segunda-feira, 25 de março de 2019

"O amanhã" edição de 07/01/1927

Júlio de Matos Ibiapina, falava sobre o banditismo nos sertões nordestinos

Transcrito por Antonio Correia Sobrinho

Amigos, leiam a entrevista do jornalista cearense Júlio de Matos Ibiapina, concedida ao jornal "O Amanhã" do Rio de Janeiro, sobre o banditismo nos sertões nordestinos, publicada na edição de 07/01/1927, quer dizer, mais de onze anos antes da morte do rei do cangaço Lampião, no momento, por um lado, em que este já considerado o novo rei do cangaço agia mais confiante e serelepe pelos adustos territórios de Alagoas ao Ceará, carregando no ombro a patente de capitão do exército, fortalecido de armas, munições, além de fardamento do batalhão patriótico, dádivas recebidas do governo federal, ainda que de forma ilegal e indireta, pois pelas vias do poderoso chefe religioso e político do Ceará, Padre Cícero Romão, para os fins de combater no Nordeste os rebeldes comunistas chefiados por Luís Carlos Prestes.

Por outro lado, num momento de forte censura contra o prestigioso tratamento dado pelo governo ao sanguinário cangaceiro do Pajeú, na imprensa e nas casas do Congresso Nacional, isso associado à mudança nos comandos dos governos federal e estaduais; Washington Luís substitui Artur Bernardes e as unidades federativas ganham novos governadores, sem mencionar o convênio celebrado entre Estados nordestinos no sentido de as forças militares destes combaterem o banditismo de forma conjugada e com a possibilidade de as volantes atuarem além fronteiras.


Os Governos nordestinos coligam-se para combater o banditismo sertanejo - Falta de camaradagem




Desde anteontem acha-se nesta capital o Sr. J. de Matos Ibiapina, nosso colega da imprensa do Ceará, onde dirijo um jornal independente, o mais importante do Estado, pela sua ampla circulação e pelo seu bem orientado programa de combate aos partidos políticos e ao governo.

Como se ache, atualmente, em foco, no Nordeste, a questão de repressão do banditismo profissional, agitada pelo Sr. Estácio Coimbra, resolvemos ouvir a opinião do Sr. Matos Ibiapina sobre o assunto.

Começamos por perguntar-lhe se acreditava na eficiência dos governos estaduais para exterminar o bandoleirismo.
 Assim nos respondeu o ilustre jornalista:

- Combate-se uma epidemia sem eliminar as suas causas?
E acrescentou:
- Todos os governos novos, a fim de impressionar bem aos seus governados e aos dirigentes da nação, tomam a iniciativa de guerrear os bandidos dos sertões. Não é a primeira tentativa que se faz nesse sentido. Mais de um entendimento tem sido promovido entre os diferentes estados do Nordeste. Tudo tem sido debalde.

Por quê?

Simplesmente porque as causas geradoras do banditismo persistem em vários Estados.
Não haveria cangaceiros se por toda parte houvesse o respeito à lei. São os administradores que inoculam no espírito do caboclo do sertão essa revolta contra os fundamentos jurídicos da sociedade.

Não compreende ele que o governo de um povo consista no espezinhamento dos direitos alheios, justamente por parte dos que têm a responsabilidade de sua defesa.

É o exemplo das arbitrariedades policiais que transforma o pacífico e obediente homem do sertão na fera que é o chefe de bando.

Os elementos destinados à garantia da ordem assumem o papel no hinterland nordestino, de instrumentos de perseguição manejados pelos amigos políticos dos governos.
São eles que arrastam às prisões, por mero capricho dos reguletes locais, os adversários políticos e seus apaniguados.

São eles que lhes tomam as propriedades, que deixam impunes os atentados à honra das famílias.
São eles, em uma palavra, que incutem na alma dos sertanejos a convicção de que ou se devem deixar escravizar ou reagir pelos mesmos processos de que são vítimas constantes.

Um dos atuais chefes de bandoleiros do Nordeste era um cidadão pacífico, que exerceu o cargo de prefeito de uma vila cearense. Teve de recorrer ao cangaço indignado com a polícia que lhe incendiou as propriedades.

- Mas Lampião, por exemplo, não está nesse caso. É um criminoso perverso.
- Os bandidos dividem-se em duas grandes categorias: a dos revoltados contra as injustiças dos poderosos e os lançados na carreira pelos mandões, que os perseguem quando não mais precisam dos seus serviços.

 Bando de Lampião em Limoeiro do Norte após o ataque a Mossoró em 1927.



No primeiro caso, está Santa Cruz; no segundo, Lampião.
 

Aquele, que é um bacharel em direito, depois de assistir as mais torpes violências contra a sua família, reagiu, e, de queda em queda, teve, por força das circunstâncias, de chefiar um grupo, em que se alistaram criminosos da pior espécie.
 

Este serviu, durante muito tempo, às ambições de políticos da Paraíba e vivia na intimidade de elementos de destaque da política cearense.

Quando, no meu Estado, cogitaram de organizar os célebres batalhões patrióticos, Lampião foi convidado pelo “general” legalista para assumir uma posição de comando nas hostes governistas.
 

Essa declaração foi feita pelo padre Cícero, do Juazeiro, ao meu jornal e pelo próprio Lampião, em entrevista que nos concedeu.

Só ultimamente, é que se verificou o rompimento de relações entre esse famoso bandido e conhecido cangaceiro político da Paraíba. Essa desinteligência foi até registrada pelos vates do sertão.
 

Lampião, como vê, está ligado à história pátria como um dos baluartes da legalidade. Por mero acaso, ele não é hoje um herói nacional, depois de ter sido, durante muito tempo, um colaborador dos políticos do sertão.

Nessas condições, é evidente que, enquanto perdurar essas semelhanças entre os políticos e os bandidos, os governos que prestigiam àqueles não podem dar combate a estes.
 

No meu Estado, os amigos do governo – aliás chefiado por um desembargador – para ganharem uma eleição de prefeitos, mandaram a polícia prender um juiz de direito e um promotor.
Não é de admirar que Lampião recorra ao saque para alimentar os seus homens e ao assassinato para se defender dos seus inimigos. O banditismo de Lampião é muito justificável do que o dos políticos governistas.

- Não acredita, pois, na extinção da praga que, de tempos imemoriais, vem infestando o interior nordestino?
- Absolutamente, não.

Acho até que essa iniciativa dos governos é uma falta de camaradagem.
É mais uma classe desunida.

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Júlio de Matos Ibiapina (Aquiraz, 22 de setembro de 1890 - Rio de Janeiro, 1947).

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