quarta-feira, 3 de abril de 2013

Temas do evento

A chegada de Sinhô Pereira ao Cariri Cangaço

Por: Jorge Remigio

Quando setembro vier, teremos o prazer de desfrutar a convivência por quase uma semana, com grandes personalidades do meio cangaceirístico, como também, de muitos amigos e amigas formados no seio desse encontro grandioso e singular, que é o CARIRI CANGAÇO. Este prima por dar um caráter cultural, didático e educativo ao evento, como também, tem a força de interagir plateias e pesquisadores nos seminários que sucedem nas cidades acolhedoras que fazem parte do circuito. A notícia da inclusão e discussão em seminário do personagem Sinhô Pereira, foi muito acertada. 

Parabenizo a organização do evento, pela escolha, sabemos o valor que tem o estudo desse que é considerado o maior expoente de um cangaço típico e não comum, que foi o cangaço de vingança. Mais acertado ainda foi o convite ao brilhante pesquisador, Dr. Leandro Cardoso Fernandes, que por afinidade é um Pereira, para proferir a palestra sobre o cangaceiro Sebastião Pereira da Silva. O Sinhô Pereira. 

O brilho do mito Lampião ofuscou a história de muitos cangaceiros de destaque que o antecederam. Personagem exaustivamente estudado e decantado ao longo da história, o qual se confunde até mesmo com o próprio cangaço. Cabe agora aos pesquisadores contemporâneos a tarefa de suprir essa extensa lacuna. 

O CARIRI CANGAÇO sai na frente e põe em discussão: Sinhô Pereira. Seu Rodrigues para os seus cabras. Uma de suas bisavós chamava-se Quitéria Rodrigues do Nascimento, mãe de Ana Sá, sua avó e irmã de Jacinta Rodrigues que se casou com o português José Pereira da Silva que migrou do sertão dos Inhamuns cearense, sendo os pioneiros da família Pereira na região do médio Pajeú. Os quais eram donos de extensa área territorial e constituíram uma numerosa prole. 

Leandro Cardoso Fernandes
A fixação dos Pereira no Vale do Pajeú, mais precisamente em uma região que compreende hoje os Municípios de Serra Talhada, São José do Belmonte, seu Distrito Bom Nome e parte do Município de Flores, marca uma época de desbravamento dos ermos sertões, a luta com o gentio na disputa do espaço e da criação do gado em currais. Foi mesmo uma autêntica epopeia esse período, conhecido por ciclo do couro ou ciclo do gado. Sinhô Pereira tem sua gênese aí. Nasceu dessa cultura, dessa formação social, mesmo que um século depois, as vicissitudes do tempo não mudaram radicalmente a atmosfera cultural do ambiente. 

Na primeira geração, os filhos do patriarca José Pereira e da sua esposa Jacinta Rodrigues, vão ser muito importante para dar sequência ao domínio territorial já conquistado. Consolidando de vez os seus currais naquela região. Todos os filhos do patriarca vão ser tio avós de Sinhô Pereira, exceto Francisco e Ana que eram seus avós. 

O primeiro filho foi Simplício Pereira da Silva, casado com Ana Joaquina Nunes, essa, filha do sesmeiro Aniceto Nunes da Silva e de Antônia Lourenço de Aragão. Chegou ao título de Coronel da Guarda Nacional e foi o maior desbravador daquela mata virgem. Tornou-se uma lenda em sua época, os seus feitos são extensos, participou ativamente no sertão de várias convulsões políticas que se sucederam após a abdicação de D. Pedro I. Sua história carece de muitas páginas.

O segundo: João Pereira da Silva casou-se com Antônia de Sá e era dono da Fazenda São Cristóvão em Belmonte. Terceira: Josefa Pereira da Silva, que se casou com Joaquim Nunes da Silva, irmão das esposas de Simplício e Manoel. Quarto: Antônio Pereira da Silva, casado com Constância Pereira da Silva, dono da Fazenda Campo Alegre. Quinto: Francisco Pereira da Silva, casado com Ana de Sá, fundador da Vila de São Francisco, avós de Sinhô Pereira e Luiz Padre. O grande industrial João Pereira Santos, vem desse ramo. Sexto: Manoel Pereira da Silva, casado com Francisca Nunes, irmã da esposa de Simplício. Foi a maior figura do clã dos Pereira, chefe político da família, liderava o partido Conservador no Brasil Imperial naquela região, era Comendador, Comandante Superior das Ordenanças de Flores, Ingazeira e de Vila Bela e Coronel da Guarda Nacional. 

Faleceu em 1862. Foi o pai de Andrelino Pereira da Silva, o Barão do Pajeú, o qual herdou a chefia política do pai. Andrelino foi o primeiro prefeito de Vila Bela (1892-1895) Sétimo: Vitorino Pereira da Silva. Foi presidente da Câmara Municipal de Vila Bela. Oitavo: Joaquim Pereira da Silva. Casou com Severina Pereira Aguiar e em segundas núpcias, com Constância Pereira de Sá. Ficou estabelecido no berço da família, ou seja, na Fazenda Carnaúba e era o pai de Manoel Pereira Lins, o Né da Carnaúba. Esse ramo deu vários prefeitos de Serra Talhada. Né Pereira era padrinho de Sinhô e primo legítimo do seu pai Manoel Pereira da Silva, o “Manoelzinho da Passagem do Meio”. Nono: Sebastião Pereira da Silva casado com a sobrinha, Januária Pereira da Silva, Irmã do Barão do Pajeú, filha do seu irmão Manuel Pereira. Foi Capitão da Guarda Nacional e em segundo casamento, desposou Maria Febrônea de Sá, que era filha da sua sobrinha Manuela Pereira, filha do seu irmão Francisco. Teve 32 filhos. Décimo: Alexandre Pereira da Silva, fazendeiro, o qual casou com Joana de Sá. Foi morto pelos fanáticos do Reino Encantado ou Pedra Bonita em 1838. Onze: Cipriano Pereira da Silva, solteiro, foi morto pelos fanáticos do Reino Encantado ou Pedra Bonita em 1838. Local atualmente pertencente a São José do Belmonte. Doze: Ana Pereira, se casou com Francisco Mariano de Sá. Treze: Mariana Pereira da Silva (interdita).


Como se observa, na primeira geração casou-se quase todos com as filhas e filho do casal José Mariano de Sá e Quitéria Rodrigues do Nascimento. No caso, já eram primos pela linhagem materna. A evolução da árvore genealógica desenvolveu-se principalmente nos casamentos próximos, consanguíneos de primos com primas basicamente. Porém, identifiquei cinco casamentos entre tio e sobrinha. Quais sejam: Os dois casamentos do Capitão Sebastião Pereira da Silva, já citados acima, o de Januária, filha do Barão do Pajeú, que casou com um irmão deste, José Pereira da Silva, são os pais de José Simplício Pereira Sá (Pereirão), que casou com a filha do Major José Inácio do Barro-CE, Virgínia Amélia Pereira de Souza. A filha de Andrelino, (Barão) Francisca Pereira da Silva (Dona Chiquinha), casou com o tio Manoel Pereira da Silva Jacobina, conhecido por Padre Pereira, pais de Luis Padre. Ele era irmão da mãe dela, Maria Pereira da Silva. Dos cinco filhos que tiveram, dois nasceram com problemas mentais. O Filho do Barão do Pajeú, o Coronel Antônio Andrelino Pereira da Silva, casou com Maria Pereira da Silva, conhecida por Marica, filha de sua irmã Generosa Pereira da Silva. Essa consangüinidade facilitava o aparecimento de patologias na geração seguinte, como: Doença mental, bócio, surdez e mudez.

 
Quero ressaltar aqui, que vários membros da família Pereira, tiveram união matrimonial com Carvalho. Família também clânica e que se fixou naquela região nos mesmos moldes dos vizinhos. Pereira e Carvalho no decorrer das décadas seguintes desenvolveram-se como oligarquias fortes e com interesses comuns, ou seja, a disputa pela hegemonia do poder político naquela região. Portanto, o choque seria inevitável.  Em novembro do ano de 1848 na Comarca de Flores do Pajeú, eclode o primeiro conflito, dessa que seria uma duradoura contenda. Em espaços alternados, vingou até o ano de 1922. Encerrando-se quando o cangaceiro Sinhô Pereira abandona definitivamente a luta armada no Pajeú das Flores, e “navega” para as longínquas terras de Goiás.

 
D. Chiquinha  e Manoel Pereira da Silva Jacobina "Padre Pereira".
pais do cangaceiro Luiz Padre.

No alvorecer do século XX chega à Vila Bela, monsenhor Afonso Antero Pequeno. De família influente politicamente no Cariri Cearense, que naquele momento ardia em conflitos coronelísticos, trazendo na bagagem o germe da discórdia e o espírito beligerante. Envolvido na luta do primo, Coronel Antônio Luiz Alves Pequeno, que tentava depor o Coronel José Belém de Figueiredo, vice-presidente do Estado do Ceará (1904), requisitou junto às lideranças políticas dos dois clãs, Pereira e Carvalho, armas, munição e um contingente considerável de jagunços para reforçar a facção do seu parente. A negação do Coronel Antônio Andrelino Pereira da Silva ao pedido do padre caudilho e consequentemente a concordância em tudo pela liderança dos Carvalho, Coronel Antônio Alves do Exu, fez com que o pároco passasse a interferir e interceder favoravelmente junto aos Carvalho, na luta e interesses políticos das duas famílias. 


Nas eleições municipais de 1907, foi eleito prefeito de Vila Bela com o apoio da família Carvalho, empurrando os Pereira para oposição. Abrindo um parêntese e voltando dois anos, 1905 é uma data de sangue. No centro de Vila Bela, dia da feira livre, é ferido gravemente à bala, falecendo dias depois, Manoel Pereira Maranhão, conhecido por Né Delegado, recentemente deposto do cargo, era primo legítimo do pai de Sinhô, sendo o autor do crime: Antônio Clementino de Carvalho (Quelé), o qual se refugia na residência do Monsenhor Afonso Pequeno, próximo ao local do fato. Após muito tumulto, o padre negociou a entrega e prisão do amigo, sendo este, posteriormente desaforado para comarca de Flores. O padre fez questão de atuar como um segundo advogado de defesa do réu na tribuna do júri, onde fora este absolvido.

Né Delegado quando convalescia, pediu para os parentes não executarem vingança, reconhecendo ele, que fora intempestivo e inconsequente, quando investiu contra Quelé. Aquele ano de 1905 foi precursor do acirramento e de vários desentendimentos entre membros das duas famílias, expondo mais ainda o Coronel Antônio Andrelino, já bastante desgastado politicamente junto à oligarquia Rosista. O Comendador Rosa e Silva dominou a política pernambucana por quase duas décadas, sendo o clã dos Pereira seus correligionários fies. O setuagenário Manoel Pereira da Silva Jacobina, pai de Luis Padre e tio de Sinhô, ganhou o apelido de Padre Pereira por ter sido seminarista. Sendo uma pessoa sensata e de índole conciliatória, passou a ser requisitado com frequência para apaziguar as rusgas familiares. Ele tinha sido o segundo prefeito de Vila Bela (1895-1898).   
O final do ano de 1907 se aproximava e mais precisamente no dia 15 de outubro, é morto de emboscada o Padre Pereira, pessoa muito amada e respeitada pela família e por quase toda população de Vila Bela. O crime de emboscada na cultura sertaneja é conceituado como um ato covarde, traiçoeiro, desprezível. O chamam pejorativamente de crime de pé de pau. Para as pessoas daquela região, esse tipo de crime é uma atitude infamante, digna de repúdio. O crime de homicídio “a peito” é até justificado naquela cultura braba. Existem versões para os motivos que deram causa a esse atentado contra Padre Pereira. O mais plausível, entendo que tenha sido um acerto de conta entre João Nogueira, que era casado com Benvenuta Pereira, conhecida por Benuta, sobrinha da vítima e meia irmã de Sinhô Pereira. A sucessão de casamentos ao longo dos anos entre Nogueira e Carvalho, resultou em uma só família. 
 
João Nogueira insistia em requisitar a parte de terras na herança da esposa, uma vez que a mãe desta, Úrsula Alves de Barros, já havia falecido. O sogro, Manoel Pereira da Silva, o “Manoelzinho da Passagem do Meio”, foi consultar o irmão, no caso Padre Pereira, e esse opinou que não seria oportuno vender e partilhar suas terras naquele momento. Resultou então, em uma inimizade e um ódio cego por parte de João Nogueira contra Padre Pereira. O qual contratou os cabras: Luis de França, Manoel Tomé e Mariano Mendes, para eliminar o seu desafeto. A comoção foi grande no seio da família Pereira, principalmente por parte da viúva, Francisca Pereira da Silva (Dona Chiquinha), que era esposa, sobrinha e prima segunda da vítima. Esta, de temperamento forte e no calor da hora, convoca alguns sobrinhos do esposo e primos: Manoel Pereira da Silva Filho, conhecido por Né Dadu, era o mais afoito, Pedro Pereira Valões, Manoel Pereira Valões, o cabra Pedro de Santa Fé e outros mais, para executarem a vingança imediata. Nessa ocasião, Sebastião Pereira contava com onze anos e Luis Padre, filho da vítima com quinze anos. 

O sobrenome Valões, foi uma criação de Aureliano Pereira da Silva, irmão do Barão do Pajeú e avô de Sinhô. Ele registrou três filhos, dos nove que teve com Maria Pereira da Silva, com sobrenome Pereira Valões. Conta-se que este lia uns livros sobre França e Bélgica e achava bonito o sobrenome Valões. O grupo formado na emoção parte para vingança. Executam Joaquim, irmão de João Nogueira, e em seguida, cometem um assassinato torpe. Matam Eustáquio Carvalho, que era um velho bondoso, sem envolvimento naquela guerra dos clãs. A alegação era que tinha que morrer alguém dos Carvalho com índole boa, parecida com a do Padre Pereira. ”Os Carvalho tinham que sentir a mesma dor que os Pereira sentiam naquele momento”. São atitudes medievais, herdadas de um Portugal arcaico e por anos isolado de uma Europa revolucionária, política e industrialmente. Tem início agora, a fase mais crucial da beligerância familiar. 


Né Dadu assume a chefia da luta, é agora o braço armado da família, reagindo e investindo contra os inimigos.
Com o advento do Marechal Hermes da Fonseca à presidência da república em 1910 e a sua “Política Salvacionista,” a qual tinha como lema, moralizar os costumes políticos e reduzir as desigualdades sociais, preocupa-se em derrubar as velhas oligarquias do Partido Republicano Conservador nos Estados, estimulando a substituição dos governadores por militares. É lançada a candidatura do General Emílio Dantas Barreto, então, Ministro da Guerra, ao governo de Pernambuco na eleição de 1911. O chefe político da família Pereira, Coronel Antônio Andrelino Pereira da Silva, o qual fora desprestigiado politicamente pela Oligarquia Rosista, passa agora a apoiar o General Emílio Dantas Barreto, que disputava uma eleição contra o próprio Rosa e Silva, apoiado agora pelo clã dos Carvalho em Vila Bela. 


Em todo o Estado a disputa é fervorosa, principalmente na Capital. Apuradas as urnas, Rosa e Silva ganha com uma margem superior a três mil votos. No Sertão do Estado, o General Dantas Barreto só ganhou em duas cidades: Vila Bela e Salgueiro. É uma amostra de que o Coronel Antônio Andrelino ainda tinha influência e poder na região onde militava politicamente. Houve uma reação imediata do grupo de apoio ao General, em não aceitar o resultado do pleito. Alegavam fraude. O Jornal Diário de Pernambuco era de Rosa e Silva. Os Jornal A Província e O Pernambuco defendia interesses Dantista, os quais reclamavam uma vitória de Dantas Barreto. O clima de guerra generalizou-se em Recife, população amotinada, tiroteios, depredações, a Câmara impossibilitada de reunir-se e com a intervenção de tropas federais, muda-se todo o processo que até então, dava vitória a Rosa e Silva. Anulam-se as eleições de Triunfo e de Águas Belas e em assembléia extraordinária é reconhecida a vitória de Dantas Barreto ao governo do Estado.

  General Emídio Dantas Barreto (*1850 +1931) 
http://www.pe.gov.br/
      
Os Pereira readquirem o poder político no município e o Coronel Antônio Andrelino Pereira é alçado novamente ao poder. Porém, essa situação transformou-se rapidamente. Uma campanha sistemática de denúncias enviadas ao governador por telegramas, pelos adversários de Antônio Andrelino, ao menor incidente envolvendo membros da família Pereira, a intervenção nesse processo do Monsenhor Afonso Antero Pequeno, que assumiu uma postura conspiratória, publicando notas nos jornais da capital, alegando que: 
“Dar o poder a Antônio Andrelino, é como dar uma espada para um louco”. 
Como tinha amizade com o Padre Batista Cabral, o qual era membro e tinha força no diretório Dantista estadual, passou o monsenhor a influenciá-lo. Comungando tudo isso a uma postura de conciliação do novo governo, em aproveitar as forças derrotadas, levou rapidamente o Coronel Antônio Alves do Exu à presidência do diretório em Vila Bela, consequentemente a mandar politicamente na cidade e adjacências. Esse ano de 1912 começava realmente nefasto para o clã dos Pereira. Iniciava-se aí a derrocada política e econômica do Coronel Antônio Andrelino, dono da famosa fazenda Pitombeira, herdada do seu pai, o Barão do Pajeú. Os ânimos já bastante acirrados e agora com os Carvalho no poder, isso implicava ter as forças policiais ao seu dispor.
                               
Nessa época, Dona Chiquinha já residia no Barro-CE, com os filhos. O Barro do Major José Inácio de Souza. Manoel Pereira da Silva Filho, o Né Dadu, sempre andava entre o sertão das Alagoas e a ribeira do Pajeú com quatro ou cinco cabras de confiança e era perseguido sistematicamente por membros dos Carvalho em junção com as forças policiais. Os dois clãs familiares eram distribuídos em fazendas, verdadeiros feudos. Os Carvalho tinham na fazenda Barra do Exu, do chefe político Coronel Antônio Alves da Fonseca Barros, o seu “Buck” maior, como também, era sede das discussões políticas. Seguido das Fazendas Umburanas de Jacinto Alves de Carvalho, conhecido por Sindário, Antônio e José da Umburana e a Fazenda Piranhas de Lucas Alves de Barros. Os Pereira com as Fazendas Carnaúba de Manoel Pereira Lins, o Né da Carnaúba e Pitombeira do Coronel Antônio Andrelino Pereira da Silva. Eles eram mais financiadores das empreitadas de defesa e ataque. Entraram no conflito armado em situações extremas, como ocorreu em 1908, quando a Vila de São Francisco foi cercada por grande contingente de jagunços e familiares do Coronel Antônio Alves do Exu, sitiando Né Dadu e vinte e cinco homens que cuidavam da defesa respondendo ao fogo cerrado dos inimigos. Quando os sitiados chegaram a uma situação limite, quase sem munição, chega o socorro salvador dos parentes Manoel Pereira Lins, Antônio Andrelino, Baião Pereira e Cincinato Pereira, com mais de cem homens e após três horas de tiroteio, o cerco é rompido.
 

 Sob monumento na Matriz de Santo Antônio do Barro, 
descansa o corpo de Dona Chiquinha Pereira.


A Vila de São Francisco concentrava os Pereira mais diretamente ligados na vingança, muitos com sobrenome Pereira Valões.  Como era de praxe, a oligarquia que estivesse de cima na política, tinha todas as benesses do poder. Isso só acirrava ainda mais o conflito. É notório, que o acompanhamento de membros da família Carvalho em diligências policiais, geraria constrangimento aos familiares adversários. E foi justamente o que ocorreu em 1915 na Vila de São Francisco, quando Sebastião Pereira, então com 19 anos, foi insultado, agredido por Antônio da Umburana e policiais, como também a sua genitora, Constância Pereira de Sá e uma governanta velha, passando todos por uma situação vexatória.           


No dia 16 de outubro de 1916, Né Dadu é morto covardemente pelo cabra apelidado de Palmeira ou Zé Grande. O assassino tinha trabalhado para os Carvalho e encontrava-se preso por furto. Né Dadu o retirou da cadeia, mesmo os familiares censurando essa sua atitude arriscada e imprudente. Ponderava, alegando que o cabra poderia lhe passar importantes informações sobre os seus inimigos.
Né Dadu
In http://familiapereira.net.br


Na primeira oportunidade que teve, Palmeira executou Né Dadu com um tiro de rifle e fugiu na escuridão. A parcialidade de instituições como Polícia e a Justiça eram tamanha, que nem o inquérito policial foi instaurado para apuração do crime. 

...
Esse fato extremo foi o estopim final para o jovem Sebastião Pereira da Silva, então com vinte anos e nove meses, tomar a decisão extrema de formar bando e ingressar no cangaço de vingança.  
 
Tinha muita disposição para isso, era solteiro e o caçula dos vinte e um irmãos. A princípio, teve o apoio unânime da família. A decisão de migrar para o sul do Ceará, mais precisamente para a Vila do Barro, foi uma atitude pensada, arquitetada, sem o arrebatamento da emoção e da vingança precipitada. 

A “mão de obra” do trabuco, existente no Cariri Cearense era bastante farta e experiente, como também, o laço de amizade da família Pereira com o Major Zé Inácio de Souza, solidificou-se ainda mais com o casamento da sua filha Virgínia Amélia com José Simplício Pereira, conhecido por Pereirão, neto do Barão do Pajeú e sobrinho do coronel Antônio Andrelino. 

O Livro José Inácio do Barro foi lançado por ocasião do Cariri Cangaço 2011, 
na cidade do Barro - CE.
Um trabalho grandioso, contando a história do Major José Inácio. Autor: Sousa Neto

Não entendo qualquer tipo de cangaço, sem a mobilidade necessária. É uma condição “sine qua non” para existência de qualquer bando. Então, Dispondo Sinhô Pereira da proteção importante e de um coito seguro e impenetrável nas fazendas do major José Inácio, isto foi bastante significativo e decisivo para sua militância no banditismo de vindicta, por quase seis anos. Caso tivesse constituído o seu bando com cabras e jagunços das fazendas dos familiares, seria inviável do ponto de vista da mobilidade como falei acima. O bando formado no Barro passou a fazer investidas rápidas contra os inimigos na região do Pajeú e em seguida, retornavam ao coito seguro e impossível de ser molestado naquele momento, dada a força política e o poderio bélico que dispunha o major todo poderoso do Barro.

É evidente, que não existe almoço grátis e, mais na frente, o major José Inácio vai solicitar algum “trabalho” do bando de Sinhô Pereira. O Pajeú pegou fogo no ano de 1917. As investidas do bando comandado por Sinhô e o primo Luis Padre às Fazendas Piranhas e Umburanas foram devastadoras, levando seus donos a migrarem para cidade enquanto organizavam a defesa. Jacinto Alves de Carvalho, o famoso Sindário, constituiu também bando de cangaceiros para defender-se e também investir contra o bando de Sinhô. O governador de Pernambuco, Manoel Borba, mandou para Vila Bela, nesse ano, na tentativa de barrar os sucessivos embates entre o bando de Sinhô e membros da família Carvalho, vários oficiais e um grande contingente de soldados. Os graduados: João Nunes, Teófanes Torres, Optato Gueiros, Lira Guedes, José Caetano, Cardim e Manoel Bigode. 


Theóphanes Ferraz Torres
Fonte: Pernambuco no tempo do cangaço - Geraldo Ferraz 
 
O bando de Sinhô variava muito o número de componentes, dependendo muito da empreitada a ser cumprida. Quando Luis Padre e Sinhô Pereira tomaram conhecimento do paradeiro do assassino do seu irmão, o famigerado Palmeira, logo rumaram para o Estado de Alagoas na companhia de dois cabras para executar a vingança. Essa foi concretizada à punhaladas pelo próprio Sinhô. Ao retornarem para Vila de São Francisco, tomaram conhecimento que Luiz de França, o assassino do Padre Pereira, estava residindo na Serra Vermelha. Foram incontinenti, fazer-lhes uma “visita”, encontrando-o na hora do jantar. Luiz de França tentou fugir na escuridão da noite, o qual tinha sido ferido à bala, sendo encontrado e morto na manhã seguinte.


É necessário esclarecer, que nessa intriga e luta dos Pereira e Carvalho, não se envolviam todos familiares. Tinham os cabeças, ligados diretamente ao conflito. Os alvos diretos de Sinhô Pereira e Luis Padre, eram: Jacinto Alves de Carvalho, o Sindário, seus irmãos Antônio da Umburana e Mocinho. O Zé da Umburana foi assassinado de emboscada em 1911. O crime não foi atribuído aos Pereira. A vítima tinha deflorado uma moça da localidade São Serafim, hoje Calumbi-PE. Os familiares desta o executaram. João Lucas das Piranhas, esse com parentesco com Pereira. Natinho, João Nogueira, o qual era cunhado de Sinhô, o coronel Francisco Alves do Exu e o irmão Agnelo.  De todos esses inimigos figadais de Sinhô Pereira, só Antônio da Umburana sucumbiu vitimado pela arma pontiaguda do vingador. 
 
Sinhô teve informações que Antônio da Umburana estava no povoado de Queixada, hoje Mirandiba-PE, então, dirigiu-se até lá com o bando e após várias horas de tiroteio e resistência de Antônio que estava no interior de uma residência, este teve que sair para não morrer queimado após terem ateado fogo na casa. Morreu com várias punhadas desferidas pelo cangaceiro vingador. No ano de 1918, já não era unânime a aceitação dos Pereira, referente às atividades cangaceira de Sinhô e Luis Padre. Existia no seio da família um desgaste psicológico grande, um clima de constante expectativa e sobressaltos, como também, grandes perdas econômicas. Após o falecimento de Dona Chiquinha, no Barro-CE, acometida pela avassaladora epidemia da gripe espanhola, naquele mesmo ano de 1918, resolve os primos: Sinhô Pereira e Luis Padre, abandonar o cangaço e seguirem juntos para o Estado de Goiás. 

 Fazenda do major Zé Inácio do Barro
  
A viagem transcorria normal até então e, estrategicamente, se dividiram para não despertar a curiosidade de transeuntes ou mesmo de alguma força policial. A intenção era encontrarem-se ainda no Estado do Piauí, próximo da cidade Caracol e seguirem até o destino final, São José do Duro, corruptela de São José D’Ouro, em Goiás, hoje Estado de Tocantins. 

Porém, o grupo de Sinhô Pereira é surpreendido por uma força policial piauiense, comandada pelo Tenente Zeca Rubens e após dois confrontos sucessivos com baixas em ambos os lados, Sinhô Pereira não teve mais condições de consumar o seu intento, retornando ao palco de guerra no Pajeú e Cariri Cearense.  O crescimento econômico e o poderio político do major José Inácio foram vertiginosos. O seu “modus operandi” é questionável, justificando-se e amparando-se na prática comum à época, que era a deposição de chefes políticos pelo uso da força e atitudes nada civilizadas. 


Na maioria das vezes com a conivência ou omissão do próprio poder estadual, encastelado na capital do estado. Sinhô Pereira já há mais de dois anos dispondo da proteção, munição farta, contingente de homens afeitos àquela profissão, tudo disponibilizado pelo Major José Inácio, é inconcebível que este não se envolvesse nos interesses e questões do protetor e amigo, caso fosse requisitado. Nas ações de interesses do chefe político do Barro, em que tomou partido, desviadas do seu objetivo principal que era a vingança familiar, considero pontuais. Em vinte de janeiro de 1919, na zona rural de Milagres, invade com o bando a casa da senhora Praxedes, viúva do coronel Domingos Leite Furtado, de onde é roubada uma quantia considerável em dinheiro. Um ano depois, vinte de janeiro de 1920, a casa da fazenda do Coronel Basílio Gomes da Silva, localizada no Município de Brejo Santo é saqueada. 

Este não procurou providências temendo represálias. Dois anos depois, em dezenove de janeiro de 1922, por desavença, interesses políticos e rixa familiar do amigo e protetor José Inácio, Sinhô invade a Vila de Coité, Distrito de Mauriti, reduto e residência do Padre Lacerda, desafeto de José Inácio de Souza.



Padre Lacerda
Fonte: Lampião e o Estado Maior do Cangaço
Hilário Lucetti / Magérbio Lucena. pág 121.
 
A resistência do povoado é heroica, impossibilitando os invasores de aniquilar o Padre Lacerda que no interior de sua casa com jagunços e amigos, respondeu a altura o intenso tiroteio. Esse episódio é emblemático para a derrocada do Major José Inácio. Iniciam-se as pressões por parte do Presidente do Estado Justiniano Serpa, motivadas por uma enxurrada de denúncias e artigos publicados em jornais da capital, contra o maior coiteiro de cangaceiros de que se tem notícia para as bandas do Cariri. O pacto envolvendo os Estados da Paraíba, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte é concretizado, podendo agora, suas forças policiais ultrapassarem as divisas estaduais em perseguição de bandoleiros, sem a necessidade da autorização prévia. O major José Inácio já planejando retirar-se do seu feudo para terras distantes, arquiteta sua última investida contra os fazendeiros na região de Catolé do Rocha-PB, Waldevino Lobo, Adolfo Maia e Raquel Maia, com o nítido objetivo de usar esse dinheiro em novo domicílio. 


Jorge Remígio
O plano é executado pelo bando de Sinhô Pereira, agregado ao de Ulisses Liberato e muitos cabras do Major. Não chegaram até a fazenda de Raquel Maia. Achou por bem Sinhô Pereira, retornar ao Barro, após saquearem Waldevino Lobo e Adolfo Maia. Logo em seguida, José Inácio é preso, porém, por pouco tempo. Sua fuga, meio que facilitada, encerra-se um capítulo na história coronelística do Cariri Cearense. Os fatos narrados acima ocorreram em um espaço de três anos. Entendo que Sinhô Pereira cometeu muitos “pecados” fora do seu objetivo principal, que era a vingança. Entendo também, que não houve uma transtipificação do seu cangaço, ou seja, não enxergo que tenha feito um cangaço de negócio, meio de vida. O bando não era sustentado com dinheiro de saque.


Naquele mundo estranho que foi o cangaço, todos pecaram: Coronéis, Cangaceiros, Coiteiros e Policiais. Com a saída do Major José Inácio do seu território, o cangaço de Sinhô Pereira ficou inviável. As investidas que fazia contra os inimigos no Pajeú e o retorno seguro para o Barro, não existiam mais. 

Lampião praticamente assumiu o grupo no mês de maio de 1922. Não comungo com a ideia de que Sinhô Pereira tenha influenciado no ataque à casa da Baronesa de Água Branca em junho de 1922. Lampião já tinha autonomia sobre o bando. Quando Sinhô parte para sua viagem e abandona totalmente sua vingança, a entrega do bando para Lampião em agosto daquele ano é puro simbolismo. 
 
Sebastião Pereira e Antonio Amaury. 
Patos de Minas, MG jan. de 1970
Arquivo do pesquisador.

Lampião era detentor do produto do saque em Água Branca. Sinhô teve uma considerável ajuda financeira dos parentes Manoel Pereira Lins e Isidoro Conrado para a sua viagem. O agora ex-cangaceiro partiu ao encontro do primo Luiz Padre e do amigo José Inácio de Souza, com um sentimento de não ter concretizado a sua vingança. Advogo a tese, de que o cangaço é muito mais dependente e ligado ao Coronelismo do que se possa imaginar. Essa ideia vale para qualquer tipo de CANGAÇO.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

- Albuquerque, Ulisses Lins.  UM SERTANEJO E O SERTÃO

- Barreto, Ângelo Osmiro. ASSIM ERA LAMPIÃO

- Carvalho, Rodrigues de. SERROTE PRETO

- Dantas, Sérgio Augusto de Souza. LAMPIÃO, ENTRE A ESPADA E A LEI

- Melo, Frederico Pernambucano de. GUERREIROS DO SOL

- Maciel, Frederico Bezerra. LAMPIÃO, SEU TEMPO E SEU REINADO. vol. I

- Neves, Napoleão Tavares. CARIRI, CANGAÇO, COITEIROS E ADJACÊNCIAS

- Sá, Luiz Conrado Lorena. SERRA TALHADA 250 ANOS DE HISTÓRIA, 

- Sousa, Severino Neto. JOSÉ INÁCIO DO BARRO E O CANGAÇO

- Wilson, Luis. VILA BELA, OS PEREIRAS E OUTRAS HISTÓRIAS

Pescado no Cariri cangaço

5 comentários:

IVANILDO SILVEIRA disse...

EXCELENTE ARTIGO, AMIGOS KIKO E JORGE..

A VIDA DE SINHÔ PEREIRA FOI POUCO ESTUDADA, AINDA EXISTINDO MUITOS EPISÓDIOS QUE NÃO FORAM CONTADOS NA BIBLIOGRAFIA CANGACEIRA..

ABRAÇO
IVANILDO SILVEIRA
Colecionador do cangaço
Natal/RN

Marcos disse...

A historia de Antonio Clementino de Carvalho (Antonio Quelé) ficou muito reduzida.
Antonio Quéle, Eustáquio, Roque Brandão eram tios de minha mãe.

Kiko Monteiro disse...

Marcos

O célebre Clementino Quelé não pode se resumir em um parágrafo ele tem um artigo gigante só pra ele. Confira no link indicado ou localize em nossa índice: http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/search/label/Clementino%20Quel%C3%A9

Me responde uma coisa você poderia nos informar a localização da antiga residência de Clementino em Santa Cruz da Baixa Verde?

Att
Kiko Monteiro

Unknown disse...

O Livro VILA BELA, OS PEREIRAS E OUTRAS HISTÓRIAS foi dado uma cópia por minha mãe JURACEMA SAMPAIO COUTO (Jati/CE) que é Bis-neta de JOSE SIMPLICIO PEREIRA "O PEREIRÃO" ao Dr. LEANDRO.

Unknown disse...

Em cima de pesquisas e conversando pessoalmente com Juarez Valões, bisneto de Aureliano Pereira Valões (nome correto, não Aureliano Pereira da Silva), e avô materno de Sinhô Pereira, onde o mesmo é filho de Alexandre Pereira da Silva (morto por os fanáticos da Pedra do Reino), irmão do Comandante Superior Coronel Manoel Pereira da Silva, pai do Barão do Pajeú, então, Aureliano não é irmão do Barão do Pajeú e sim primo legítimo, como também ambos são primos legítimos de Manoel Pereira da Silva e Sá (Manoel da Passagem do Meio), pai de Sinhô Pereira.
Como também quem lia livro francês era Alexandre, pai de Aureliano, não era Aureliano.
Veja dados encaminhados por mim e publicado na genealogia pernambucana:
Morto pelos fanáticos do Reino Encantado da Pedra Bonita, em Vila Bela. Ele recebia uma publicação católica, edição especializada para as novenas de maio, que falava sobre a vida do beato francês, Félix de Valois. Muito comovido com a história, ele falou para esposa Joana: "Vou adotar este sobrenome para os nossos filhos". Surgindo assim, em 1829, seu segundo filho que recebeu o nome de Constância Pereira Valões; o terceiro foi Aureliano Pereira Valões, que nasceu em 1832.

Obrigado por espaço. Abraço.