O Início – Primo Cangaceiro – A Luta Contra Os Bandos de
Antônio Silvino e dos Sipaúbas – Em Fernando de Noronha – Combates
Contra os Seguidores do Padre Cícero na Sedição de Juazeiro – Confrontos
Contra os Chefes Cangaceiros Sinhô Pereira e Luís Padre.
Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
Higino José Belarmino foi um homem que veio ao mundo no dia 11 de
novembro de 1895, no sertão alagoano, em meio a uma origem muito
humilde, sendo filho do agricultor José de Moura Belarmino e da dona de
casa Agda Maria da Conceição. Em um extenso depoimento realizado ao
jornal recifense Diário da Noite de 1952, essa figura pouco
comentou sobre sua família, mas disse que dos três filhos do humilde
casal só ele “vingou”, ou seja, só ele sobreviveu as secas, a fome e as
doenças que grassavam no interior nordestino o final do século XIX e nos
primeiros anos do século XX, mostrando que desde cedo era um forte.
Frederico Pernambucano de Mello informou que Higino Belarmino era
primo de um cangaceiro cognominado André Tripa, um homem que buscou a
sobrevivência com um “Pau de fogo” nas mãos[1].
Sobre ele Frederico escreveu – Notório bandido de região fértil, a
zona de transição mata-agreste de Pernambuco, nos anos relativamente
calmos do início do século XX, terá sido também André Tripa, a quem
Pereira da Costa distingue com o título de “célebre cangaceiro”,
adiantando que se tratava do “terror” da zona sul do Estado. Na memória
do nosso principal informante, Miguel Feitosa, fomos buscar a explicação
para o vulgo curioso do bandido, em estanca dotada de admirável
movimento, cuja autoria lamentavelmente ignorava:
Havia nas Alagoas
Uma tal Joana Fateira
Não tenho ciência certa
Se era casada ou solteira
Sei que tinha um bom menino
Que ajudava, por contínuo
A vender tripa na feira
Essa “tal Joana Fateira”, segundo Miguel nos adiantou com toda
segurança, além de mãe do Tripa, era tia do famoso comandante de
volantes da polícia pernambucana Higino José Belarmino, o Nego Gino, que
após duros combates na década dos 20 contra bandidos, principalmente
Lampião, chegaria a patente mais alta da força, a demonstrar o quanto
era vária e imprevisível a sorte de um menino do mato naquela época.
Sim, porque a de seu primo valente muito cedo teria fim na vertigem da
violência a que se entregou, sem ser socorrido nem mesmo pelas suas
orações:
E certo que as orações
Não servem para ofender.
Mas fazem quem as traz consigo
Com elas se enfurecer,
Como André Tripa fazia,
Pois crendo que não morria
Matou gente até morrer”
Talvez temendo alguma perseguição pelo fato do parentesco com André
Tripa, José de Moura Belarmino e Dona Agda deixaram o solo alagoano e
passaram a residir na cidade pernambucana de Correntes, não muito
distante de Garanhuns. Trabalhavam nas terras do Dr. Eutrópio Gonçalves
de Albuquerque e Silva[2], juiz de direito aposentado e pessoa de muito prestígio na região.
Nessa convivência o juiz Eutrópio se afeiçoou do jovem Higino e
passou, com a anuência de seus pais, a lhe ensinar elementos básicos da
educação. Depois o patrão dos seus pais conseguiu para o garoto de
quinze anos de idade um emprego na empresa Carlos de Britto & Cia.,
mais conhecida como Fábrica Peixe. Essa firma havia sido fundada por
Maria da Conceição Cavalcanti de Britto e Carlos Frederico Xavier de
Britto, no ano de 1898, na cidade pernambucana de Pesqueira. Começou
como um pequeno negócio destinado a produção de doces de goiaba, mas em
poucos anos se tornaria uma grande empresa e um marco da
industrialização do Nordeste[3].
Logo Higino Belarmino deixa esse trabalho na Fábrica Peixe em 1911 e
vem para o Recife com a intenção de ingressar como soldado raso na Força
Pública de Pernambuco, atual Polícia Militar. Contou que tinha sido
aberto o voluntariado, pois, como não era algo anormal das primeiras
décadas do século XX, havia estourado uma nova revolta política no
Brasil. Dessa vez o movimento ocorreu no Nordeste e foi comandada pelo
general Emídio Dantas Barreto.
Esse militar havia decidido concorrer naquele ano contra Francisco de
Assis Rosa e Silva, então governador de Pernambuco. Dantas Barreto
perdeu a eleição, mas seus correligionários não aceitaram a derrota e o
Recife testemunhou inúmeros acontecimentos violentos que deixaram a sua
população apavorada. Tiroteios, brigas, fechamento do comércio,
paralisação dos bondes e o povo sem ir às ruas. Até mesmo tropas
federais do 49º Batalhão de Caçadores, junto com populares,
realizaram ataques contra os quartéis da Polícia e o próprio Palácio do
Governo. Finalmente, em 19 de dezembro de 1911, Dantas Barreto assumiu o
cargo de Governador de Pernambuco[4].
Quanto a Higino Belarmino, apenas em 1º de março de 1912 quando a
revolta já tinha sido encerrada, efetivamente se tornou um militar.
Realmente parece que Higino José Belarmino não havia nascido para ser
operário de uma fábrica de doces, mas para viver com um “pau de fogo”
nas mãos, tal como seu pretenso primo André Tripa. A diferença era que
enquanto o Tripa apodrecia em uma cova, Higino utilizou sua farda e seu
fuzil pelo resto de sua longa vida!
Trocando Tiros com Antônio Silvino e em Fernando de Noronha
Mal havia entrado na polícia Higino Belarmino já foi deslocado para a
Zona da Mata Norte de Pernambuco, sob o comando do alferes Nicolau
Pinto Teixeira, com ordens de perseguir o cangaceiro Antônio Silvino e
seu bando. A sua volante tinha sede na cidade pernambucana de Timbaúba e
por lá o antigo operário de Pesqueira chegou em julho de 1912 e lá
permaneceu um ano inteiro. Higino comentou que entre suas perseguições
ao célebre cangaceiro, ele foi ferido por um balaço na coxa direita em
um combate ocorrido nas imediações da cidade paraibana de Pedra de Fogo.
Ao cruzamos essa informação com os jornais pernambucanos e paraibanos
de julho de 1912, não encontramos nenhuma referência sobre algum
combate nessa cidade paraibana. Mas sabemos que no começo desse mesmo
mês Antônio Silvino e seus cangaceiros estiveram próximos da vila
pernambucana de São Vicente, atual cidade de São Vicente Ferrer,
localizada a cerca de 60 quilômetros de distância de Pedra de Fogo.
Nessa aproximação supostamente houve um tiroteio e depois os cangaceiros
se homiziaram nas matas dos engenhos Patos e Condado, locais que
estavam localizados na área do município pernambucano de Bom Jardim. Os
jornais afirmaram que o cangaceiro Silvino conhecia bem aquelas brenhas,
que utilizava aquela área como base para ataques aos lugares Macapá
(atual Macaparana), Pirauá (hoje um distrito de Macaparana), São Vicente
(atual São Vicente Ferrer) e Vicência[5].
Após o ferimento Higino segue para o Recife para se reestabelecer e
receber ordens. Não demorou e lhe foi informado que deveria seguir para o
Arquipélago de Fernando de Noronha com um grupo de prisioneiros. Nessa
época o mais belo e paradisíaco conjunto de ilhas oceânicas brasileiras
possuía um dos mais temidos presídios do país. Era comum o tráfego de
condenados, pessoal administrativo e guardas penitenciários entre Recife
e a Vila dos Remédios, a capital de Fernando de Noronha. Para isso era
utilizado o vapor de pesca “Alberto Maranhão”, pertencente à Companhia
de Pesca do Norte do Brasil.
Esse barco havia sido construído na Inglaterra, sendo originário do
porto de Grimsby, na região de North East Lincolnshire, leste da
Inglaterra e batizado como Grover. Foi comparado em 1910 pelo empresário
pernambucano, de origem holandesa, Julius von Shösten. Tinha 32 metros
de comprimento, pesava 180 toneladas brutas, comportava uma tripulação
de 12 homens, pescava com redes de arrasto que poderiam conseguir até 60
toneladas de peixes. Sabemos que Shösten tinha negócios no Rio Grande
do Norte e isso talvez possa explicar a bajulação em batizar esse barco
como “Alberto Maranhão”, então governador potiguar em 1910[6].
Mas aparentemente o negócio de pesca com o “Alberto Maranhão” não
parece ter sido muito favorável para o empresário Shösten, pois no
segundo semestre de 1912 essa nave basicamente fazia a ligação
administrativa entre Recife e Fernando de Noronha e abastecia o
faroleiro que atuava no Atol das Rocas.
Não temos indicação da data quando o soldado Higino Belarmino
participou da viagem a bordo do vapor de pesca “Alberto Maranhão”, mas
em 26 de agosto de 1912 essa nave retornou de Fernando de Noronha com
nada menos que 42 detidos, que iriam concluir suas penas na Casa de
Detenção de Recife[7].
Não sabemos como era realizado o transporte desses condenados em um
barco originalmente destinado a pesca, nem como a escolta trabalhava, ou
se os compartimentos de guardar pescados, que certamente deveriam
existir em um barco de pesca, haviam sido adaptados como celas para
trazer os prisioneiros. Deveria ser o tipo de viagem que deixaria com
calafrios o pessoal que atualmente trabalha nas audiências de custódia
pelo Brasil afora.
Versos e Balas Contra os Seguidores do “Padim Ciço”
Após conhecer o Oceano Atlântico e Fernando de Noronha, em 5 de
dezembro de 1912 o soldado Higino recebeu ordens para se deslocar para a
cidade de Exu, distante 600 quilômetros de Recife. Ele ficou por dois
anos compondo a guarnição local[8]. Foi quando no Ceará estourou a Sedição do Juazeiro de 1914.
No contexto das lutas entre as oligarquias pela conquista do poder
político na época da Primeira República (1889 a 1930), os poderosos
coronéis da região do vale do Cariri, utilizaram a influência que o
médico e deputado federal Floro Bartolomeu tinha sobre a figura do padre
Cícero Romão Batista, o “Padim Ciço do Juazeiro”. Com isso eles
insuflaram os sertanejos da região a pegarem em armas para derrubar do
poder o governador do estado do Ceará, o coronel Marcos Franco Rabelo. O
governo de Pernambuco então envia homens da sua polícia para evitar a
invasão do território pelos sediciosos do Juazeiro[9].
Higino conta no seu relato de 1952, mesmo sem detalhar, que ocorreu
uma luta no lugar Cana Brava, no município de Exu, Pernambuco, entre a
força policial e os homens armados de Juazeiro. Contou que durante essas
lutas os combatentes trocavam muitos insultos, palavrões e declamavam
versos para ridicularizar os oponentes. O militar recordou essa quadra,
criada e declamada pelo “Povo do Juazeiro”:
Higino animava seus companheiros, mandava bala e também afrontava os
oponentes. Tirava a longa baioneta do seu fuzil, colocava no cano e
dizia ”fulano, olha aqui a tua vela. Olha que vais ser sangrado”. Na
mesma hora vinha a resposta do outro lado – muita bala e outro verso:
Segundo relatou o soldado Higino, ou Nego Gino, como ficou mais
conhecido, recebeu por participar dessas ações de combate a patente de
anspeçada e logo depois a de cabo. Mas houve outro prêmio – Segundo o
relato de Higino, os homens do padre Cícero criaram uma quadra
enaltecendo sua valentia…
Eu sei que quando morrer,
Nos inferno vou pará,
Me valha padim Ciço,
Se eu encontrar Gino pru lá.
Não sabemos maiores detalhes da entrada dos sertanejos seguidores do
padre Cícero em território pernambucano e de suas lutas com a força
policial daquele estado, mas sabemos que o grosso da “Gente do padre
Cícero” marchou e combateu desde o Cariri até Fortaleza e foram
vitoriosos. Franco Rabelo foi deposto em 15 de março de 1914, ficando no
poder apenas três meses.
Contra os Sipaúbas
No ano seguinte, nos primeiros dias de outubro de 1915, Higino
Belarmino estava servindo sob as ordens do então tenente José Caetano de
Mello, um oficial brioso e valente. Nessa época esse militar atuava na
cidade de Cabrobó e juntos com outros policiais passaram a perseguir um
grupo de cangaceiros que se encontrava atuando nessa região[12]. Este era o bando dos Sipaúbas, ou Cipaúbas, cuja grafia muda conforme a fonte pesquisada.
Um jornal de época e o depoimento de Higino Belarmino comentaram que
esses cangaceiros atuavam nas caatingas dos municípios pernambucanos de
São José de Belmonte, Salgueiro e Cabrobó. Já a prisão ocorreu no lugar
Jacaré, cerca de duas léguas (16 quilômetros) de Cabrobó, próximo ao
sítio Barro Vermelho. Foram presos os irmãos Cassiano e José Sipaúba.
Segundo Jorge Mattar Villela, autor do interessante livro O povo em armas : violência política no sertão de Pernambuco, esses bandoleiros formavam um “microgrupo
de base familiar cujas façanhas, já em 1915, os retirava das pequenas
intrigas e fazia seus nomes migrarem para as preocupações das
autoridades policiais litorâneas”. Villela informa que José Sipaúba
foi a julgamento em 1916 e foi inocentado por unanimidade. Nos anos
vindouros esse cangaceiro vai lutar ao lado de Sinhô Pereira e de
Lampião[13].
Ainda sobre os Sipaúbas não podemos deixar de comentar que em Guerreiros do Sol – Violência e banditismo no Nordeste do Brasil,
Frederico Pernambucano de Mello informou que o grupo dos Sipaúba era
composto por parentes e amigos, sendo naturais da famosa serra d’Umã,
município de Floresta, Pernambuco. Essa era a terra dos índios da tribo
Aticum-Umã, que se misturaram com um grupo de negros fugidos e ali
aquilombados ainda no século XIX.
Frederico conta que a serra d’Umã possuía uma “tradição de selvageria”
e que muitos assaltos ocorriam nas estradas da região. Para esse autor o
principal expoente desse bando foi Livino Sipaúba. Em 25 de setembro de
1926, os Sipaúba mataram seis soldados de uma volante pernambucana que
era chefiada pelo sargento José Alves de Barros, o Zé Saturnino. Mas nos
primeiros meses de 1927 o tenente Arlindo Rocha, também da polícia de
Pernambuco, prendeu Livino Sipaúba e em seguida o fuzilou[14].
Não sabemos se os Sipaúbas capturados em Cabrobó pelo tenente José
Caetano e seus policiais eram do mesmo grupo familiar dos Sipaúbas da
serra d’Umã.
Combate da Quixaba, ou Queixada?
O relato de Higino José Belarmino então nos leva a 6 de novembro de
1919, na zona rural de São José de Belmonte, em um momento de seca
tremenda. Nessa região o cabo Higino fazia parte de uma numerosa volante
composta por mais de 70 militares e paisanos, comandados pelo agora
capitão José Caetano de Mello e os tenentes Manuel da Costa Gomes e
Augusto de Lira Guedes[15].
Os policiais receberam a informação que um grupo com cerca de 45
cangaceiros, comandados pelos chefes Sinhô Pereira e Luís Padre, estavam
arranchados em uma propriedade que eles denominaram como Quixaba, a
cerca de 8 léguas (48 quilômetros) de São José de Belmonte, tendo esses
bandoleiros passado no dia anterior pelo lugar Olho D’Água[16].
Essa propriedade Quixaba pertenceria então a Antônio Pereira de Araújo,
conhecido como Antônio Maroto, primo de Sinhô Pereira e Luís Padre.
Ao realizar essa pesquisa, nada descobri com o cruzamento de
informações sobre a existência de alguma propriedade denominada Quixaba,
localizada na zona rural de São José de Belmonte e que pertencia a
Antônio Maroto. Diante da dúvida realizei um telefonema para meu amigo
Valdir José Nogueira, a quem considero um dos maiores e mais abnegados
pesquisadores nas questões sobre as lutas das famílias Pereira e
Carvalho, sobre o cangaço na região do Pajeú pernambucano e sobre a
história de São José de Belmonte, sua querida cidade.
Para Valdir o fato de não encontrar uma fazenda denominada Quixaba,
que tenha pertencido a Antônio Maroto, reside em uma situação bem
simples – Nunca existiu em São José de Belmonte uma propriedade com esse
nome e que tenha pertencido a essa pessoa. Para esse pesquisador o
fazendeiro Antônio Maroto tinha sim uma grande propriedade, mas essa era
a Queimada Grande, com uma parte de suas terras pertencendo a São José
de Belmonte e outra na área territorial do vizinho município de Jardim,
já no Ceará[17].
Em relação ao combate de 1919, Valdir afiança que ele se desenrolou
não muito distante de um pequeno arruado em desenvolvimento, denominado
Queixada, e não Quixaba, atualmente a sede do município autônomo de
Mirandiba[18].
Para o pesquisador belmontense, seja por erro de interpretação, ou de
grafia, nos telegramas emitidos para o quartel da polícia em Recife,
posteriormente divulgados para a imprensa local, sempre aparece o nome
Quixaba.
Valdir Nogueira afiança também que o combate de 6 de novembro de 1919
se deu na área da serra da Forquilha, uma elevação com cerca de 600
metros de altitude, próximo da serra Comprida e ao norte do riacho Terra
Nova. Essa região fica cerca de 16 quilômetros da antiga comunidade da
Queixada, atual Mirandiba.
E realmente tudo parece ter bastante fundamento, pois segundo Valdir
Nogueira a distância da região de São José de Belmonte para a Queixada
equivale a 8 léguas (48 quilômetros). Próximo da área da serra da
Forquilha existe até hoje uma propriedade denominada Olho D’Água. Valdir
me recordou também que o local desse combate fica próximo das antigas
comunidades de Bom Nome, Santa Maria (atual Tupanaci) e São Francisco
(pequena vila que foi coberta pelas águas do açude da Serrinha, cuja
população mudou para uma comunidade denominada Pajeú). Esses locais eram
pontos de forte apoio e concentração de membros da família Pereira,
onde Sinhô Pereira e Luís Padre contavam com bastante proteção.
Ainda em relação ao combate da serra da Forquilha, Valdir Nogueira
apontou que no Folheto XVII, intitulado A Primeira Caçada Aventurosa,
do Romance D’ A Pedra do Reino e o Príncipe do sangue do vai-e-volta, 2ª Ed. 1972, p. 83, o escritor Ariano Suassuna, rememorou esse acontecimento:
“Saímos, tomando o lado do qual se avista, do terraço (do casarão
da fazenda Carnaúba), a célebre “Serra da Forquilha”, aquela na qual um
dos Pereiras mais valentes do nosso tempo, Sinhô, Chefe venerado de
Virgolino Ferreira Lampião, tinha obtido vitória num sangrento combate
contra a Polícia e os Carvalhos”.
Voltando para o combate de 6 de novembro de 1919.
O numeroso grupo de 45 bandoleiros estava na área da Quixaba, ou
Queixada, porque esse local, segundo os estudiosos do tema Cangaço,
pouco tempo antes tinha sido atacado por Cindário e outros inimigos da
família Pereira. Sinhô Pereira então acreditava que nem a polícia e nem
seus inimigos retornariam ao lugar naquele momento. Mesmo assim ele e
Luís Padre dividiram seus homens pelos serrotes existentes, em um riacho
próximo e em uma casa que havia sido anteriormente queimada, mas que
possuía boas condições de proteger parte de seu grupo.
Em seu depoimento de 1952, Higino Belarmino afirma de maneira
categórica que entre os cangaceiros que estavam ao lado de Sinhô Pereira
nesse combate temos o vilabelense Virgulino Ferreira da Silva e dois de
seus irmãos, que cada vez mais aprendiam sobre as táticas de combates
na caatinga.
Enquanto os cangaceiros descansavam, a volante com mais de 70 militares e paisanos avançavam atrás deles!
Naquele dia Cindário e seu grupo de homens armados estavam entre os
paisanos que acompanhavam os policiais. O nome real de Cindário era
Jacinto Alves de Carvalho, sendo também conhecido como Cindário
Carvalho, ou ainda Cindário das Piranhas. Esse homem é tido por
Frederico Pernambucano de Mello como um “Cangaceiro vingador”, que havia
se tornado o braço armado da família Alves de Carvalho em sua sangrenta
luta contra a família Pereira[19].
Higino Belarmino narra então que a volante chegou na área onde se
concentravam os cangaceiros ainda com dia claro, tendo ele seguido junto
com o capitão José Caetano. O grupo se aproximou da casa semidestruída,
onde os soldados desconfiavam que estivessem os bandoleiros. Quando
estavam a dez metros do local os cangaceiros abriram fogo cerrado e oito
militares tombaram ao solo, ficando sete feridos e um morto. Esse
último foi o cabo José de Souza Oliveira, que segundo Higino recebeu um
tiro na carótida e morreu nos seus braços.
O tiroteio continuou forte, com os policiais em campo aberto e os
cangaceiros, em número superior a vinte, atirando do interior da casa e
gritando que os militares eram “filhos da besta torta”. Os
soldados feridos gemiam e pediam ao capitão José Caetano que não os
deixassem serem mortos a punhaladas pelos cangaceiros. Higino narra que
aqueles pedidos desesperados tornaram seus companheiros mais aguerridos.
Nesse momento o capitão chamou Higino e lhe disse que eles deviam tomar
aquela casa “de qualquer maneira”. Mesmo com a munição
escasseando, o cabo comandou um grupo de dez policiais em um ataque
direto contra a casa. Entraram lutando pelos fundos da vivenda e se
misturando aos cangaceiros, que fugiram pelas janelas, aos gritos[20].
Por volta das seis da tarde chegou na área do combate o capitão
Theophanes Ferraz Torres, com um reforço de homens e munições. Esse
militar informou ao comando da força policial em Recife que o combate
durou duas horas e, além da morte do cabo José de Souza Oliveira,
ficaram feridos os soldados Izidoro Leite da Silva, João Mathias Santos,
José Soares da Costa, Henrique Ludgero Santos, Firmino Jeronymo Silva,
Antônio Francisco Xavier e o cabo Antônio Marques Silva. O capitão
Theophanes informou que o cabo Marques levou um tiro no crâneo, mas
estava vivo quando o encontrou[21].
Na página 29 do livro de Nertan Macedo Sinhô Pereira – O Comandante de Lampião, publicado em 1975 (Ed. Artenova, São Cristóvão-RJ), o autor trás o depoimento de Sinhô Pereira sobre esse combate.
O antigo combatente das caatingas afirmou que o combate se deu
realmente na propriedade Quixaba, que a mesma pertencia a seu primo
Antônio Maroto e que o bando teria “23 ou 24 homens” e não 45 como
Belarmino afirmou em 1952. Sinhô confirmou que a casa do lugar havia
sido anteriormente depredada por Cindário e seu grupo e nela se
encontrava seu primo Luís Padre com cinco ou seis homens. Já Sinhô
estava em um riacho próximo com outros dezessete cangaceiros, deitados
no chão, descansando. A polícia e Cindário chegaram e cercaram a casa,
pensando que todos os cangaceiros estavam lá e para Sinhô Pereira a
volante teria “20 e tantos homens”. Já o tiroteio teria durado três
horas, em meio a um sol bastante quente. Ficaram feridos cinco
cangaceiros: Zé Preto, Moreno, Teotônio, Chiquito e Zé Piutá. Além
desses outro ferido foi Luís Padre, atingido de raspão na pestana,
ferimento esse que sangrou bastante. Sinhô confirmou que um soldado
ficou morto no terreiro e um dos policiais feridos ficou “todo
aleijado”. Em nenhuma linha do seu depoimento a Nertan Macedo o ex-chefe
cangaceiro afirmou que Virgulino Ferreira da Silva e seus irmãos
estiveram presentes nesse combate.
Em seu extenso depoimento realizado ao jornal recifense Diário da Noite de
1952, Higino Belarmino afirmou que após o termino do tiroteio o capitão
José Caetano solicitou ao capitão Theophanes Ferraz a promoção do cabo
Higino pela sua bravura e seu comportamento naquele combate. Mas o
capitão Theophanes negou, visto não ter o inferior “morto o chefe dos bandidos Sebastião Pereira”[22].
NOTAS DESTE TEXTO..…………………………………………………………………………………………………………………………
[1] Ainda sobre André Tripa, Frederico Pernambucano de Mello nos conta o seguinte
– Foi Morto com uma manulixa de um Tenório, da localidade Gentio, e
também Miguel quem nos revela como isto se deu, a partir, como sempre,
de uma denúncia:
Levaram fresca a noticia,
Na Pedra, ao capitão Basto,
Este tirou dez soldados,
Ver se o Tripa tinha gasto.
Seguiram para Santo Antonho,
Onde tem cabra medonho,
Bom de espingarda e de rasto.
Famoso e legendário ainda em vida, como costumava acontecer com
os bandoleiros que mais se destacavam, Tripa mereceria, por morte,
citação no relatório anual do chefe de polícia de Pernambuco, Manuel dos
Santos Moreira, dirigido ao governador Sigismundo Antônio Goncalves,
com data de 31 de janeiro de 1905:Nos limites da Pedra com o município
de Garanhuns, deu-se o encontro da força com o grupo chefiado pelo
célebre bandido André Tripa, resultando a morte deste e de uma praça.
Ver – Mello, F. P. Guerreiros do Sol – Violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 5ª ed. São Paulo-SP, 2013, páginas 355 a 357.
[2] Eutrópio
Gonçalves de Albuquerque e Silva foi juiz em várias cidades do interior
pernambucano, como Flores e Cimbres, tendo sido aposentado por
problemas de saúde em 1905, conforme se descreve na primeira página, da
edição de 7 de julho de 1905, do Diário de Pernambuco. O Dr.
Eutrópio passou a receber uma pensão anual de três contos, oitocentos e
sessenta mil e quinhentos e dezoito réis (3:860$518).
[5] Ver Jornal do Recife, Recife-PE, edições de 20 de julho de 1912, pág. 2, e 24 de julho de 1912, pág. 2.
[6] Ver jornal A República, Natal-RN, edição de 19 de julho de 1910, pág. 1.
[7] Ver Jornal Pequeno, Recife-PE, edição de 26 de agosto de 1912, sem indicação de página.
[8] Ver Diário da Noite, Recife-PE, edição de 19 de abril de 1952, pág. 1.
[9] Ver Diário de Pernambuco, edição de 18 de fevereiro de 1914, pág. 1
[10] A
declamação de versos em meio aos tiroteios na caatinga nordestina era
algo comum e prática antiga, destinada a animar os combatentes no meio
da refrega, ou “fogo”. Frederico Pernambucano de Mello nos conta – Rio
Preto, no quartel final do século XIX, foi cangaceiro e cantador
apreciado na fronteira da Paraíba com Pernambuco, dele não se sabendo se
mais temido por conta dos desafios ou das brigadas em que se envolveu.
Findo o combate, armas ainda em brasa, do bando de Sinhô Pereira – de
atuação na mesma área mas já no século XX – alteava-se uma voz que fazia
a perfeita crônica em versos de todo o combate. Ver – Mello, F. P. Guerreiros do Sol – Violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 5ª ed. São Paulo-SP, 2013, página 24.
[11] O
termo cruzeta aqui empregado, se refere a uma denominação utilizada no
Nordeste do Brasil, para determinados modelos do rifle de fabricação
norte-americana da marcar Winchester.
[12] José
Caetano de Mello nasceu em 18 de julho de 1872 no distrito de Papagaio,
na cidade pernambucana de Pesqueira, sentou praça na então Força
Pública de Pernambuco em 1893 nas patentes mais baixas e durante as três
décadas em que esteve na corporação ascendeu as patentes mais elevadas
pela sua capacidade na luta contra o cangaço. Esteve em atuação em mais
de vinte cidades pernambucanas e travou lutas com célebres cangaceiros
como Antônio Silvino, Sinhô Pereira e Lampião. Aparentemente foi
aposentado em 1926 por um problema na mão esquerda, em decorrência de um
tiro recebido. Escolheu viver na cidade de Angelim, no agreste
pernambucano, a 25 quilômetros de Garanhuns, onde constitui família e
findou seus dias em 5 de novembro de 1964. Apesar dos seus feitos como
policial é um homem praticamente esquecido pelos que estudam o tema do
Cangaço no Nordeste do Brasil. Exceção do pesquisador e escritor
pernambucano Júnior Almeida, que em junho de 2018 participou, juntamente
com a Polícia Militar do Estado de Pernambuco e da Prefeitura Municipal
de Angelin, de uma tocante cerimônia em memória desse valente militar.
[13] Ver Vilella, J. M. O Povo em Armas : violência política no sertão de Pernambuco.
1ª ed. Rio de Janeiro-RJ, 2004, páginas 178 e 178. O trabalho de
Vilella é muito interessante, onde durante suas pesquisas entrevistou
participantes diretos ou indiretos de movimentos armados ocorridos no
sertão pernambucano e pesquisou em vários processos judiciais arquivados
nos fóruns das cidades interioranas.
[14] Ver – Mello, F. P. Guerreiros do Sol – Violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 5ª ed. São Paulo-SP, 2013, página 234.
[15] Ver Diário da Noite, Recife-PE, edição de 22 de abril de 1952, sem indicação de página.
[16] Sobre as informações referentes a distância e quantidade de cangaceiro ver jornal A Província, Recife-PE, edição de 13 de novembro de 1919, pág. 1.
[17] Para
Valdir José Nogueira, com as divisões territoriais que afetaram
inúmeros municípios nordestinos ao longo das últimas décadas, as terras
da fazenda Queimada Grande que se encontram no Ceará atualmente
pertencem ao município de Penaforte, criado em 31 de outubro de 1958.
[18] Segundo
informações existentes a primeira casa da atual sede do município de
Mirandiba foi construída em 1915, por um proprietário rural chamado
Elizeu Campos e queixada é a denominação de um tipo de porco selvagem
existente no Nordeste do Brasil, cujo nome cientifico é Tayassu pecari.
Depois a localidade foi crescendo e teve sua denominação alterada para
São João de Campos (1915) e na sequência para Mirandiba (1938), que é
uma denominação indígena para porco selvagem ou porco queixada. Ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Mirandiba
[19] Cindário,
segundo Frederico Pernambucano de Mello, perdeu nas lutas sangrentas
seus irmãos José e Antônio e fizeram parte do seu grupo os sertanejos
José Cipriano, Vicente Moreira, João Porfírio, João Juvino, Barra de
Aço, Eliziário e os irmãos Pedro. Ver – Mello, F. P. Guerreiros do Sol – Violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 5ª ed. São Paulo-SP, 2013, página 227.
[20] Ver – Gueiros, O. Lampeão – Memorias de um Oficial Ex-comandante de Forças Volante. 4ª ed. Livraria Progresso Editora, Salvador-BA, 1957, páginas 119 a 120.
[21] Torres Filho, G. F. de S. Pernambuco
no tempo do cangaço (Antônio Silvino Sinhô Pereira, Virgulino Ferreira
“Lampião”) : um bravo militar : a vida e a época do tenente-coronel
Theophanes Ferraz Torres : 1894-1925. 1ª ed. CEHM, Recife-PE, 2002, páginas 222 a 224.
[22] Ver Diário da Noite, Recife-PE, edição de 22 de abril de 1952, sem indicação de página.