Morreu neste sábado (30), o poeta popular, radialista, ilustrador e publicitário cearense Arievaldo Vianna, aos 52 anos. Amiga do artista, a cordelista e hematologista Paola Torres informou que a causa do falecimento foi uma infecção bacteriana severa.Natural do município de Madalena, artista é um dos nomes mais importantes da poesia popular do Brasil.
Conforme publicação feita pela esposa, Juliana Araújo, nas redes sociais, Arievaldo deu entrada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital local na última quinta-feira (28).
No texto, ela destacou que o poeta "é um homem íntegro, um pai responsável, amoroso, um marido amado" e que convive com ele desde os 17 anos de idade. "Metade de minha vida foi com ele".
Criador do projeto Acorda Cordel na Sala de Aula – que utiliza a poesia popular na alfabetização de jovens e adultos, adotado pela Secretaria de Educação, Cultura e Desporto de Canindé e diversos outros municípios brasileiros – Arievaldo Vianna é um dos maiores nomes das letras do Ceará.
O artista percorreu mais de 10 Estados ministrando oficinas e realizando palestras sobre Literatura de Cordel. Atuou como consultor e redator de uma série de programas da TV Escola, também tendo como foco uma das maiores paixões, o cordel.
Em 2000, foi eleito membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, na qual ocupa a cadeira de nº 40, patronímica de João Melchíades Ferreira.
Teve também alguns trabalhos escritos em parceria com outros poetas, a exemplo de Pedro Paulo Paulino, Jota Batista, Klévisson Viana (irmão), Gonzaga Vieira, Zé Maria de Fortaleza, Manoel Monteiro da Silva, Rouxinol do Rinaré e Marco Haurélio.
O poeta parte deixando esposa, os filhos Daniel, Mariana, Yuri e João Miguel, e uma legião de admiradores dos ofícios que executou.
Homenagens
A Secretaria da Cultura do Ceará emitiu nota de pesar pela morte de Arievaldo.
"Pai, companheiro, amigo, irmão de cordelista e escritor Klévisson Viana, e grande artista, Arievaldo nasceu em Quixeramobim, e se fez um cordelista que trazia na escrita a luta do povo, as marcas da política, as palavras fáceis e críticas deste e de outros tempos", traz a nota.
Fabiano Piúba, gestor da pasta, também se manifestou: "Perdemos não só um grande poeta e difusor da literatura de cordel nos ambientes culturais, mas, principalmente nas escolas, promovendo nos mais diversos rincões do Brasil a promoção da leitura através da literatura de cordel. Perdemos um amigo".
O poeta Rouxinol do Rinaré expressou os sentimentos pelo cordelista por meio de algumas estrofes:
Uma nuvem de tristeza
Pairou sobre nosso Estado...
O Cordel está de luto,
Todo poeta abalado,
Arievaldo Viana
Foi pra mansão soberana,
Porque por Deus foi chamado!
Nos deixou grande legado
Como poeta sem-par
Imortal entre seus pares,
Sem dúvidas posso afirmar.
A perda é triste demais,
Pedimos ao Pai dos pais
Pra família confortar!
A saudade vai ficar
Nos lembrando dia a dia
Dos seus cordéis, dos seus causos
Recitados com alegria...
Vá em paz, poeta nobre,
A Terra fica mais pobre
E o céu rico de poesia!
Também são diversos os relatos emocionados de artistas da palavra nas redes sociais em reverência ao grande legado de Arievaldo Viana.
A doutora e poeta Paola Torres conta que estava preparando um livro em parceria com ele, uma ficção em cordel que descrevia o encontro entre Guimarães Rosa, Ariano Suassuna e Euclides da Cunha. Klévisson Viana também fazia parte da obra.
"O Arievaldo foi um dos poetas que mais se aproximaram de poetas geniais. Ele é um segundo Leandro Gomes de Barros, um segundo Patativa [do Assaré]. Não era um simples poeta, era um poeta genial. Ele tinha uma beleza, uma potência, uma criatividade, como chargista, desenhista... Era uma pessoa lúcida demais, detentora de um conhecimento histórico do cordel. Ele era a própria história do cordel. Era um pesquisador apaixonado por histórias", afirmou a artista.
Compadre de Arievaldo, o cordelista Stelio Torquato Lima publicou, nas redes sociais, o pesar pela partida do poeta.
"Ficamos todos nós órfãos de um artista ímpar e de uma figura incomparável. Eu, compadre dele, fui um aprendiz privilegiado, pois usufruí da sua companhia, em sua casa, em viagens, em eventos. Fica sua obra belíssima para servir de testemunho de seu talento às novas gerações que não terão mais o prazer de vê-lo recitar, de ouvi-lo palestrar, de acompanhá-lo em rodas de conversas, em que sua maestria na arte do humor se exibia com tanta graça".
A também cordelista Julie Oliveira, uma das integrantes da nova safra da arte em versos populares no Ceará, escreveu: "Um dia triste para todos nós do cordel, da arte.Esteja em paz, Arievaldo Vianna. Os poetas não morrem, apenas mudam sua poesia de lugar, e a sua estará sempre conosco. Muito triste de não podermos abraçar a Klévisson Viana e Juliana Araújo nesse momento. São tempos difíceis, mas não perderemos a esperança".
O escritor Bruno Paulino, que dividiu a pena com Arievaldo no livro "Os Milagres de Antônio Conselheiro", sublinhou os diferentes papéis que o artista ocupou em sua vida.
"Primeiro o Arievaldo Vianna foi meu Patativa do Assaré e meu Monteiro Lobato. Depois foi meu professor e o cara que mais me apresentou gente e abriu portas no meio literário. Foi o companheiro de boêmia mais engraçado que conheci, o maior contador de causos do mundo. Por fim, foi meu parceiro em muitos projetos. Talvez a pessoa que eu mais entrevistei e com quem mais participei de mesas literárias até hoje. Não é possivel mensurar o legado de uma obra tão grande e de qualidade como a do Arievaldo".
Por sua vez, a editora cearense Imeph, que publicou vários livros do artista, destacou: "O céu ganha mais uma estrela e o mundo perde esse grande e talentoso artista! Obrigada por ter compartilhado conosco tanto conhecimento e tanta cultura!"
Trajetória
Nascido na fazenda Ouro Preto, em 18 de setembro de 1967 - antes pertencente a Quixeramobim e hoje parte integrante do município de Madalena -, o artista, xilogravador e poeta passou a infância e parte da idade adulta no Sertão Central, tendo toda a formação cultural formada através das cantorias e da leitura do cordel.
"Fui alfabetizado com a ajuda do cordel, era a leitura que mais me agradava, ficava pedindo para minha avó ler 'João Grilo' e a 'Chegada do Lampião no Inferno'", explicou ele em entrevista ao Diário do Nordeste, em 2017.
À época, estava lançando o livro "Encontro com a consciência", da editora Imeph, em comemoração aos 50 anos de vida.
Juntando sílaba por sílaba, o futuro poeta já lia suas histórias sozinho, aos três anos de idade. Propagador do cordel como ferramenta de educação, desde criança já demonstrava a veia literária.
"Na escola tinha aquelas leituras em voz alta, onde você precisava escolher entre texto de prosa e poesia. Sempre tive preferência pela poesia e procurava textos desse tipo para declamar", ressaltou.
Residindo em Canindé dos 12 aos 25 anos, Arievaldo Vianna traz traços nordestinos em todos os livros que escreveu e ilustrou, mesmo trabalhando com temas urbanos - como fez na adaptação das obras de Cervantes, em que aqui e acolá encontra-se uma palavra nordestina.
Vivendo desde 1993 em Fortaleza, trazia à fala a dificuldade de se viver somente de literatura no Brasil e lembrava que já trabalhou em diversos ofícios ao longo da vida - por exemplo, quando morou em Canindé foi camelô e, por conta disso, teve oportunidade de conviver com a romaria, que muito o inspirou culturalmente.
Ao longo de cinco décadas, o autor publicou mais de 30 livros e cerca de 150 folhetos de cordel, tendo sido premiado em diversos concursos literários e quatro vezes selecionado pelo Ministério da Educação, através do extinto PNBE (Programa Nacional da Biblioteca na Escola).
Pescado no Diário do Nordeste
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