que eu te arrebente. 
De nada adiantou Pedro Lopes dizer iria devolver o presente ao comerciante, ele foi empurrado até o pé da umburana para pegar a peça do tecido e entregar nas mãos do tenente. Por muito pouco, Pedro Lopes não apanhou muito, tudo por culpa do Lúcio, que por muitos anos Pedro Lopes guardou esta mágoa. Em resumo, o tecido não foi devolvido para o comerciante.

 Pedro Lopes, Dona Nininha, 
Augusto Bahiana e Cristine Lopes (1984).

Na segunda passagem de Lampião na fazenda Angico, infelizmente no momento nas minhas pesquisas não sei com exatidão o ano. Lampião já foi encarado por Pedro Lopes de outra maneira. Após toda a retaliação que sofreu pela volante, faltando pouco para consequências maiores ou até mesmo a morte.

Com ajuda do nosso bom Deus, não aconteceu e Pedro Lopes viveu até quase 101 anos e até a hora de sua morte totalmente lúcido, pôde passar para nós, muitos ensinamentos e historias.

Era comum, na época que Lampião andava pelos lugares, saia na frente alguém para avisar as pessoas das comunidades ou fazenda na suposta trilha por onde ele iria passar muitas vezes por segurança ele mudava o roteiro por outro totalmente contrario. Assim aconteceu um amigo de seu Pedro. Que saiu montado na frente de todos até chegar à fazenda Angico. Falou que Lampião tinha chegado à localidade de Periperi e estava com os bofes virados, batendo em muita gente e até nos parente de Pedro Lopes.

Com todo este sofrimento seu Pedro já tinha preparado na caatinga um esconderijo, uma barraquinha de pindoba, para ficar com a família escondido na passagem de Lampião. Assim o fez Pedro Lopes. Ainda mais agora que ficou sabendo que até seu irmão e outros parentes apanharam. Só que antes de fugir ele deixou a casa aberta com mantimentos e utensílios para que Lampião e seu bando se servissem à-vontade.

Pedro Lopes fugiu para o referido esconderijo, com a família toda, um monte de filhos, cachorros, papagaios, parentes e agregados que moravam com ele. Havia mocinhas e senhoras que ajudavam a cuidar dos seus mas de vinte filhos. Imagine essa quantidade de gente toda sem poder deixar rastros (pegadas) no chão.

Chegando a fazenda Angico, apesar de encontrar as portas abertas e a casa com alimentos franqueados a ele e seu bando, Lampião ficou muito revoltado, alegando que não tinha feito nada com Pedro da primeira vez que passou por que razão ele fugiu?

Neste momento um dos cabras do bando identificou os rastros de Pedro e família e gritou
- Espia Capitão, por onde eles vão aqui. Vamos atrás? 
E desceu todo o bando atrás da família pela variante escolhida da fuga de Pedro Lopes. Nesta época em Cansanção estava tendo uma seca muito grande, e o rancho de pindoba de Pedro Lopes foi construído após uma cacimba na beira do riacho, leito de rio muito arenoso e por razão da seca, muita gente das localidades vizinhas pegava água e os rastros... foram confundidos por graça de Deus.

Lampião resolveu suspender a busca, mas não sem antes mandar um recado por moradores que estava pegando agua, dizendo assim.
- Digam a Pedro, que da próxima vez que passar aqui, quero encontrar ele em casa, não fiz nada com ele? Não devia ter fugido. Vamos embora cambada pra Cansanção. 
E por milagre de Deus Pedro Lopes e família escapou e para maior tranquilidade, Lampião poucos anos depois morreu e não retornou mais para as banda de Cansanção.

Esta foram as passagem da família de seu Pedro Sousa Lopes e dona Nininha Moura Lopes com o rei do cangaço, Capitão Lampião.
Obs. Este relato foi tirado das muitas vezes que ouvi meu avô de coração, Pedro Lopes, contar e do que está contido no livro escrito por sua filha Davina Moura Lopes Marinho.
Publicado originalmente no http://www.portaldenoticias.net/ffsantos/?p=584

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