quinta-feira, 29 de maio de 2014

Nota de falecimento

Floresta e a Memória do Cangaço estão em luto!

É com imenso pesar que comunicamos, que faleceu hoje em Floresta (PE) aos 101 anos de idade, o nosso amigo, ex-soldado de Volante, Manoel Cavalcanti de Souza, o "Neco de Pautilia".


Registro da minha primeira visíta ao penúltimo dos nazarenos em julho de 2008,
junto com o amigo Cap. Marcelo Rocha.

A opinião que ele tinha sobre o grande rival dos Nazarenos era um pouco diferente daquela dos companheiros de milícia. O soldado reconhecia qualidades e nutria por Lampião uma complacência... porque não dizer, admiração e respeito.

Só pra sublinhar um trecho do curriculum deste guerreiro na historiografia do cangaço: Neco participou de "6" combates. Cinco deles contra Lampião, (destaque para o grande Fogo da Fazenda Maranduba em Sergipe no ano de 1932). Já no ultimo ele teve que encarar sozinho, cangaceiros que descobriram sua identidade e endereço.

Tive a honra de conhecer seu Neco com um pouco do vigor que lhe restava para encenar o que viu e viveu no front nordestino, especialmente o terror em Maranduba. 


Seu Neco adorava receber visitas, mesmo em setembro de 2013, debilitado, mas com a ajuda da sobrinha, nossa amiga Maria Amélia ele respondeu a varias perguntas de nosso companheiro de expedição Geziel Moura . Respostas firmes e autenticas confirmadas pelo amigo Sergio Dantas.

Mas quero lembrar com gratidão de um Neco que eu conheci a seis anos, um importante remanescente que com gestos e reprodução das falas de todas as personagens envolvidas contava em detalhes as coisas que nem a idade lhe fizeram esquecer. Seu Neco era sucinto, objetivo, não decorava conjecturas. Quem o ouvia, viajava junto com ele nas suas memórias.
Neco de Pautilia em uma prosa com Luiz de Cazuza



Quem foi Neco de Pautilia
*Por Wanessa Campos (Jornalista e pesquisadora do cangaço)

Neco costumava dizer de maneira paradoxal que, se o tempo retroagisse, ele não teria ingressado nas volantes, a polícia da época. “Afinal, Lampião nunca me fez mal. Era um homem bom. Ruim era a polícia que açoitava os coiteiros.” Antes de ingressar nas volantes, foi almocreve (espécie de vendedor ambulante) no Sertão, para esquecer um amor que as famílias não queriam.

Veio então a Revolução de 30 (movimento armado que facilitou a chegada de Getúlio Vargas ao poder) e os nazarenos (moradores do distrito de Nazaré do Pico, Floresta) não participaram. Neco resolveu juntar-se ao grupo de conterrâneos para formar uma das frentes de combate a Virgolino Ferreira, estimuladas pelo governo.

A história de Seu Neco foi muito bem "cantada"



O grupo seguiu em direção ao Raso da Catarina (Bahia). Cada um levava no bornal farinha, sal e rapadura. Nas mãos, um rifle como se fosse o “sentimento do mundo.” Entretanto, o objetivo maior era ganhar dinheiro. O então jovem Neco, aos 19 anos, partiu para o desconhecido fascinante e ao mesmo tempo perigoso. Foram três dias de caminhada comendo mal, sem dormir e o pior era a expectativa de a qualquer momento deparar-se com o bando de cangaceiros. E foi o que aconteceu.

Veio então o temido tiroteio, que resultou em vários feridos de ambos os lados. Não dava para recuar. A partir daí, Neco enfrentou mais quatro combates, viu companheiros e cangaceiros morrerem de sucesso (morrer em combate), entre Pernambuco Sergipe e Bahia. Conheceu Virgolino e não teve medo.

Mas aquela vida de incertezas, enfrentando chuva, sol, sede, calor e frio nas caatingas, não era a que Neco pediu.

Resolveu abandonar as volantes e sem receber o dinheiro prometido, $2 contos. Levou apenas $500 mil réis mais a passagem de volta. Deixando a vida militar e de volta ao aconchego, Neco foi barbeiro, alfaiate, sapateiro, até tornar-se funcionário público da Suvale, hoje Codevasf.



Trecho do Doc Xaxado a dança de Cabra Macho
De Anildomá Willans (Fundação Cabras de Lampião).



Aposentado, levou a vida remoendo o passado ao lado de sua grande paixão: Mariquinha, que conheceu aos 13 anos de idade numa escola da zona rural de Floresta. Antes do primeiro encontro, Neco leu o nome dela escrito no quadro de uma sala de aula – Maria Ribeiro dos Anjos. Achou bonito aquele nome e escreveu por cima o seu com uma bala de rifle. Pronto! Os destinos estavam selados. Casou com Mariquinha um ano depois. O casal deixou um prole invejável de 110 descendentes. Como nos contos de fadas, Neco e Mariquinha foram felizes por 80 anos.

*Publicado originalmente no Jornal do Comercio, Recife, em 28.11.2009

2 comentários:

Anônimo disse...

Hoje pela manhã recebi a mensagem de Kiko Monteiro que informou do falecimento de Neco de Pautília,confesso que no primeiro momento fiquei triste, pela perda daquele nazareno que tive a honra de conhecer no ano passado, juntamente a sua esposa e a amiga Maria Amélia De Souza Araújo momento em que fomos muito bem acolhidos em seu lar, essas coisas de hospitalidades que só o povo sertanejo sabe fazer.Entretanto, a tristeza acabou, fui para a história encontra-me com Neco, comecei pelo fogo em que ele estava, no Raso da Catarina, em Maranduba, eu o vi enterrando vários amigos, no Riacho da Guia encontrei o cabra brigando muito, mas consegui, em meio a esta guerra, flagrar um momento de paixão e amor que durou até sua morte, quando em 1933, na vila caboclo, em Alagoas, dando uma ajudinha ao destino...ao ler na parede da escola de tal vila, o nome Maria Ribeiro dos Anjos e escrever, com bala de fuzil, seu próprio nome ao lado desta, estava naquele instante selado um pacto de união, que culminariam em vários anos, Deus faz cada uma!É Neco! você driblou bem as contingências da vida, o cangaço, a morte breve e até Lampião e ainda fez com que Deus aumentasse sobre maneira a contagem de teus dias neste mundo, teu corpo frágil não respondia, mas ele preservou o controle de tudo, tua mente.Portanto, me recuso a ficar triste Neco, tua história não cabe esse sentimento.Quero ainda, externar o respeito de Filipe, meu filho que também o conheceu e ficou encantado, e o meu, à grande família de Neco de Pautilia, que Deus possa confortá-los de maneira breve, e quanto a mim, simples leitor das coisas cangaceirista, vou guardar na memória a história que ele escreveu.

Geziel Moura
Belem,PA

Anônimo disse...

Excelente texto! Hoje, para o Sr. Neco de Pautília, o grande pesquisador Kiko Monteiro, traz o reconhecimento, a gratidão. Anos atrás/ano passado, levou seu abraço, valorizou sua sabedoria... é assim que devemos fazer!!! Parabéns!!!! Saudades!!!

Amélia Araújo
Floresta - PE