O Rei do cangaço antes de Lampião
Por Paulo Goethe
No dia 16 de janeiro de 1907, o Diário registrou que os cangaceiros estavam preocupando as autoridades. Aterrorizando os sertões estava o bando de Antonio Silvino. Forças policiais da Paraíba e do Rio Grande do Norte foram mobilizadas para perseguir o grupo. O capitão Carlos Formel informou, através de carta, que estava no encalço dos cangaceiros. Durante todo o mês, o jornal divulgou notícias sobre a atuação das volantes. Ao longo das décadas seguintes, o combate ao cangaço seria um tema comum no cardápio de assuntos oferecidos ao leitor.
No primeiro registro do ano, o Diário sinalizava que um dos companheiros de Antonio Silvino havia sido preso no interior de Pernambuco. “Perseguido pela força volante, apresentou-se, há poucos dias, ao delegado de Bom Jardim, o celebre cangaceiro Barra Nova. Durante o tempo em que fez parte do grupo desse facínora, tornou-se celebre pelas suas perversidades. Em São Vicente, na ocasião de um ataque do grupo, foi Barra Nova quem atirou no sargento José Pedro, subdelegado local. Actualmente ele está recolhido á cadeia de Bom Jardim, devendo ser em breve transportado para a casa de detenção”.
Antes de Lampião, ele era o cangaceiro mais famoso e seu apelido mais conhecido foi “Rifle de Ouro”. Nascido no dia 2 de dezembro de 1875, em Afogados da Ingazeira, Manoel Batista de Morais entrou para a história como Antonio Silvino. Durante 16 anos, driblou a polícia, praticou saques e assassinou inimigos, mas era tratado pelos poetas populares como um “herói” por respeitar as famílias.
Ainda jovem, integrou o bando liderado por seu tio, Silvino Aires Cavalcanti de Albuquerque. Com a prisão deste em Custódia, assume o comando e muda o nome e sobrenome, homenageando o parente.
Antônio Silvino entrou para o cangaço aos 21 anos de idade, com o irmão, Zeferino, depois da morte do pai, Batistão do Pajeú, em plena feira de Afogados da Ingazeira, em dia 3 de janeiro de 1897. Procurado pela polícia, Batistão ousou entrar na cidade no dia mais movimentado da semana e foi alvejado por um tiro de bacamarte disparado por Desidério Ramos, desafeto e contratado pelo coronel Luís Antônio Chaves Campos, chefe político local.
Silvino e o irmão juraram vingar a morte do pai, assaltando e matando todos os que colaboraram com o mandante do crime. “Para o sertanejo não havia Justiça. Se um parente era morto, de imediato lhe sobrevinha o ‘direito’ de pôr termo à vida do assassino. Por vezes, essa vingança implicava em cruzar um punhal à cintura, portar rifle e munição, usar um chapéu de couro de aba batida. A cada crime não punido pelas instituições policiais e judiciárias, em regra, lançava-se a semente de um futuro bandoleiro profissional”, narra Sérgio Augusto de Souza Dantas em Antonio Silvino: o cangaceiro, o homem, o mito, uma das mais completas biografias sobre o “Rifle de Ouro”.
Mesmo tendo participado de um ataque à usina Filonila, em 1899, no qual resultou na morte de uma menina de 13 anos, filha do coronel Antônio dos Santos Dias, a fama de Antonio Silvino apenas cresceu como “bandido cavalheiro”. Em 1903, o Jornal Pequeno, do Recife, publica a sua foto. No ano seguinte, Francisco das Chagas Batista lança o cordel A canção de Antônio Silvino, que teve grande vendagem.
A invencibilidade de Silvino terminou no dia 28 de novembro de 1914, quando ocorreu o seu último tiroteio com a polícia. Atingido no pulmão direito, conseguiu se refugiar na casa de um amigo e disse que ia se entregar. Da cadeia de Taquaritinga seguiu, dentro de uma rede, até a estação ferroviária de Caruaru, onde um trem especial da Great Western o levou para o Recife. Uma multidão o aguardava na Casa de Detenção, atual Casa da Cultura.
Antonio Silvino tornou-se o detento número 1.122, condenado a 239 anos e oito meses de prisão. Em 4 de fevereiro de 1937, depois de vinte e três anos, dois meses e 18 dias de reclusão, foi indultado pelo presidente Getúlio Vargas.
Na foto acima, ele é o de chapéu e bengala. O ex-rei do cangaço morreu em 30 de julho de 1944, em Campina Grande, na casa de uma prima.
Paulo Goethe, 44 anos, no Diário de Pernambuco de 1990 a 1997 e desde 2001.
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