domingo, 1 de setembro de 2019

Biografias dos cabras

A história de "Cravo Roxo" ou "Sombra"

Ex-cangaceiro de Iguatu, Ceará - Parte I (O que o fez adentrar no cangaço).

Vale a pena conferir a série de reportagens especiais que o jornal "Diário do Paraná" elaborou e publicou acerca do ex cangaceiro Camilo Soares de Oliveira, o "Cravo Roxo" ou "Sombra", do grupo de Lampião, como ele mesmo informou quando da estada em Ponta Grossa, PR, aos 74 anos, em dezembro de 1973.*

 


Camilo informou, dentre várias outras curiosidades, que passou três anos, dez meses e quatro dias sob as ordens de Lampião e que quando esteve com o Pe. Cícero, recebeu daquele, além de conselhos, algumas lembranças que guardava consigo ainda naquela época, como um rosário do qual rezava sempre e não se separava nunca, o que foi mostrado á redação do jornal.

Em reportagem feita por Osvaldo Nallim Duarte com fotos de José Eugênio, Camilo detalhou sua vida, apontando episódios dos quais participou com riqueza de detalhes. Sem constrangimento, diz que seu primeiro crime ocorreu num sábado em 1919, na Sussuarana (lugarejo próximo a Iguatu, Ceará) quando atirou num homem "porque ele estava maltratando uma mulher".

Para fugir deste crime, Camilo afirma ter roubado um cavalo nas proximidades e foi parar em Senador Pompeu. onde largou o animal e conseguiu lugar num caminhão "pau de arara" que lhe deixou em Canindé. Foi preso quando se encontrava num bar, bebendo, pelo capitão José Santos Carneiro, da delegacia local, na tarde de domingo. Diz que mesmo jovem, já era conhecido e foi "dedado" por um habitante de Canindé.

A polícia transportou-o, posteriormente, de volta a Iguatu, onde, em certa ocasião, travou o primeiro contato efetivo com um coronel poderoso, José Mendonça, que lhe visitou na prisão e lhe prometeu "fazer o possível" para tirá-lo de lá.



Uma promessa mais concreta, no entanto, foi-lhe feita pelo coronel Otaviano Benevides (inimigo de Mendonça), que jurou soltá-lo sob uma condição: em liberdade, teria que matar Paulo Brasil, outra pessoa de influência no interior cearense. Naquele momento, Camilo afirmou que iria pensar.

Esse assédio dos coronéis não o livrou da cadeia. Mais ou menos cinco meses depois de cometer o crime, Camilo foi julgado perante enorme multidão que se aglomerava no tribunal e foi condenado a dois anos e nove meses de cadeia.

Depois de preso, cumprindo a pena, passou a trabalhar como guarda noturno, sob liberdade condicional, onde nove meses depois conheceu Maria Cecília Barros, por quem se apaixonou.

O namoro que se iniciou, precipitou os acontecimentos que culminaram com um segundo crime, mesmo antes de ter completado a pena: o amor entre ambos sofria forte oposição de Antônio de Barros, pai da moça.

Poucos dias depois de iniciado o namoro, chegou a Iguatu um rapaz procedente do Amazonas, rico, que após poucos dias depois de chegar pediu a mão de Cecília a seu pai, obtendo imediato consentimento.

Diante disso, a população do lugar, que por costume tinha conhecimento de tudo quanto se passava na cidade, fez fervilhar os comentários: um encontro entre Camilo e o novo pretendente não iria demorar.

No dia 26 de julho de 1921, véspera de uma festa típica - a de "Nossa Senhora de Santana" - Camilo estava costumeiramente bebendo num bar quando recebeu a visita do seu irmão Militão, que lhe disse: -- Camilo, pelo amor de Deus, pare com essas besteiras que mamãe ainda vai morrer de desgosto. Amanhã eles vão se casar.

Nessa tarde, quando retornava para sua casa, Camilo fora avisado que o sargento Antônio Emílio, da polícia local, estava promovendo um forró para atraí-lo e matá-lo.

- Se eu não casar com Maria, ninguém casa, respondeu.

Um preto, Júlio Mundino, foi procurá-lo ainda nesse dia e lhe sugeriu que fosse à dona Matilde, porque "ela acabava com todo casamento que o cliente quisesse". As 18:30 mais ou menos, ele estava na casa da vidente, que colocando a mão na sua cabeça, afirmou, depois de ter acendido duas velas e colocado um copo d'água numa mesa:

- Meu filho, ela não vai casar nem com você, nem com ele, vai casar com um terceiro e seu primeiro filho vai ser paralítico. O marido dela vai fugir com uma moça e ela vai morrer na miséria.


No dia seguinte, Camilo sabendo que Maria teria que passar na frente da sua casa para ir à Igreja, casar, ficou aguardando. Mas quando ela passou, estava acompanhada pelo pai e mais quatro "cabras". Assustado, não fez nada.

Minutos depois, a igreja ficou tumultuada. A moça recusou-se a dizer "sim". Camilo já estava inteirado da situação quando encontrou-se com um mecânico seu amigo, que lhe entregou um revólver e uma caixa de balas, recomendando-lhe cuidado, porque a coisa estava "preta" para o seu lado.

Aproximadamente às 16:30h, Camilo passou pela praça, indo em direção à sua casa, acompanhado pelo irmão mais novo, Militão. na frente da igreja estava um "povo medonho". Entretanto, antes de chegar em casa, avistou Maria Cecília, o noivo e o sargento Antônio Emílio juntos, vindo em sua direção. No momento, preparou-se para o pior. Maria Cecília foi a primeira a falar quando eles se encontraram:

- Camilo, não fujo como você porque sei que meu pai vai atrás de nós e me toma de novo.

Em seguida, os dois rivais passaram a discutir em altos brados, sob a presença ameaçadora do sargento. Militão, de nove anos, também ficou por perto.

Segundo Camilo, o noivo lhe bateu com um guarda-chuvas, o que lhe fez disparar duas vezes contra ele. Com isto, o sargento lhe agrediu por trás, mas o irmão lhe ajudou e ele pôde atirar também nele.

Depois que se embrenhou pelo mato, fugindo, Camilo ainda encontrou-se, algumas horas mais tarde, com Zé Quindim, que lhe informou o resultado da briga: o noivo tinha morrido e o sargento estava no hospital entre a vida e a morte.

Após esses dois acontecimentos, começou a seguir um caminho que o conduziria ao cangaço.

Continua...

*Transcrição do pesquisador e escritor João Tavares Calixto Júnior

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