Por Wanessa Campos
Manoel Cavalcanti de Souza, sertanejo de Floresta, completa 97 anos em 21 de dezembro. No dia 14 deste mês, ele comemorou uma data que para muitos parece inatingível: fez 75 anos de casado, bodas de brilhante, com Maria Ribeiro dos Anjos. Ao lado dos 14 filhos (tiveram 15), 52 netos, 44 bisnetos e um tataraneto, festejou com tudo a que tem direito: bolo, guaraná e muita alegria. A história de vida de Manoel poderia ser igual a tantas outras de nordestinos de sua geração, se não fosse um diferencial: Neco de Pautília é ex-combatente de Lampião e permanece lúcido para contar histórias desse tempo que ele não quer esquecer.
Neco costuma dizer de maneira paradoxal que, se o tempo retroagisse, ele não teria ingressado nas volantes, a polícia da época. “Afinal, Lampião nunca me fez mal. Era um homem bom. Ruim era a polícia que açoitava os coiteiros.” Antes de ingressar nas volantes, foi almocreve (espécie de vendedor ambulante) no Sertão, para esquecer um amor que as famílias não queriam.
Veio então a Revolução de 30 (movimento armado que facilitou a chegada de Getúlio Vargas ao poder) e os nazarenos (moradores do distrito de Nazaré, Floresta) não participaram. Neco resolveu juntar-se ao grupo de conterrâneos para formar uma das frentes de combate a Virgolino Ferreira, estimuladas pelo governo.
O grupo seguiu em direção ao Raso da Catarina (Bahia). Cada um levava no bornal farinha, sal e rapadura. Nas mãos, um rifle como se fosse o “sentimento do mundo.” Entretanto, o objetivo maior era ganhar dinheiro. O então jovem Neco, aos 19 anos, partiu para o desconhecido fascinante e ao mesmo tempo perigoso. Foram três dias de caminhada comendo mal, sem dormir e o pior era a expectativa de a qualquer momento deparar-se com o bando de cangaceiros. E foi o que aconteceu. Veio então o temido tiroteio, que resultou em vários feridos de ambos os lados. Não dava para recuar.
A partir daí, Neco enfrentou mais quatro combates, viu companheiros e cangaceiros morrerem de sucesso (morrer em combate), entre Pernambuco e Bahia. Conheceu Virgolino e não teve medo.
Mas aquela vida de incertezas, enfrentando chuva, sol, sede, calor e frio nas caatingas, não era a que Neco pediu. Resolveu abandonar as volantes e sem receber o dinheiro prometido, 2 contos. Levou apenas 500 mil réis mais a passagem de volta.
Deixando a vida militar e de volta ao aconchego, Neco foi barbeiro, alfaiate, sapateiro, até tornar-se funcionário público da Suvale, hoje Codevasf.
Aposentado, hoje leva a vida remoendo o passado ao lado de sua grande paixão: Mariquinha, que conheceu aos 13 anos de idade numa escola da zona rural de Floresta. Antes do primeiro encontro, Neco leu o nome dela escrito no quadro de uma sala de aula – Maria Ribeiro dos Anjos. Achou bonito aquele nome e escreveu por cima o seu com uma bala de rifle. Pronto! Os destinos estavam selados. Casou com Mariquinha um ano depois. Hoje o casal é só alegria diante da prole invejável de 110 descendentes. Como nos contos de fadas, Neco e Mariquinha são felizes há 75 anos.
Publicado no Jornal do Comercio, Recife, em 28.11.2009
Pesquei no: Geléia General
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