Por Honório de Medeiros
TEORIA: O ataque a Mossoró resultou da ganância do Coronel Isaías Arruda e Lampião, no que foram secundados por Massilon. Esta é a versão, digamos assim, “oficial”, encontrada em quase todos os textos acerca do cangaço. Em Raul Fernandes, por exemplo, em seu clássico “A MARCHA DE LAMPIÃO” (2ª edição; Editora Universitária – UFRN; 1981; Natal), lê-se:
A notória fama de riqueza de Mossoró aguçava a cobiça dos bandidos. A falta de força policial os estimulava. Criminosos e aventureiros se movimentavam. Das ribeiras do Moxotó, do Navio e do Pajeú afluentes da grande bacia do rio São Francisco, e dos arredores das vilas de Nazaré e Flores, na hinterlândia de Pernambuco, Lampião formou o bando.
(...)
Os mais esclarecidos entraram na empreitada desejosos de fugir com o produto dos roubos para o Sul do País, ou qualquer lugar onde pudessem viver impunes.
Essa teoria não se sustenta. Não foi assim que aconteceu, muito embora seja inegável que a ganância foi um dos combustíveis que acionou todos os envolvidos. O que se quer dizer é que o primeiro passo do projeto da invasão, a “causa causarum”, não pode ser atribuída a Lampião, tampouco ao Coronel Isaías Arruda.
E é fácil inferir essa conclusão, meramente interpretando os textos “canônicos” acerca do tema.
Sérgio Dantas, por exemplo, em outro clássico da literatura do cangaço, “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE” (1ª edição; Cartgraf – Gráfica Editora; 2005; Natal), ao ressaltar a resistência do Rei do Cangaço ao assédio do Coronel Isaías Arruda, para realizar a empreitada do ataque a Mossoró, cita uma fonte inquestionável:
O cangaceiro Jararaca, testemunha da conversa (entre Isaías e o cangaceiro) lembrou com fidelidade, dias mais tarde, a resistência de Lampião ao assédio ferino do Coronel Arruda:
“Lampião nunca tencionara penetrar nesse Estado porque não tinha aqui nenhum inimigo e se por acaso, para evitar qualquer encontro com forças de outros Estados, tivesse que passar por qualquer ponto do Rio Grande do Norte, o faria sem roubar ou ofender qualquer pessoa, desde que não o perseguissem”.
Um pouco mais adiante o mesmo escritor, nas notas ao Capítulo do qual se extraiu o texto acima transcrito, lembra outro depoimento:
Esses depoimentos são suficientes para inutilizar a teoria da qual Raul Fernandes foi um dos mais importantes porta-voz. Não é verdade que em decorrência da riqueza de Mossoró Lampião tenha formado um bando para a atacar. Teria sido então o ataque a Mossoró uma ideia nascida no cérebro do Coronel Isaías Arruda?Uma segunda referência encontra-se em Lucena (1989, p. 99), onde o cangaceiro Manoel Francisco de Lucena Sobrinho, o “Ferrugem”, também em entrevista, afirma textualmente: “Lampião não queria atacar Mossoró, alegando que não conhecia o Rio Grande do Norte”.
Coronel Isaías Arruda
Sérgio Dantas crê que sim. Em sua obra já citada, na parte denominada “O PARTO DE UM PLANO MACABRO”, encontramos o seguinte:
Arruda tinha interesse em Mossoró, cidade rica, centro comercial de incontestável notoriedade no cenário sertanejo. De forma inicialmente sutil começou a sondar o cangaceiro. Lembrava-lhe a todo instante o êxito obtido por Massilon em dias passados.
(...)
Arruda mostrava-se indiferente aos argumentos do zanaga (Lampião). Mantinha-se particularmente interessado na pilhagem de Mossoró. A cidade potiguar – reafirmava o Coronel – tinha fama de prosperidade.
Mas é muito pouco provável que tenha sido do Coronel Isaías Arruda a concepção da idéia do ataque a Mossoró. Assim como não foi dele a concepção da idéia do ataque a Apodi, realizado dias antes, sob o comando de Massilon, com um propósito eminentemente político, como há de se ver mais adiante.
Que o Coronel Isaías Arruda foi o maior responsável por induzir Lampião a atacar Mossoró, quanto a isso não há dúvidas. Sem esse assédio, não teria havido o ataque. Com a mentalidade rapace da qual era possuidor Isaías Arruda, quando lhe propuseram essa idéia, percebeu de imediato que sua concretização lhe permitiria ganhar algo de qualquer forma: planejar a empreitada, convencer Lampião, fornecer armas e munição, nada tinha ele a perder se pusesse mãos à obra e o atraísse para esse projeto.
Se tudo desse certo, raciocinou o Coronel, ganharia sua parte - uma verdadeira fortuna [1], levando-se em consideração o valor do exigido, dias após, por Lampião ao Coronel Rodolpho Fernandes, para que houvesse a invasão da cidade -, como acontecera antes, quando Massilon voltara com o dinheiro arrancado de Apodi.
Se nada desse certo obteria um lucro especial vendendo, ao cangaceiro, como de fato vendeu, as armas necessárias ao ataque; além do mais, se por obra e graça das circunstâncias, Lampião morresse no Rio Grande do Norte, ele, o Coronel, ver-se-ia livre das pressões que estava sofrendo, oriundas de Fortaleza, do Governo do Estado, e, até mesmo, do Governo Federal, por suas ligações com o líder cangaceiro, e que o levaram, segundo alguns historiadores, a trai-lo, tentando envenená-lo e queima-lo vivo, ou, segundo outros, a encenar essas duas tentativas de comum acordo com o Rei do Cangaço.
Entretanto a ideia de atacar Mossoró não nasceu no Coronel Isaías Arruda.
Isso por vários motivos, dois deles bastantes simples: em primeiro lugar, ele não chamou Lampião ao Cariri, como já sabemos, e sem Lampião, não haveria condições para realizar o ataque a Mossoró; em segundo lugar por que se a questão fosse meramente financeira, outras cidades, mais próximas e bem menos perigosas, no Ceará, na Paraíba, ou mesmo no Rio Grande do Norte, poderiam ser invadidas e render um grande lucro, sem a possibilidade de fracasso que uma cidade do porte e da distância [2] de Mossoró representava.
Capela de São Vicente, Mossoró, final dos anos 20, começo dos anos 30.
Por Francisco Soares de Lima.
É em Sérgio Dantas, no “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE [3]”, que encontramos subsídio para essa conclusão:
O cangaceiro “Mormaço”, em diferentes interrogatórios prestados à Polícia (Martins, Pau dos Ferros, Mossoró e Crato), deixou claro que Lampião desejava chegar ao Ceará para refugiar-se e municiar o bando. Também acrescentou, em diversas oportunidades, que Arruda intermediava, invariavelmente, tais compras de munição.
Por outro lado, Mossoró não teria entrado no campo das elucubrações criminosas do Coronel Isaías Arruda, se não tivesse acontecido o seguinte fato, esse muito significativo, também relatado por Sérgio Dantas [4]:
Em dias de abril daquele ano [5], o sinistro caudilho [6] recebera importante solicitação. Décio Holanda [7] – destacado fazendeiro do município de Pereiro, no Ceará – pediu-lhe que colocasse a “cabroeira” particular a seu serviço, posto que planejava tomar de assalto a cidade de Apodi, no Estado vizinho.
(...)
Viajou [8] até Serra do Diamante, em Aurora, e foi ter com Arruda. Descreveu-lhe o imbróglio. Através do confrade – mestre na intriga política – empresariou o bandoleiro Antônio Leite, o Massilon.
O plano sinistro, em um primeiro momento, previa a conquista de Apodi. Sugeria, em seguida, o aprisionamento de Francisco Pinto e principais agregados políticos do intendente. Por fim, prescrevia extorsões, roubos, incêndios, homicídios.
Ainda:
Aurora, Ceará. Há dois dias Massilon já retornara ao esconderijo. Ao mentor Isaías Arruda, prestou contas do assalto. O apurado foi dividido meio a meio, como anteriormente combinado entre cangaceiro e Coronel (O CEARÁ, 1928).
Antônio Leite estava eufórico. Descrevia detalhada e reiteradamente a sucessão de assaltos. Gabava-se do feito heróico:
- Disseram que eu não sabia brigar, e eu volto com quarenta contos de réis!
Casa do Coronel Isaías Arruda em Missão Velha, Ceará.
Nela há um subterrâneo onde o Coronel estocava armas.
Ou seja, em assim sendo, Mossoró foi conseqüência de Apodi e de uma circunstância inesperada: a chegada de Lampião em Aurora, no Ceará, terras do Coronel Isaías Arruda. Apodi, por sua vez, foi consequência das brigas entre coronéis norte-rio-grandenses e paraibanos disputando o poder [9].
E a idéia do ataque a Mossoró, da qual resultou o planejamento de Isaías Arruda e a execução de Lampião, com certeza não foi de nenhum dos dois, mas, sim, proposta de Massilon, à qual aderiu de pronto, pelas razões elencadas acima, o Coronel, e, com extrema relutância, o maior dos cangaceiros.
Portanto tudo leva a crer que Massilon, ou alguém ou alguns que ele representava, idealizou, Isaías planejou, e Lampião executou.
A pergunta que se faz agora, é se a idéia de Massilon atacar Mossoró foi algo estritamente seu ou de alguém ou alguns mais, do qual ou dos quais ele seria mero marionete.
[1] Cinquenta por cento do butim.
[2] Perto de quinhentos quilômetros, de Aurora a Mossoró, área praticamente descampada, sem a proteção natural como serrotes, mata fechada ou pedreiras, ante um cerco militar, sem as quais o cangaceiro não passava.
[3] Cartgraf Gráfica Editora; 2005; 1ª edição; Natal, RN.
[4] “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE”; Cartgraf Gráfica Editora; 2005; 1ª edição; Natal, RN.
[5] 1927.
[6] Isaías Arruda.
[7] Décio Sebastião de Albuquerque Holanda era seu nome completo. “Genro de Tilon Gurgel do Amaral, casado que foi com sua filha Francisca Brito Gurgel (Chicuta). Décio morou vários anos no RN, transferindo-se depois para o Ceará” (“NAS GARRAS DE LAMPIÃO”; GURGEL, Antônio; BRITO, Raimundo Soares de; Coleção Mossoroense; Série “C”; v. 1.513; 2ª edição; Mossoró).
[8] Décio Holanda.
[9] Mais adiante será esmiuçada essa afirmação.
Continua...
Pesquei ali ó, no Blog do Confrade Honório
2 comentários:
MEU CARO BLOGUEIRO, QUERO APENAS FAZER UMA CORRIGENDA COM RELAÇÃO AO NUNICÍPIO DE LOCALIZAÇÃO DA CASA DO CEL. IZAIAS ARRUDA, DO FLAGRANTE, QUE É O MUNICÍPIO DE MISSÃO VELHA E NÃO AURORA. ESTA CASA FOI CONSTRUÍDA ENTRE OS ANOS DE 1927/1928, QUANDO O CEL. IZAIAS, ERA O PREFEITO DE MISSÃO VELHA. ABRAÇOS: BOSCO ANDRÉ.
Pois não meu querido comendador Bosco André, correção efetuada. O texto é de confrade Honório de Medeiros que obviamente faria a alteração, mesmo porque esta casa foi uma das atrações do Cariri Cangaço a poucos dias em vossa aprazível cidade.
Abraço Fraterno
Kiko Monteiro
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